30 de abril de 2014

Godzilla: Novo trailer

No que aos blockbusters de ficção científica deste ano diz respeito, Godzilla estará sem dúvida entre aqueles que são aguardados com mais expectativas - por recuperar o kaiju clássico para os nossos dias (após a tentativa falhada de Emmerich), com os mais sofisticados efeitos especiais a dar vida a um Godzilla de dimensões nunca vistas. E, claro, por incluir mais monstros - com este trailer a revelar definitivamente a presença de "Muto".

(e será talvez difícil olhar para as cenas da ponte sem pensarmos na abertura de Pacific Rim - um tributo ao filme que foi uma homenagem assumida ao género popularizado por Godzilla?)

Godzilla tem estreia marcada para o próximo dia 15 de Maio em Portugal.

Fonte: io9

29 de abril de 2014

Unbreakable: Antítese física e ambiguidade moral

Vivemos num tempo em que a banda desenhada de super-heróis da tradição norte-americana - usemos a designação comics para simplificar, ainda que não seja de todo rigorosa - abandonou o gueto geek no qual se manteve durante décadas para se instalar bem no centro da cultura popular contemporânea. Não será decerto incorrecto afirmar que tal fenómeno se deve em larga medida ao sucesso das adaptações cinematográficas deste novo milénio, que deram nova vida no grande ecrã a personagens já populares como Spider-Man ou Batman, que trouxeram para a ribalta personagens menos conhecidas do grande público como o Iron Man ou os mutantes de X-Men, e que possibilitaram o encadeamento narrativo do Marvel Cinematic Universe, cuja primeira fase foi concluída com The Avengers num sucesso mundial que seria difícil de prever uma década antes. É certo: já antes dos anos 00 havia adaptações de comics ao cinema, e algumas bastante bem sucedidas tanto em termos críticos como comerciais - é ver o caso de Batman e Batman Returns, de Tim Burton, exercícios notáveis de enquadramento do tom mais camp de muitos comics num filme de contornos mais sombrios. Para todos os efeitos, porém, antes do ano 2000 os filmes de super-heróis eram algo que não apelava ao grande público, e nem os sucessos passados do Batman de Burton ou do Super-Man de Richard Donner lhes retiravam o estigma de histórias over the top, com pouco a dizer sobre o seu tempo, e efectivamente irrelevantes. Para todos os efeitos, essa percepção começou a mudar com o X-Men de Bryan Singer, em 2000, e com o Spider-Man de Sam Raimi, em 2002 - filmes com elencos muito conhecidos do grande público, a dar destaque à acção e com alguma exploração do zeitgeist, ainda que limitada. Mas no mesmo ano em que X-Men mostrava as possibilidades dos super-heróis dos comics para os blockbusters de acção, um filme mais discreto pegava nos comics para contar uma história de origens de um super-herói pela via oposta - pela pausa, pelo silêncio, pela exploração do drama pessoal. Esse filme é Unbreakable, de M. Night Shyamalan. 


As narrativas dos comics são com frequência histórias de opostos, assentando com frequência na eterna antítese ente o bem e o mal para distinguir entre heróis e vilões e colocá-los em confronto. Em termos práticos, Unbreakable não é excepção a esta norma, mas utiliza um conhecimento assinalável dos comics para desconstruir a premissa e torná-la original e refrescante. E fá-lo desde logo na apresentação dos seus protagonistas, Elijah e David.


Elijah Price (Samuel L. Jackson) nasceu com uma condição rara que faz com que os seus ossos quebrem ao mais pequeno impacto - um autêntico homem de vidro (Mr. Glass), como é conhecido pelos seus pares em criança. A sua mãe, numa tentativa de o fazer viver com um módico de normalidade, dá-lhe a conhecer os comics de super-heróis - em troca, Elijah terá de sair de casa para os obter. Elijah acaba por se tornar num coleccionador e num estudioso do formato, e acaba por tentar encarar a sua fragilidade à luz dos princípios da banda desenhada.


Em antítese à fragilidade de Elijah temos David Dunn (Bruce Willis), um homem aparentemente normal que trabalha como segurança num estádio de futebol americano. Dunn passou ao lado de uma carreira fulgurante na modalidade, e desde então nunca mais foi o mesmo - o seu casamento com Audrey (Robin Wright) terá sido a única coisa positiva que retirou do acidente, mas mesmo isso está a desmoronar-se; e a sua relação com o seu filho, Joseph (Spencer Treat Clark) está longe de ser afectuosa. Mas a sua vida vai mudar de forma radical no momento em que sobrevive ileso a um violento acidente de comboio que ceifou a vida a todos os outros passageiros.


Ao sobreviver ao desastre, David chama a atenção de Elijah - que lhe pergunta se alguma vez ele esteve doente. Instigado por aquele estranho que começa a intrometer-se na sua vida, David é levado a reflectir sobre algumas peculiaridades do seu passado e sobre as versões verdadeiras de alguns acontecimentos, numa jornada de auto-descoberta feita com Joseph que irá mudar a sua vida para sempre. 


O invés de apostar no ruído, Unbreakable joga pelo silêncio - e esse contraste com o cinema de super-heróis contemporâneo só o torna mais relevante nos dias que correm. É, acima de tudo, uma história de origens, com a descoberta do super-herói a ser feita no contexto de um drama familiar verosímil, acentuado na perfeição pelos desempenhos contidos de Bruce Willis e Robin Wright (houve críticos que se queixaram do melodrama; pessoalmente, porém, julgo que a questão familiar torna a história de Dunn mais forte). 


Mas o ponto forte de Unbreakable é a forma como utiliza a tradição e as convenções dos comics para enquadrar a sua história e para desenvolver as duas personagens principais - as referências que Shyamalan coloca a propósito da história do formato, dos traços dos vilões e da distinção entre vilão e arqui-inimigo são notáveis, e introduzem algo de significativo para a tensa reviravolta final. E com alguns momentos deliciosos para fãs e conhecedores de comics, que decerto não terão conseguido evitar um sorriso no momento em que Elijah recusa vender uma prancha rara de um comic clássico a um homem que quer dá-la ao seu filho de quatro anos - numa defesa do formato como arte e, mais do que isso, como algo adulto, distante do preconceito que determina que comics são feitos para crianças. 


