9 de março de 2012

Facepalm (1)

Excluída a Saída de Emergência, que realmente tem lá pessoas que sabem da poda (no caso, sabem e gostam do Fantástico), para o mercado editorial português o Fantástico parece ser apenas um verbo de encher - mesmo quando algum Fantástico parece ser moda hoje em dia. E não, não é (só) por causa das traduções. Exemplo rápido: como dá para reparar ali na barra do lado, estou actualmente a ler - e, já agora, quase a acabar - Ubik, de Philip K. Dick. Sem surpresas, está a ser uma leitura fenomenal - como, de resto, o autor já me habituou. A edição que tenho, comprada por mais ou menos sete euros na Amazon britânica, é a da colecção SF Masterworks, da Gollancz. Na contracapa, tem a sinopse que transcrevo de seguida:

Glen Runciter is dead. Or is he? Someone died in the explosion orchestrated by its business rivals, but even as his funeral is scheduled, his mourning employees are receiving bewildering messages from their boss. And the world around them is warping and regressing in ways which suggest that their own time is running out. If it hasn't already.

58 palavras. Tudo muito simples - fala-se do protagonista, fala-se da narrativa, sem no entanto revelar demasiado ou incluir spoilers demasiado óbvios. Pois bem; Ubik foi traduzido e editado em Portugal pela Editorial Presença. Há dias, ao passar numa livraria em Lisboa, deparei-me com o livro, e não resisti a ler a contracapa. Para meu grande espanto, que ainda mantenho alguma ingenuidade, a contracapa é praticamente toda ocupada por uma mancha de texto que pretendia ser uma sinopse mas que na prática elimina a necessidade de o leitor ler com atenção pelo menos os cinco primeiros capítulos do livro. Não estou a brincar: aquela sinopse explica tudo. Mais ou menos como ver um filme com um amigo que, por já ter visto, decide contar logo a primeira metade da história pensando que nos vai aguçar o apetite.

Mas isto talvez nem seja o pior. Mais divertida ainda é a sinopse ao livro que está on-line no site da Presença. Ora vejam:

Ubik
Entre Dois Mundos (na capa do livro, aparece "Entre 2 Mundos"; detalhes)
Sinopse: Ubik, tal como Blade Runner ou Minority Report, é uma das obras-primas de Philip K. Dick. Um dos livros mais assinaláveis dos anos 60, foi escrito num estilo muito próximo da pulp fiction e encerra tanto um thriller como um romance. O enredo desenrola-se numa atmosfera futurista, no ano de 1992, em que os avanços tecnológicos permitem manter os defuntos num estado de meia-vida até à próxima reencarnação. É criada em Nova Iorque uma organização que emprega pessoas com vários talentos psíquicos, desde telepatas a precogs, entre outros. Do mesmo autor de Relatório Minoritário e de Os Três Estigmas de Palmer Eldritch, Ubik é uma espantosa comédia metafísica sobre o medo da morte e a salvação, em que as pessoas são congeladas, num estado de meia-vida. Mais um livro deste consagrado autor que integra a colecção Viajantes no Tempo.

Senhores da Presença: Blade Runner não é "uma das obras-primas" de Philip K. Dick, mas sim de Ridley Scott. A obra-prima de Philip K. Dick a que se referem será o livro Do Androids Dream of Electric Sheep?, no qual Scott se baseou para fazer um dos melhores filmes de ficção científica de sempre. Isto não é um detalhe - é uma confusão grave entre duas obras completamente diferentes.

Enfim, isto é a edição de clássicos da ficção científica em Portugal - com um preço de capa de quinze euros, mais coisa menos coisa. Depois admiram-se as editoras de que quem se pode dar a tal luxo opte pelas edições inglesas ou americanas.

2 comentários:

Rita Santos disse...

Então é sinopse para totós. :p

João Campos disse...

Ou então é a versão moderna daqueles resumos da Europa-América dos Maias e assim :)