Mais do que contar uma história, Starship Troopers, obra polémica de Robert A. Heinlein, recorre aos mecanismos de uma narrativa de ficção para desenvolver um longo - e muito interessante - ensaio militar, político e mesmo social. De facto, muitos são os momentos em que temos a sensação de que a trama - a progressão de "Johnnie" Rico na "Mobile Infantry" durante o conflito espacial com uma espécie alienígena, os "Aracnídeos" - tem como único propósito servir de veículo à visão da sociedade futurista que Heinlein descreve: uma sociedade saída da queda das democracias ocidentais do século XX, e que vive naquilo a que (muito livremente) chamaria de "democracia militar". Nesta sociedade, os direitos plenos de cidadania apenas são adquiridos após a conclusão de um período de serviço militar voluntário; quem não o fizer, não poderá votar ou candidatar-se a cargos públicos, mantendo porém outros direitos cívicos como liberdade de expressão ou de associação. Os castigos corporais são relativamente comuns, também.
As personagens, essas, mais do que serem fundamentais à evolução do enredo, são fundamentais à reflexão do próprio autor. Por exemplo, é através do Coronel Dubois e das suas aulas de História e Filosofia Moral, recordadas em constantes analepses, que uma parte significativa da mensagem da história é transmitida - e é através da recordação de Johnnie dos constantes debates daquelas aulas que o leitor compreende a formação daquela sociedade, e os diferentes factores que a sustentam. Para além de o próprio Dubois ser uma fonte aparentemente inesgotável de conhecimento militar, histórico e táctico, que Heinlein não se cansa de partilhar com o leitor.
Mas não se pense que Starship Troopers, sendo uma obra tão marcadamente ideológica, perde por isso a sua qualidade narrativa. A verdade é que a história, apesar de relativamente simples, funciona muito bem, e a constante ideologia presente não impede o leitor de "entrar" realmente naquele mundo - ajuda-o, aliás, na percepção de todo o enquadramento narrativo. Para além, claro, de todas as cenas do treino militar, e da acção frenética, sempre na primeira pessoa, dos combates. E, claro, da escrita de Heinlein - simples, fluída, ritmada.
Mas Starship Troopers não foi (é) apenas um livro polémico - é também uma obra extremamente influente, e não só em termos literários - não fosse, afinal, Heinlein um dos "três grandes" da ficção científica, a par dos mestres Isaac Asimov e Arthur C. Clarke. O filme foi transposto para o cinema em 1997 por Paul Verhoeven, numa adaptação simpática que deixa a filosofia de lado para se focar na acção. Mas a influência de Starship Troopers é anterior ao filme. Aliens, de James Cameron, tem influências óbvias da obra de Heinlein. E os próprios criadores do jogo Starcraft reconheceram a obra como uma das influências determinantes na criação daquele universo.
Adaptado deste post do Delito de Opinião
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