E a isso junta-se a mestria técnica de Shyamalan, rica no pormenor e no simbolismo desde o primeiro momento com um Elijah bebé revelado através do espelho até aos enquadramentos, aos ângulos mais invulgares, às imagens de uma beleza sombria que encaixam na perfeição na narrativa e no tema. Em termos visuais, o realizador nada deixa ao acaso, e Unbreakable ganha com isso em múltiplas visualizações, quando a descoberta do final se esgota. 


Unbreakable poderá não ser uma obra-prima, mas nem por isso deixa de ser um thriller intrigante, com uma premissa bem montada a convergir para uma reviravolta final que, não sendo de todo inesperada, nem por isso deixa de ser inteligente. E talvez seja mais relevante hoje do que há 14 anos, quando os filmes de super-heróis não eram moda, por demonstrar que é possível pegar no tema e explorá-lo por vias alternativas à intensidade alimentada a computer-generated images dos blockbusters modernos. E mais do que isso: sem se afastar das suas raízes e da sua identidade própria. Neste ponto, o filme de Shyamalan marca pontos: é uma história de origens de um super-herói que surge marcada pela ponderação, pelo drama e pela sua profunda humanidade, e não pelo ruído e pela violência. Por isso, e pelo seu carácter meta-referencial, acaba por se elevar no género. 8.2/10

Unbreakable (2000)
Realização e argumento de M. Night Shyamalan
Com Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Robin Wright, Spencer Treat Clark e Charlayne Woodard
106 minutos

28 de abril de 2014

Terry Pratchett (1948 - )

É interessante notar como, na fantasia literária moderna, o nome de Terry Pratchett (nascido Terrence David John Pratchett) se destaca como um dos seus mais talentosos e originais prosadores. Longe de se intrometer com seriedade nos territórios dos vários subgéneros da fantasia que marcaram as tendências desde os anos 70, Pratchett optou pegar nos vários elementos que o tempo lhe foi oferecendo para cunhar um nicho praticamente só para si, com as suas histórias humorísticas e as suas sátiras aguçadas, bem construídas e muito inteligentes nas suas desconstruções. E fê-lo num dos mais memoráveis mundos secundários da literatura contemporânea, Discworld: o mundo plano e circular, assente sobre quatro elefantes de proporções titânicas que, por sua vez, repousam sobre a carapaça da Grande A'Tuin, a tartaruga cósmica que vagueia pelo universo. The Colour of Magic, o primeiro livro de Discworld, foi publicado em 1983 e consistiu numa desconstrução humorística das convenções da fantasia de sword & sorcery; nos livros que se seguiriam - e seguiram-se 39, com o mais recente, Raising Steam, a ser publicado no ano passado -, Pratchett pegou noutros motivos e noutros elementos da fantasia literária, como as histórias de dragões, os épicos ou os contos de fadas para dar forma a algumas das mais bem conseguidas (e bem humoradas) sátiras que o género conheceu. E não se ficou por aí; Discworld explorou também em tom satírico temas tão diversos como a obra de Shakespeare, a natureza do fenómeno religioso, a indústria cinematográfica norte-americana, e até o heavy metal. Sempre com a mesma graça, a mesma prosa elegante, ritmada e repleta de jogos de palavras, 

Ainda que o grosso da carreira literária de Pratchett seja Discworld - afinal, falamos de 30 romances, uma mão-cheia de contos e noveletas, vários companion books -, ela não se resume àquele universo ficcional, que legou à fantasia moderna personagens tão inesquecíveis como Granny Weatherwax, Nanny Ogg, Sam Vimes, a Morte, Rincewind, Mustrum Ridcully, o Bibliotecário, C.M.O.T Dibbler, Havelock Vetinari, Susan Sto Helit e outros. The Dark Side of the Sun (1976) e Strata (1981) marcaram a sua entrada na ficção científica adulta, género muito importante nos seus anos formativos e ao qual regressou recentemente na companhia de Stephen Baxter com The Long Earth (2012), The Long War (2013) e The Long Mars, que será publicado este ano. Em 1990, colaborou com Neil Gaiman em Good Omens. E a sua bibliografia inclui ainda vários romances de carácter mais juvenil, como The Carpet People (1971), o seu primeiro romance, a trilogia The Nome (Truckers, 1988, Diggers e Wings, 1990), a trilogia Johnny Maxwell (Only You Can Save Mankind, 1992, Johnny and the Dead, 1993 e Johnny and the Bomb, 1996), Nation (2008) e Dodger (2012).

Após o diagnóstico de uma forma rara de Alzheimer precoce em 2007, Pratchett tem participado em várias iniciativas relacionadas com o esclarecimento, o estudo e o combate à doença, assim como ao tema sempre polémico da eutanásia. 

Terry Pratchett nasceu em Beaconsfield, no Buckinghamshire, no Reino Unido, a 28 de Abril de 1948, e celebra hoje o seu 66º aniversário. 

27 de abril de 2014

Citação fantástica (123)

Still, after much heated debate, voting, counting, and recounting, the village council had decided that clairvoyance was more sacred than dementia and therefore should always be given the benefit of the doubt.


Thomas Olde Heuvelt, The Ink Readers of Doi Saket (2013)

26 de abril de 2014

O som e a fúria (22)

Apesar de Sunshine, de Danny Boyle, não figurar entre o melhor cinema de ficção científica da primeira década deste novo milénio, ninguém lhe pode tirar o mérito de ter apresentado uma estética e uma componente visual ímpares - com algumas das mais belas imagens que o género viu no grande ecrã. E merece também destaque pela sua extraordinária, um trabalho de colaboração dos Underworld com o compositor britânico John Murphy. O tema mais conhecido será decerto este Adagio in D Minor, uma composição especialmente evocativa. Tem sido usada em material promocional de outros filmes, e mesmo em séries televisivas e anúncios publicitários; mas onde se tornou inesquecível foi em Sunshine.

