28 de fevereiro de 2012

Os Óscares e a Ficção Científica

É difícil encontrar um género mais avesso aos Óscares do que a Ficção Científica. O que não deixa de ser curioso: por mais subjectivas que as "listas" de "melhores filmes" ou de "filmes mais marcantes" possam ser, qualquer lista elaborada com um mínimo de critério não poderá não mencionar pelo menos um ou dois títulos do género. Claro que a Ficção Científica costuma levar quase todos, quando não todos os Óscares nas "categorias técnicas". Não admira: foi muito às custas da Ficção Científica que os efeitos especiais evoluíram para chegar ao patamar impressionante onde se encontram hoje, e é expectável que essa tendência se mantenha. Por outro lado, normalmente a mesma dedicação dada aos efeitos visuais é também dada ao som e à montagem, pelo que outras distinções (ou pelo menos nomeações) "técnicas" são mais ou menos frequentes. 

Mas a verdade é que as ditas "categorias técnicas", por relevantes que sejam, são secundárias. Estão na festa, mas a um canto. O que conta mesmo são as categorias principais - melhores actores e actrizes, melhor filme, melhor realizador, e mesmo melhor argumento (original e adaptado). E nestas categorias, a Ficção Científica tem uma presença praticamente insignificante. Vejamos os filmes de ficção científica nomeados para o Óscar de Melhor Filme:

1971: A Clockwork Orange (Stanley Kubrick)
1977: Star Wars (George Lucas)
1982: E.T. The Extraterrestrial (Steven Spielberg)
2009: Avatar (James Cameron)
2009: District 9 (Neil Blomkamp)
2010: Inception (Christopher Nolan)

De fora das nomeações (para não falar dos prémios) ficaram obras incontornáveis como 2001: A Space Odyssey, Alien, The Empire Strikes Back, Blade Runner, Terminator 2: Judgement Day, The Matrix, e outros mais discutíveis. É manifestamente pouco.

Claro que se alargarmos a análise ao Fantástico em geral, vemos que a Fantasia, e mesmo o Terror, conseguiram também algumas nomeações - e, caso único, uma vitória, com The Lord of the Rings: The Return of the King, que não só levou os Óscares de Melhor Filme e Melhor Realizador (para Peter Jackson), como arrecadou um total de onze, vencendo todas as categorias para as quais estava nomeado e igualando os recordes dos clássicos Ben-Hur e Titanic. Claro que isto foi a pura excepção que confirma a regra (e, parece-me, mais um prémio à trilogia no seu todo). Facto é que, apesar de ter uma mão-cheia de filmes incontornáveis, o Fantástico - e sobretudo a Ficção Científica - tarda em se afirmar como um género igual aos outros, capaz de vencer os grandes prémios fora dos seus círculos próprios (e restritos). É certo que, apesar de os últimos anos nos terem dado alguns filmes de ficção científica bastante bons, não têm aparecido obras-primas (não, Inception ou Avatar não estão nesse patamar); mas ainda que aparecesse um novo 2001, ou um novo Blade Runner - quais seriam as hipóteses, de vermos um Óscar de Melhor Filme atribuído à Ficção Científica?

4 comentários:

Mag disse...

Não te esqueças que a Ficção Científica, o Fantástico e o Terror têm os seus próprios 'mundos' nos E.U.A. e que de certa forma são géneros de culto e restritos, apesar de, claro estarmos a falar de uma escala muito maior, em relação, por exemplo, a Portugal.

É facto que são géneros que continuam, salvo alguns (poucos) filmes, a ficar à margem dos Óscares. Considero que, apesar de ser uma Cerimónia vista por biliões de pessoas em todo o mundo e de serem considerados os prémios máximos de cinema (para alguns), os Óscares existem e são feitos à imagem de Hollywood. E nem sempre os grandes sucessos de bilheteira ou filmes de Ficção Científica, Fantasia e Terror são a representação de Hollywood. Eles premeiam os filmes que consideram ser de elite, e desta forma condicionam carreiras por um lado e fazem carreiras por outro.

Talvez estas áreas de culto e restritas, a Ficção Científica, a Fantasia e o Terror, devam continuar a sê-lo...

João Campos disse...

É verdade que o Fantástico tem os seus círculos próprios (não só nos EUA), mas o ponto não é esse. Os Óscares, como qualquer prémio cinematográfico, distinguem "achievements" em cinema. Isso tem necessariamente de ser independente de género.

Podemos pensar em bons filmes de ficção científica (Matrix, Blade Runner, 2001, etc) e em maus filmes de ficção científica (Transformers anyone?) que são produto de Hollywood. Aliás, até podemos considerar a ficção científica como um género dispendioso (ou a exigir muita criatividade orçamental), que fez de forma consistente sucessos de bilheteira e de vendas dos últimos 20 anos em Hollywood.

Discordo de que os Óscares sejam os prémios de "elite". Podem ser os mais relevantes em termos de impacto mediático, mas de elitistas têm muito pouco (se tivessem, este ano o Tree of Life ganhava de caras). Isso é mais Cannes/Berlim/Veneza.

Também discordo que devam continuar a ser áreas de culto e restritas. Quanto mais gente ler e ver - e gostar - do Fantástico, mais livros e filmes teremos. Tudo na vida precisa de massa crítica.

Artur Coelho disse...

isso não é necessariamente mau, tendo em conta que os óscares premiam filmes que em larga maioria raramente têm o impacto cultural do cinema verdadeiramente memorável.

João Campos disse...

É verdade, Artur. E concedo que os prémios em si nem tenham metade da importância que lhes é atribuída. No entanto, não deixa de ser curioso ver um género tão rico ser ignorado de forma tão consistente.