Quando se fala em Ursula K. Le Guin, as obras mais referenciadas são, na ficção científica, The Left Hand of Darkness e The Dispossessed, e a série Earthsea na fantasia. Justamente, diga-se de passagem. No entanto, há um outro livro da autora que, ainda que seja menos referenciado, nem por isso o considero inferior - sendo mesmo absolutamente brilhante em alguns momentos. Falo de The Lathe of Heaven.
The Lathe of Heaven começa com uma premissa interessante: o protagonista, George Orr, vive em profunda depressão por causa dos seus sonhos. Ou melhor, por aquilo que acaba por ser designado por "sonhos effectivos" - sonhos profundos que têm o poder de alterar toda a realidade. Como se substituíssem a realidade conhecida e vivida por todos por a nova realidade, sem que ninguém perceba a diferença - excepto Orr, claro, que mantém a memória da realidade anterior. Orr tenta por todos os meios impedir-se de ter "sonhos efectivos", recorrendo ao consumo abusivo de drogas, o que acaba por o conduzir a um psiquiatra. Esse psiquiatra, William Haber, revela-se céptico quanto à capacidade de Orr conseguir alterar a realidade através dos seus "sonhos efectivos". No entanto, após induzir o seu paciente num sonho efectivo, sugerindo-o através de hipnose e de uma máquina por si desenvolvida (o Augmentor), verifica de facto o poder de Orr - e não hesita em utilizá-lo, a pretexto de terapia, para tentar criar um mundo melhor - e, naturalmente, para aumentar o seu poder e prestígio. Naturalmente, as coisas começam a complicar-se devido à sua ambição - e também devido à capacidade de o inconsciente de Orr mostrar como um mundo perfeito é apenas uma fachada para um intrincado novelo de imperfeições.
É justamente neste ponto que reside a força da narrativa de The Lathe of Heaven: Le Guin consegue, com inegável mestria, demonstrar como cada utopia encerra em si uma distopia, e como o ambicionado "mundo perfeito" não pode jamais existir. As tentativas de Haber mudar o mundo para melhor esbarram sempre no inconsciente de Orr - que, no fundo, é o refúgio da sua humanidade, e da sua incapacidade ignorar as "imperfeições" que definem os seres humanos - e assim gerando distopias cada vez maiores, em proporção às utopias ambicionadas por Haber.
Diz-se que The Lathe of Heaven é o tributo de Ursula K. Le Guin a Philip K. Dick. As influências estão lá todas, de facto, com o tema das múltiplas realidades - tão caro a Philip K Dick - a ser abordado de forma particularmente interessante e, a meu ver, original.
The Lathe of Heaven conheceu duas adaptações para filme. A primeira adaptação, de 1980, foi para um filme televisivo, e Le Guin participou activamente na produção, considerando o resultado satisfatório. Já a segunda, de 2002, foi, nas palavras da própria Le Guin, "misguided and uninteresting".
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