25 de abril de 2014

Hugo Awards 2014: Contos nomeados de Sofia Samatar, Rachel Swirsky, John Chu e Thomas Olde Heuvelt

Longe das dúvidas que se instalaram a propósito de outras nomeações noutras categorias, os quatro contos seleccionados para a shortlist de "Best Short Story" na edição de 2014 dos Prémios Hugo destacam-se pela sua qualidade global, muito acima da média, e pela diversidade nas origens dos seus autores. Lendo-os no seu conjunto, será talvez difícil não reparar na predominância de temas , passe a expressão, românticos - não há aqui uma exploração mais tradicional das convenções da fantasia ou da ficção científica, sendo estas relegadas para segundo plano perante a beleza das metáforas e o destaque dado às personagens, às suas personalidades, aos seus dramas e aos seus relacionamentos - com aqueles que amam, com as famílias, e até com estranhos. E, diga-se de passagem, não há mal nenhum nisso - sobretudo quando estes quatro talentosos autores apresentam contos deste calibre. Aqui ficam hoje em destaque: 

Selkie Stories Are for Losers, de Sofia Samatar, foi publicado na Strange Horizons a 7 de Janeiro de 2013. Samatar utiliza a selkie (uma criatura do folclore irlandês e escocês que assume a forma de uma foca na água, o seu elemento natural, e que despe a pele para vir a terra - podendo ser capturada se a pele for recolhida por alguém) para reflectir sobre os laços familiares, sobre o compromisso e sobre as oportunidades - as que se perdem por falta de atrevimento, e as que se aproveitam quando surge a única chance para tal. E fá-lo através de um curioso enquadramento narrativo, explorando a história da jovem protagonista e da sua colega de trabalho/amiga/amante (Mona) enquanto reflecte sobre o seu passado, sobre o significado das fábulas de selkies - e sobre a ligação que o seu passado tem com estas histórias. Sofia Samatar tece a história com uma prosa superlativa, cuja simplicidade e verosimilhança esconde uma sofisticação assinalável, e que dá a cada momento uma carga emotiva extraordinária na conjugação. A todos os níveis, Selkie Stories Are for Losers é um conto extraordinário - não surpreende que esteja nomeado para os prémios Hugo e Nébula, e que tenha chegado à shortlist dos British Science Fiction Awards.

If You Were a Dinosaur, My Love é um conto de Rachel Swirsky que, por detrás da sua premissa aparentemente infantil (e explicada de forma perfeita no título) e por detrás da sua construção ao estilo de algumas histórias infantis que encandeiam ao longo da sua estrutura narrativa várias ideias numa série de extrapolações imaginativas, por vezes oníricas, quase no ritmo vertiginoso da livre-associação, esconde uma história de amor tão bela como trágica (Sim: a categoria de ficção curta dos Hugos - e já agora dos Nébulas - parece tomada por micro-romances. E isso é óptimo). Com uma prosa magnífica, Rachel Swirsky tece um jogo de palavras e de imagens fascinante, misturando noções de fantasia e de ficção científica numa narrativa que escapa às convenções de ambos os géneros - e com o mesmo ritmo perfeito e a mesma inocência encantadora com que transporta o leitor ao sabor dos saltos da sua imaginação, desfere um golpe duríssimo ao revelar a faceta trágica do enredo, e o escape que a livre-associação proporcionou. If You Were a Dinosaur, My Love foi publicado na Apex Magazine a 5 de Março de 2013.

The Water That Falls on You From Nowhere, de John Chu, assume a forma de uma comédia e de um drama de costumes a partir de uma premissa espantosa: a de que a mentira atrai chuva, e sempre que alguém mente, abate-se sobre si uma carga de água, com a gravidade da mentira a definir o volume do aguaceiro. Dito assim, a ideia parece engraçada - e é-o de facto. Também por isso impressiona a forma como John Chu a consegue revestir de uma carga dramática espantosa ao enquadrá-la na história de Matt, um jovem de ascendência chinesa com uma família muito conservadora, a tentar explicar aos seus pais e à sua irmã tradicionalistas que é homossexual. Chu constrói em poucas palavras uma história familiar verosímil, e com um ritmo perfeito desenvolve um drama bem temperado com momentos de comédia linguística - e recria com mestria o caos comunicativo de uma família composta por pessoas com diferentes idiomas nativos através da simples utilização de expressões e frases em chinês (literalmente). The Water Falls on You From Nowhere foi publicado no Tor.com a 20 de Fevereiro de 2013.

The Ink Readers of Doi Saket é um conto humorístico de Thomas Olde Heuvelt, publicado a 24 de Abril de 2013 no Tor.com. À primeira vista, será talvez difícil ler este conto sem pensar no mestre definitivo do humor no fantástico literário: Terry Pratchett. Nem as notas de rodapé faltam (com a sétima a revelar-se especialmente inspirada) nesta breve narrativa, situada na aldeia remota de Doi Saket, nas margens do rio Mae Ping, na Tailândia. Para além dos seus afazeres diários, os habitantes da aldeia dedica-se com zelo à tarefa de realizar os desejos que são deixados no rio - mas a trama começa, não sem ironia, com Tangmoo, um rapaz cuja singularidade reside no facto de ser incapaz de desejar o que quer que seja. Thomas Olde Heuvelt desenvolve com um humor delicioso as desventuras das várias figuras da aldeia, sobretudo durante as festividades anuais - mas utiliza todo este riquíssimo panorama apenas para enquadrar o acontecimento central que dá o mote à narrativa, numa exploração tão fascinante como hilariante de temas como a coincidência, as relações determinísticas por vezes invisíveis na aparência que se desenvolvem entre as mais improváveis das situações, e sobre a ordem invulgar que consegue emergir do caos. A prosa, essa, está à altura das aspirações cómicas do texto: fluída, sofisticada e capaz de conjurar imagens surpreendentes. 

