9 de abril de 2012

A Ficção Científica e o Cinema: 2001: A Space Odyssey

Há dias, enquanto fazia zapping, apanhei no TCM o início de 2001: A Space Odyssey, a obra-prima de ficção científica escrita em livro por Arthur C. Clarke e realizada em filme por Stanley Kubrick em 1968. Não é segredo para ninguém (acho eu) que 2001: A Space Odyssey é, de longe, o meu filme de ficção científica preferido - quando, há dois anos, desenvolvi no Delito de Opinião a minha lista pessoal dos melhores filmes de ficção científica, coloquei-o em primeiro lugar; e creio que por mais alterações que esta lista venha a conhecer ao longo dos anos, o topo permanecerá imutável. Recuperando (e adaptando) o que escrevi na altura:
De todos os comentários que tenho escrito aos filmes desta lista, este foi o mais difícil. Se 2001: A Space Odyssey é, para mim, o melhor filme de sempre, é também m filme difícil de descrever, ou de sobre ele escrever. Começa-se por onde? Pela maior e mais fantástica elipse da história do cinema? Pelo silêncio que pauta a narrativa, mostrando o espaço com um realismo ainda por superar, e interrompido, a espaços, por uma banda sonora fabulosa? Pela angústia da cena - sem dúvida os mais longos cinco minutos que vivi em cinema - em que Dave Bowman deixa a nave no módulo para salvar o seu companheiro no abissal vazio do espaço, ou mesmo pela angústia de uma difusa sensação de solidão permanente que o filme transmite? Ou por Hal, o computador da nave e um dos mais famosos vilões que já apareceram em filme (apesar de, na prática, Hal nunca aparecer), a despedir-se de Dave com a mesma frieza com que desliga o suporte de vida dos cientistas? Poderíamos também notar a atenção ao detalhe, imagem de marca de Kubrick e neste filme levada ao extremo, tornando-o, e digo-o novamente, no filme "espacial" mais realista feito até ao presente. Ou poderíamos divagar, e entrar nas discussões que começaram em 1968, ano de estreia do filme (há 44 anos!): qual a origem dos monólitos? O que acontece aos cientistas na Lua quando o "alarme" dispara? Qual o verdadeiro significado da trio que ocupa o longo final do filme? O que acontece a Dave? Ascende a outra condição? Qual? Perguntas ainda hoje sem resposta para quem apenas viu o filme (Arthur C. Clarke esclarece um pouco mais no livro), e mais uma prova da longevidade de 2001: A Space Odyssey, filme que após quatro décadas continua a suscitar debate. A frase de Dave, "open the pod bay doors, Hal", ficou gravada na história do cinema. Com razão: naquele momento, e independentemente de quando vimos o filme, todos estávamos a sair para o espaço com Bowman.
Foi a primeira vez que revi o filme desde que li o livro de Arthur C. Clarke - que, de facto, projecta uma luz mais clara sobre alguns dos momentos mais complexos do filme (nomeadamente a passagem final). 2001: A Space Odyssey impressiona por tudo: pela beleza de cada plano, pela forma como a banda sonora encaixa na perfeição em cada momento, como se som e imagem fossem um único elemento, pela atenção ao detalhe, por pequeno que seja, pelo realismo - gravidade! ou falta dela -, pelo grandioso final, a passagem de Dave Bowman para "além do infinito" naquela sequência memorável, o nascimento da "Starchild"… enfim, nada a apontar. 2001: A Space Odyssey é muito mais do que um simples filme de ficção científica - é um dos grandes filmes da história do cinema.

Ainda que, muito francamente, não se poderia esperar outra coisa deste projecto, que juntou um dos maiores realizadores da história do cinema e um dos maiores escritores da história da ficção científica. Independentemente das divergências entre ambos - e parece que foram muitas -, o resultado, tanto em livro como em filme, foi espantoso. 2001: A Space Odyssey não é uma space opera, não é uma distopia - é algo profundamente mais complexo, profundamente mais interessante (não desfazendo) e profundamente mais belo.

Curiosamente, entre as pessoas que conheço estou praticamente sozinho nesta "paixão", chamemos-lhe assim. A grande maioria descarta 2001: A Space Odyssey como um filme "chato", "parado", "com pouca acção", "onde ninguém fala" e "que não tem história". O que talvez seja, de forma algo retorcida, um elogio à obra de Kubrick, em comparação com o cinema actual, marcado pelos efeitos especiais como fim em si, por diálogos paupérrimos e por narrativas desprovidas de qualquer sentido de ritmo, onde o que importa é "acontecer alguma coisa" a cada momento. 2001: A Space Odyssey (e toda a obra de Kubrick em geral) é o oposto desta tendência - e permanece hoje como uma das melhores definições de "filme" e "cinema". 10/10

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