16 de abril de 2012

Clube de Leitura do Fantástico - O Livro de Areia (13 de Abril de 2012)

Se duas sessões servirem de amostra, diria que uma das coisas mais interessantes do Clube de Leitura do Fantástico da Bertrand é o facto de se acabar por falar menos do livro que serve de mote à sessão e mais de outros temas e assuntos. Isto, note-se não é uma crítica: do livro fala-se sempre, e temos sempre oportunidade de falar deles (e de outros); mas nem sempre temos a oportunidade de estar à conversa com os convidados sobre temas que eles conhecem bem. Na sessão da última Sexta-feira (13, e chuvosa), o convidado da tertúlia moderada pelo Rogério Ribeiro foi o Pedro Piedade Marques, editor da Livros de Areia, designer gráfico e recentemente nomeado para um British Science Fiction Award na categoria de "Best Art" pelo seu trabalho na ilustração da capa do livro Osama, de Lavie Tidhar.

Pedro Marques - que no último Fórum Fantástico teve a seu cargo uma excelente apresentação sobre ilustração na ficção científica nos anos 60 - falou sobre a sua experiência na área da edição, sobretudo com a editora Livros de Areia, da qual foi fundador. De acordo com as palavras do editor e ilustrador, a editora "surgiu em 2005, antes de o mercado editorial se tornar complicado", e rapidamente conseguiu um feedback muito bom da parte da imprensa - ainda que algumas reportagens tenham sido "curiosas", para dizer o mínimo (desde a "fotografia horrível" até à referência à "editora de Viana do Castelo", como se a geografia fosse relevante). Houve uma grande procura da parte do público pelas publicações da Livros de Areia, fruto da aposta na qualidade da edição, e que para Pedro Marques prova que o investimento na qualidade e na imagem pode compensar. No entanto, desde então muitas foram as mudanças no mercado editorial português, com o aparecimento de grandes grupos editoriais que retiraram liberdade aos livreiros e colocam as editoras mais pequenas em desvantagem. Hoje, considera Pedro Marques, "os livros não são vendidos pela qualidade, mas pela máquina de marketing.

Entrando por fim em Jorge Luís Borges, e falando tanto de O Livro de Areia - que serviu de mote à tertúlia - como de Ficções, Pedro Marques definiu ambas as obras de Borges como "um livro que se debica". O convidado admitiu desde logo não gostar de todos os contos do autor - algo que em nada diminui o fascínio por Borges, e por os contos em que "lança uma ideia e quase desafia o leitor a acabá-la". De certa forma, e evocando o último conto de O Livro de Areia, funcionam quase como um "livro aberto, um livro infinito", e é precisamente aí que reside o seu encanto. Pedro Marques salientou que o Fantástico de Borges é diferente do que normalmente designamos por Fantástico - não é tão de "nicho" como o americano, estando menos ligado à fantasia e ao horror, e abrindo portas para o mainstream. "É difícil falar de Borges só com um livro", admitiu Pedro Marques, aludindo aos constantes "labirintos" do autor, aos seus contos com grande componente autobiográfica (como o conto O Outro, o meu preferido n'O Livro de Areia), à sua vastíssima erudição que abre as portas a tantos outros autores e a tantas outras deambulações literárias. 

Houve ainda tempo para falar sobre um aspecto interessante da literatura, que é, justamente, tudo aquilo que envolve a literatura e que normalmente não se vê: os artistas, o trabalho da edição, todo "o processo de feitura dos livros". Um tema que para Pedro Marques é particularmente relevante, mas sobre o qual "falta interesse e estatísticas" - o que se torna cada vez mais preocupante num tempo em que a memória sobre isso se começa a perder, fruto da passagem do tempo e também do desaparecimento de muitas editoras, adquiridas por grandes grupos que não trabalham para preservar a memória. Pessoalmente, foi um tema que me interessou, sobretudo pelo facto de nunca nele ter pensado antes.

E finda a sessão - desta vez num outro espaço da Livraria Bertrand do Chiado (na prática, fora dela), mais frio, menos confortável e com um som ambiente formidável (passe a ironia) -, a conversa continuou animada na Tertúlia Noite Fantástica. O restaurante escolhido desta vez foi o Wok Oriental, com melhor preço, melhor comida e adolescentes a embebedarem-se com penalties de sangria mesmo atrás de nós (isto não é uma queixa - quem nunca fez aquilo que atire a primeira pedra). Para o mês que vem há mais - a próxima sessão do Clube de Leitura do Fantástico terá como livro em debate The Wizard of Earthsea, de Ursula K. Le Guin. 


2 comentários:

Safaa disse...

Excelente resumo, João!

João Campos disse...

Obrigado, Safaa! É sempre bom regressar a algo mais próximo do jornalismo, ainda que por pouco tempo.