24 de abril de 2014

Sofia Samatar: "(...) I do think there’s a connection between my love for languages and my love for speculative fiction" (entrevista)

Na lista dos Hugo Awards deste ano, e independentemente de outras polémicas, há vários nomes que merecem destaque - sobretudo nas categorias de fãs, com vários nomes novos e com uma presença de qualidade nos meandros do fandom anglo-saxónico (está ainda por vir o dia em que os Hugo e a Worldcon sejam de facto prémios globais, mas o caminho faz-se caminhando), mas também nas categorias literárias. E nestas, o nome de Sofia Samatar surge em evidência, pela sua nomeação na categoria de "Best Short Story" com o conto Selkie Stories Are for Losers, publicado originalmente na Strange Horizons em Abril de 2013 (pode - e deve - ser lido aqui; é extraordinário) e também pela sua presença na shortlist do John W. Campbell Award for Best New Writer. Natural dos Estados Unidos e com ascendência somali, Sofia Samatar já viveu e trabalhou no Sudão e no Egipto, e tem formação académica em idiomas e literaturas africanas e árabes. Em entrevista a Sarah McCarry para o Tor.com, Sofia Samatar fala sobre o processo de escrita do seu primeiro romance, A Stranger in Olondria (publicado em 2012), e sobre a influência do conhecimento e do estudo de linguagens na sua escrita e no seu gosto pela ficção especulativa. Dois excertos:
Sarah McCarry/Tor.com: Language itself is a character in A Stranger in Olondria, particularly in the different ways its characters relate to oral versus written histories, and the way the act of reading figures so prominently into the book. Did you set out to explore the ways oral and written traditions inform our ways of being in the world, or is that something that evolved as you worked on the book?
Sofia Samatar: It’s definitely something that evolved, as the whole book evolved! One thing about A Stranger in Olondria is that I spent over a decade writing it. I mean, I wrote the first draft in two years, but then I spent another 10 years on and off getting it into shape. That first draft was a monster. It was 220K words long—almost exactly twice as long as the published version. And that’s because my “writing process,” which I totally don’t recommend, involved having no outline, following the character around through tons of random cities, getting him into vague predicaments, getting him out again, introducing him to useless people, and deleting and deleting and deleting. I knew that there was a ghost, and that ghosts were illegal in Olondria, but that’s it. And through this arduous process of wandering through imagined country, I slowly brought in things I was experiencing at the time, and one of those was teaching English in South Sudan, where the mode of expression was primarily oral. I had a lot of ambivalence about that job, and the anxiety worked itself into the book. I wound up exploring how reading and writing, my favorite things in the world, things I’m used to thinking of as utterly good and right and true, are also tools of empire.
(...)
SMC/TOR: You speak multiple languages yourself—do you think your ability to move between them informs the way you approach fiction? Or nonfiction? Or are those different places for you?
SS: Well, I don’t know if this is going to answer your question exactly, but it reminds me of a conversation I had with a colleague recently. He’d read A Stranger in Olondria, and he said that, as someone who doesn’t read fantasy or science fiction, he was pretty uncomfortable for the first few chapters. It was the names. The names were throwing him off. He was like, “I didn’t know whether I was supposed to memorize these names or whether they were important or what!” Eventually he realized that he could just go with the story and relax, and then he started enjoying it. That was so interesting to me, because I’ve never, ever been thrown off by weird names. You can give me the first page of a story that’s 50% bizarre names, and I’ll be like, “Cool.” I just read it as music, as atmosphere. I know that eventually the important stuff will float to the surface, and the less important stuff will sink. And it seems to me that that’s a valuable skill, to be able to keep your balance in uncertainty, and that in fact it’s what I ask from my students when I teach world literature. Don’t let foreign words or unfamiliar syntax throw you. Trust the story. It’s a language student’s skill too, because when you’re learning, you’re often terribly lost. So I do think there’s a connection between my love for languages and my love for speculative fiction. Both of them ask you to dwell in uncertainty. And I love that. Uncertainty is home for me. It’s the definitions that scare me.
(...)
A entrevista completa pode ser lida na íntegra no Tor.com.

Fonte: Tor.com

23 de abril de 2014

This happening world (10)

Em Abril começa a temporada dos prémios, das polémicas relacionadas, e das eternas discussões sobre a literatura de género. Sobre os prémios e as polémicas, escrevi este artigo para a Bang!; sobre o debate dos géneros na ficção, escreveram Juliet McKenna no The Guardian e Chris Beckett na The Atlantic - dois artigos que merecem ser lidos pela pertinência dos argumentos apresentados, pelos estigmas que não desaparecem nem mesmo numa época em que a pop culture foi capturada pelo poço gravitacional dos universos geek, e pela importância da ficção científica no presente.

Na Amazing Stories, Steve Fahnestalk recupera os juveniles de Robert A. Heinlein e pergunta: serão ainda relevantes? Numa época em que a ficção de género voltou a entrar em força no território young adult, é bem possível que sim - e Fahnestalk explora os romances publicados por Heinlein entre 1947 e 1959. Que é como quem diz: entre Rocket Ship Galileo, o primeiro dos seus livros YA, até Starship Troopers, que marca a transição da sua literatura juvenil para os temas mais adultos que marcaram a sua obra a partir dos anos 60. 

Em entrevista a Ryan Hill para o portal ScreenInvasion, Christopher Priest fala sobre o seu mais recente romance, The Adjacent, sobre o tema da magia na sua obra, e sobre adaptações cinematográficas - mais concretamente, sobre a adaptação a The Prestige realizada por Christopher Nolan em 2005 - e é interessante como o autor consegue, ao mesmo tempo, tecer críticas positivas e negativas (e ambas com justiça) ao trabalho do realizador britânico. 

22 de abril de 2014

The Hitchhiker's Guide to the Galaxy: Humor à deriva

Poucas obras de ficção científica alcançaram a popularidade de The Hitchhiker's Guide to the Galaxy, o primeiro volume da "trilogia de cinco" de Douglas Adams que começou por ser uma novela radiofónica ainda nos anos 70 e que desde então já conheceu adaptações para praticamente todos os formatos imagináveis, da banda desenhada aos videojogos. Um dos raros exemplos (bem sucedidos, pelo menos) de comédia pura dentro do género, que utiliza com mestria as suas convenções numa narrativa non-sense próxima do estilo que os Monty Python celebrizaram na comédia britânica  - não por acaso, Adams colaborou com a trupe em vários sketches. Em 2005, Garth Jennings adaptou este clássico ao cinema, numa produção com um orçamento assinalável e um argumento escrito por Karey Kirkpatrick e pelo próprio Adams, antes da sua morte prematura em 2001. Mas o resultado, esse, foi um filme tépido, mesmo que divertido a espaços.

Para todos os efeitos, The Hitchhiker's Guide to the Galaxy segue os mesmos plot points que o romance (menos a magnífica introdução, claro - aqui compensada pela explicação para a fuga dos golfinhos e pelo número musical imaginativo do género, intitulado So Long, and Thanks for All the Fish). Numa bela manhã, Arthur Dent (Martin Freeman) acorda com uma equipa de demolição à sua porta - a sua casa está prestes a ser demolida para que se possa construir um acesso à auto-estrada. O que Dent está longe de imaginar é que o seu problema burocrático é, à sua escala doméstica, idêntico a um problema que a Terra está prestes a enfrentar: o planeta está prestes a ser demolido por uma frota de construção Vogon para que se construa um acesso ao hiperespaço.


Dent é salvo pelo seu melhor amigo, o excêntrico Ford Prefect - que não é um ser humano, mas um alienígena de um planeta nos arredores de Betelgeuse, que se encontra na Terra em trabalho para o Hitchhiker's Guide to the Galaxy, uma espécie de guia interactivo para quem quer viajar pela Via Láctea... à boleia. Momentos antes da destruição da Terra, Ford consegue embarcá-los na frota Vogon - e, a partir daí, embarcam numa aventura que os levará a uma nave espacial movida a improbabilidades e a um planeta saído dos mitos galácticos.


Os leitores mais familiarizados reconhecerão com facilidade os vários momentos altos da narrativa, como o roubo da Heart of Gold, o resgate de Dent e Prefect, a história da derradeira pergunta sobre a vida, o universo e tudo o resto, a expedição a Magrathea e todas as revelações que lá têm lugar. Nem faltam outros pequenos momentos que tantas gargalhadas proporcionam na leitura, como a passagem do cachalote na alta atmosfera (e do vaso de petúnias), o detalhe das portas da nave, e, claro, o célebre momento da poesia Vogon. 


E há muito mérito na reconstrução destas cenas - nos cenários, nos efeitos especiais bastante sólidos, nos Vogons extraordinários construídos pelo Jim Henson Creature Shop, e sobretudo no elenco. Martin Freeman está perfeito no papel de Athur Dent, dando credibilidade ao seu constante espanto para com tudo o que o rodeia naquele universo louco, e Zooey Deschanel encarnou na perfeição no papel de Trillian. Sam Rockwell dá uma boa dose de loucura a Zaphod Beeblebrox, num desempenho deliciosamente over the top. E a voz de Alan Rickman é perfeita em Marvin, o andróide depressivo - o seu enfado constante é quase palpável, e rouba cada cena em que se faz sentir. Mesmo os cameos são óptimos, com o hilariante momento de John Malkovich a merecer destaque.


Infelizmente, todas as virtudes dos seus vários elementos não fazem de The Hitchhiker's Guide to the Galaxy o filme que poderia ter sido - e isso deve-se em larga medida a um guião muito limitado, mais preocupado em reproduzir com a fidelidade possível os vários momentos marcantes do livro do que em criar uma narrativa própria para o seu formato. O resultado é uma sucessão de vinhetas, desenvolvidas de forma mais ou menos competente, mas com um ritmo estilhaçado. Os actores fazem o que podem, mas a verdade é que as suas personagens não têm muito espaço para brilhar - as estrelas do filme não são as personagens, mas as piadas, e essas nem sempre passam bem da página escrita para o grande ecrã.


É possível que quem não tenha lido o livro encontre nesta adaptação de The Hitchhiker's Guide to the Galaxy um filme bastante divertido - algumas piadas funcionam bastante bem, e Martin Freeman e Zooey Deschanel revelam-se, dentro das limitações que o argumento lhes impõe, excelentes protagonistas. O problema reside precisamente no argumento - fragmentado na sua colagem excessiva ao livro no qual se baseia, e incapaz de transportar para o cinema a história clássica de Douglas Adams em todo o seu non-sense cómico. Para os fãs do livro, haverá decerto o prazer de identificar alguns dos seus momentos mais célebres no filme - mas no final, isso acabará por saber a pouco. 6.0/10

The Hitchhiker's Guide to the Galaxy (2005)
Realização de Garth Jennings
Argumento de Karey Kirkpatrick e Douglas Adams a partir do romance de Douglas Adams
Com Martin Freeman, Zooey Deschanel, Mos Def, Sam Rockwell, Alan Rickman, Warwick Davis, Stephen Fry, John Malkovich, Helen Mirren, Bill Nighy e Richard Griffiths
109 minutos

21 de abril de 2014

British Science Fiction Awards: Os vencedores

Foram anunciados ontem os vencedores dos British Science Fiction Awards, os prémios anuais atribuídos pela British Science Fiction Association a partir das escolhas dos seus membros. Os BSFA foram entregues no decorrer da Satellite EasterCon, em Glasgow, e distinguiu a ficção longa de Ann Leckie e Gareth L. Powell (ex-aequo na categoria de "Best Novel"), a ficção curta de Nina Allan, a arte de Joey Hi-fi e uma obra de não-ficção de Jeff VanderMeer. Abaixo, a lista dos finalistas com os vencedores em destaque:

Best Novel:
  • Ancillary Justice, de Ann Leckie (Orbit)
  • Ack-Ack Macaque, de Gareth L. Powell (Solaris)
  • God’s War, de Kameron Hurley (Del Rey)
  • Evening's Empires, de Paul McAuley (Gollancz)
  • The Adjacent, de Christopher Priest (Gollancz)
Best Short Fiction:
  • Spin, de Nina Allan (TTA Press)
  • Selkie Stories are for Losers, de Sofia Samatar (Strange Horizons)
  • Saga’s Children, de E.J. Swift (The Lowest Heaven, Pandemonium)
  • Boat in the Shadows Crossing, de Tori Truslow (Beneath Ceaseless Skies)
Best Artwork:
  • Capa para Dream London, de Joey Hi-fi (Solaris)
  • Poster para Metropolis, de Kevin Tong (tragicsunshine.com)
  • Ilustração editorial para The Angel at the Heart of the Rain, de Richard Wagner (Interzone)
Best Non-Fiction:
  • Wonderbook, de Jeff VanderMeer (Abrams Image)
  • Going Forth by Night, de John J. Johnston (Unearthed, Jurassic)
  • Sleeps with Monsters, de Liz Bourke (Tor.com)
Fonte: Tor.com

Hugo Awards: Os "Retro-Hugos" da LonCon 3

A edição de 2014 da Worldcon, que decorrerá em Londres - é a terceira "LonCon" da história - assinala o 75º aniversário daquela que é a mais importante convenção mundial de ficção científica. A primeira edição do evento teve lugar em Nova Iorque, no ano de 1939, tendo decorrido anualmente após o fim da Segunda Guerra Mundial. Os Prémios Hugo foram atribuídos pela primeira vez em 1953, e ganharam periodicidade anual em 1955 - tornando-se desde então os mais relevantes prémios da ficção científica, independentemente da polémica que as suas shortlists cause ano após ano.

Com vista a assinalar o 75º aniversário da Worldcon, serão também entregues na edição deste ano os "Retro Hugos", que distinguem em várias categorias a ficção científica que marcou aquele longínquo ano de 1938. Aqui fica a shortlist, numa autêntica viagem no tempo (convenhamos: é fascinante encontrar Ray Bradbury, um dos colossos do género, a receber uma retro-nomeação como fan writer):

Best Novel:
  • Carson of Venus, de Edgar Rice Burroughs (Argosy, 02/1938)
  • Galactic Patrol, de E. E. Smith (Astounding Stories, 02/1938)
  • The Legion of Time, de Jack Williamson (Astounding Science-Fiction, 07/1938)
  • Out of the Silent Planet, de C. S. Lewis (The Bodley Head)
  • The Sword in the Stone, de T. H. White (Collins)
Best Novella:
  • Anthem, de Ayn Rand (Cassell)
  • A Matter of Form, de H. L. Gold (Astounding Science-Fiction, 12/1938)
  • Sleepers of Mars, de John Wyndham (Tales of Wonder, 03/1938)
  • The Time Trap, de Henry Kuttner (Marvel Science Stories, 11/1938)
  • Who Goes There?, de John W. Campbell/Don A. Stuart (Astounding Science-Fiction, 08/1938)
Best Novelette:
  • Dead Knowledge, de John W. Campbell/Don A. Stuart (Astounding Stories, 01/1938)
  • Hollywood on the Moon, de Henry Kuttner (Thrilling Wonder Stories, 04/1938)
  • Pigeons From Hell, de Robert E. Howard (Weird Tales, 05/1938)
  • Rule 18, de Clifford D. Simak (Astounding Science-Fiction, 07/1938)
  • Werewoman, de C. L. Moore (Leaves #2, Inverno de 1938)
Best Short Story:
  • The Faithful, de Lester Del Rey (Astounding Science-Fiction, 04/1938)
  • Helen O’Loy, de Lester Del Rey (Astounding Science-Fiction, 12/1938)
  • Hollerbochen’s Dilemma, de Ray Bradbury (Imagination!, 01/1938)
  • How We Went to Mars, de Arthur C. Clarke (Amateur Science Stories, 03/1938)
  • Hyperpilosity, de L. Sprague de Camp (Astounding Science-Fiction, 04/1938)
Best Dramatic Presentation, Short Form:
  • Around the World in 80 Days, de Jules Verne - com argumento e realização de Orson Welles (The Mercury Theater of the Air, CBS)
  • A Christmas Carol, de Charles Dickens - com argumento e realização de Orson Welles (The Campbell Playhouse, CBS)
  • Dracula, de Bram Stoker - com argumento de Orson Welles e John Houseman, e realização de Orson Welles (The Mercury Theater of the Air, CBS)
  • R. U. R., de Karel Capek - produção de Jan Bussell (BBC)
  • The War of the Worlds, de H. G. Wells - com argumento de Howard Koch e Anne Froelick, e realização de Orson Welles (The Mercury Theater of the Air, CBS)
Best Editor, Short Form:
  • John W. Campbell
  • Walter H. Gillings
  • Ray Palmer
  • Mort Weisinger
  • Farnsworth Wright
Best Professional Artist:
  • Margaret Brundage
  • Virgil Finlay
  • Frank R. Paul
  • Alex Schomburg
  • H. W. Wesso
Best Fanzine:
  • Fantascience Digest, com edição de Robert A. Madle
  • Fantasy News, com edição de James V. Taurasi
  • Imagination!, com edição de Forrest J Ackerman
  • Novae Terrae, com edição de Maurice Hanson
  • Tomorrow, com edição de Doug Mayer
Best Fan Writer:
  • Forrest J Ackerman
  • Ray Bradbury
  • Arthur Wilson “Bob” Tucker
  • Harry Warner Jr.
  • Donald A. Wollheim
Fonte: Tor.com

20 de abril de 2014

Citação fantástica (122)

There’s no point in believing in things that exist.

Terry Pratchett, Small Gods (1992)

Hugo Awards: Os finalistas

Foi anunciada ontem a lista dos finalistas para os Prémios Hugo 2014, os mais conceituados prémios da fantasia e da ficção científica, atribuídos pela World Science Fiction Society. As nomeações e as votações são feitas pelos participantes na Worldcon, a maior convenção mundial do género, que recebe anualmente a cerimónia de entrega dos prémios. Neste ano, o palco dos Prémios Hugo será em Londres, na LonCon 3.

A lista dos nomeados para os Prémios Hugo 2014 é a seguinte:

Best Novel:
  • Ancillary Justice, de Ann Leckie (Orbit)
  • Neptune’s Brood, de Charles Stross (Ace/Orbit)
  • Parasite, de Mira Grant (Orbit)
  • Warbound (Terceiro Volume das Grimnoir Chronicles), de Larry Correia (Baen Books)
  • The Wheel of Time, de Robert Jordan e Brandon Sanderson (Tor Books)
Best Novella:
  • The Butcher of Khardov, de Dan Wells (Privateer Press)
  • The Chaplain’s Legacy, de Brad Torgersen (Analog, 07-08/2013)
  • Equoid, de Charles Stross (Tor.com, 09/2013)
  • Six-Gun Snow White, de Catherynne M. Valente (Subterranean Press)
  • Wakulla Springs, de Andy Duncan e Ellen Klages (Tor.com, 10/2013)
Best Novelette:
  • Opera Vita Aeterna, de Vox Day (The Last Witchking, Marcher Lord Hinterlands)
  • The Exchange Officers, de Brad Torgersen (Analog, 01-02/2013)
  • The Lady Astronaut of Mars, de Mary Robinette Kowal (Tor.com, 09/2013)
  • The Truth of Fact, the Truth of Feeling, de Ted Chiang (Subterranean Press Magazine, Outono de 2013)
  • The Waiting Stars, de Aliette de Bodard (The Other Half of the Sky, Candlemark & Gleam)
Best Short Story:
  • If You Were a Dinosaur, My Love, de Rachel Swirsky (Apex Magazine, 03/2013)
  • The Ink Readers of Doi Saket, de Thomas Olde Heuvelt (Tor.com, 04/2013)
  • Selkie Stories Are for Losers, de Sofia Samatar (Strange Horizons, 04/2013)
  • The Water That Falls on You from Nowhere, de John Chu (Tor.com, 02/2013)
Best Related Work:
  • Queers Dig Time Lords: A Celebration of Doctor Who by the LGBTQ Fans Who Love It, edição de Sigrid Ellis e Michael Damien Thomas (Mad Norwegian Press)
  • Speculative Fiction 2012: The Best Online Reviews, Essays and Commentary, de Justin Landon e Jared Shurin (Jurassic London)
  • We Have Always Fought: Challenging the Women, Cattle and Slaves Narrative, de Kameron Hurley (A Dribble of Ink)
  • Wonderbook: The Illustrated Guide to Creating Imaginative Fiction, de Jeff VanderMeer, com Jeremy Zerfoss (Abrams Image)
  • Writing Excuses Season 8, de Brandon Sanderson, Dan Wells, Mary Robinette Kowal, Howard Tayler e Jordan Sanderson
Best Graphic Story:
  • Girl Genius Vol 13: Agatha Heterodyne & The Sleeping City, com escrita de Phil e Kaja Foglion, arte de Phil Foglio e cor de Cheyenne Wright (Airship Entertainment)
  • The Girl Who Loved Doctor Who, com escrita de Paul Cornell, e ilustração de Jimmy Broxton (Doctor Who Special 2013, IDW)
  • The Meathouse Man, adaptado da história de George R.R. Martin e com ilustração de Raya Golden (Jet City Comics)
  • Saga, Vol 2, com escrita de Brian K. Vaughn e ilustração de Fiona Staples (Image Comics)
  • Time, de Randall Munroe (XKCD)
Best Dramatic Presentation, Long Form:
  • Frozen, com realização de Chris Buck e Jennifer Lee, e argumento de Jennifer Lee (Walt Disney Studios)
  • Gravity, com realização de Alfonso Cuarón e argumento de Alfonso e Jonás Cuarón (Esperanto Filmoj; Heyday Films; Warner Bros.)
  • The Hunger Games: Catching Fire, com realização de Francis Lawrence e argumento de Simon Beaufoy e Michael Arndt (Color Force; Lionsgate)
  • Iron Man 3, com realização de Shane Black e aragumento de Drew Pearce e Shane Black (Marvel Studios; DMG Entertainment; Paramount Pictures)
  • Pacific Rim, com realização de Guillermo Del Toro e argumento de Travis Beacham e Guillermo Del Toro (Legendary Pictures, Warner Bros., Disney Double Dare You)
Best Dramatic Presentation, Short Form:
  • An Adventure in Space and Time Written, de Mark Gatiss, com realização de Terry McDonough (BBC Television)
  • Doctor Who: “The Day of the Doctor”, com argumento de Steven Moffat e realização de Nick Hurran (BBC)
  • Doctor Who: “The Name of the Doctor”, com argumento de Steven Moffat e realização de Saul Metzstein (BBC)
  • The Five(ish) Doctors Reboot, com argumento e realização de Peter Davison (BBC Television)
  • Game of Thrones: “The Rains of Castamere”, com argumento de David Benioff e D.B. Weiss e realização de David Nutter (HBO Entertainment)
  • Orphan Black: “Variations under Domestication”, com argumento de Will Pascoe e realização de John Fawcett (Temple Street Productions; Space/BBC America)
Best Editor - Short Form:
  • John Joseph Adams
  • Neil Clarke
  • Ellen Datlow
  • Jonathan Strahan
  • Sheila Williams
Best Editor - Long Form:
  • Ginjer Buchanan
  • Sheila Gilbert
  • Liz Gorinsky
  • Lee Harris
  • Toni Weisskopf
Best Professional Artist:
  • Galen Dara
  • Julie Dillon
  • Daniel Dos Santos
  • John Harris
  • John Picacio
  • Fiona Staples
Best Semiprozine:
  • Apex Magazine, com edição de Lynne M. Thomas, Jason Sizemore e Michael Damian Thomas
  • Beneath Ceaseless Skies, com edição de Scott H. Andrews
  • Interzone, com edição de Andy Cox
  • Lightspeed Magazine, com edição de John Joseph Adams, Rich Horton e Stefan Rudnicki
  • Strange Horizons, com edição de Niall Harrison, Brit Mandelo, An Owomoyela, Julia Rios, Sonya Taaffe, Abigail Nussbaum, Rebecca Cross, Anaea Lay e Shane Gavin
Best Fanzine:
  • The Book Smugglers, com edição de Ana Grilo e Thea James
  • A Dribble of Ink, com edição de Aidan Moher
  • Elitist Book Reviews, com edição de Steven Diamond
  • Journey Planet, com edição de James Bacon, Christopher J Garcia, Lynda E. Rucker, Pete Young, Colin Harris e Helen J. Montgomery
  • Pornokitsch, com edição de Anne C. Perry e Jared Shurin
Best Fancast:
  • The Coode Street Podcast, de Jonathan Strahan e Gary K. Wolfe
  • Doctor Who: Verity!, de Deborah Stanish, Erika Ensign, Katrina Griffiths, L.M. Myles, Lynne M. Thomas e Tansy Rayner Roberts
  • Galactic Suburbia Podcast, de Alisa Krasnostein, Alexandra Pierce, Tansy Rayner Roberts (Apresentadores) e Andrew Finch (Produtor)
  • SF Signal Podcast, de Patrick Hester
  • The Skiffy and Fanty Show, de Shaun Duke, Jen Zink, Julia Rios, Paul Weimer, David Annandale, Mike Underwood e Stina Leicht
  • Tea and Jeopardy, de Emma Newman
  • The Writer and the Critic, Kirstyn McDermott e Ian Mond
Best Fan Writer:
  • Liz Bourke
  • Kameron Hurley
  • Foz Meadows
  • Abigail Nussbaum
  • Mark Oshiro
Best Fan Artist:
  • Brad W. Foster
  • Mandie Manzano
  • Spring Schoenhuth
  • Steve Stiles
  • Sarah Webb
John W. Campbell Award for Best New Writer:
  • Wesley Chu
  • Max Gladstone
  • Ramez Naam
  • Sofia Samatar
  • Benjanun Sriduangkaew
Fonte: tor.com

Countdown City, de Ben Winters, vence o Philip K. Dick Award 2014

Foi anunciado na passada Sexta-feira na Norwescon 37 em Washington o vencedor da edição deste ano dos Prémios Philip K. Dick, que distingue a ficção científica publicada em formato paperback no ano transacto nos Estados Unidos. Countdown City, de Ben Winters, foi o vencedor, com esta sequela a The Last Policeman, o romance de 2013 com que abriu uma trilogia de histórias de detectives nuns Estados Unidos pós-apocalípticos. Self-Reference Engine, de Toh EnJoe, foi distinguido com uma menção honrosa.

19 de abril de 2014

O som e a fúria (21)

Poucos filmes - de ficção científica ou de outro género qualquer - tiveram uma abertura tão hipnótica e fascinante como Blade Runner, a adaptação de Ridley Scott ao romance Do Androids Dream of Electric Sheep? de Philip K. Dick que, desde a sua estreia em 1982, passou de fracasso crítico e comercial para clássico de culto, e para obra-prima dos anos 80. E essa abertura deve muito à banda sonora formidável de Vangelis, harmoniosamente embebida na estética noir de Ridley Scott. Como se pode ver neste icónico Main Title.

18 de abril de 2014

A ficção curta de Philip K. Dick (4): Fair Game, The Hanging Stranger e The Golden Man

Fair Game é um conto de Philip K. Dick publicado em 1959 na revista If, apesar de ter sido escrito seis anos antes. É um texto curto mas muito intenso, todo ele atravessado pela paranóia que marca muita da sua ficção científica - e tem como protagonista o Professor Anthony Douglas, académico de topo na área da física nuclear e investigador num instituto situado numa pequena e remota cidade no Colorado. Douglas é um homem racional, confiante e despreocupado - até ao momento, naquele fim de dia fatídico, em que olha para a janela da sua sala de estar e vê um enorme olho a fitá-lo. O que se segue é uma odisseia vertiginosa em busca de uma explicação plausível para aquele fenómeno - e, na sua ausência, uma fuga desesperada de um inimigo que desconhece e que não consegue identificar, mas que sente sempre no seu encalço. Se todo o texto é um exemplo inspirado da paranóia angustiante que Philip K. Dick consegue imprimir às suas narrativas, já o final é um twist mais ou menos inesperado (há um spoiler que poderá ser discreto para quem não possuir um bom vocabulário em inglês), mas nem por isso inverosímil, e surpreendentemente cómico. 

Na mesma veia de Fair Game encontramos The Hanging Stranger, um conto de 1953 publicado na revista Science Fiction Adventures que começa com um mistério um tanto ou quanto perturbador: após ter passado o dia na cave a reforçar os alicerces da sua casa, Ed Loyce dirige-se para a baixa da cidade e depara-se com um corpo flagelado e enforcado num poste, em plena luz do dia. Mas o verdadeiro mistério não reside tanto na presença daquele corpo, mas na total indiferença de todos os transeuntes - como se fosse perfeitamente normal haver cadáveres pendurados em postes pelas ruas. Loyce vê a sua estranheza reflectida nas pessoas que conhece, e que não encontram nada de errado naquele quadro - apenas na reacção do protagonista. No desespero da sua fuga, Loyce acaba por descobrir o que se passa - mas o motivo para a presença daquele corpo só será revelada no final, numa reviravolta inspirada bem ao estilo de Philip K. Dick. The Hanging Stranger explora, com a devida vertigem, a ideia clássica de que todos à nossa volta fazem parte de uma conspiração tenebrosa; e leva o tema até às últimas consequências num epílogo magnífico.

Já The Golden Man é uma história sobre mutantes. Publicada em 1954 na revista If, esta novela situa-se num futuro pós-apocalíptico no qual começaram a surgir mutantes - que desde logo foram caçados e aniquilados por agências governamentais criadas para tal. A história começa de forma banal, numa vila da Bay Area, na Califórnia - com um vendedor ambulante forasteiro que não é bem quem aparenta, e uma quinta isolada que mantém um segredo há mais anos do que seria razoável. É difícil falar desta história sem revelar demasiado sobre algumas das suas passagens mais interessantes e surpreendentes - mas Philip K. Dick constrói aqui uma narrativa muito interessante, bem articulada nas suas várias passagens, com um protagonista fascinante, um elenco de personagens secundárias bastante sólidas e um final que, não contendo uma reviravolta como muitos outros contos seus, nem por isso deixa de se revelar bastante eficaz. The Golden Man já foi adaptado para o cinema, ainda que de forma tão livre que raramente mereça a referência nas listas da ficção de Philip K. Dick que passou da página escrita para o grande ecrã; o filme, intitulado Next, é de 2006, foi realizado por Lee Tamahori e conta com Nicholas Cage, Julianne Moore e Jessica Biel.

17 de abril de 2014

X-Men: Days of Future Past: Novo trailer

No que às franchises cinematográficas de super-heróis diz respeito, X-Men: Days of Future Past, de Bryan Singer, será sem dúvida uma das estreias mais relevantes do ano - num filme que junta o elenco da trilogia original ao de X-Men: First Class para trazer para o grande ecrã uma das mais célebres e aclamadas histórias dos mutantes da Marvel, desenvolvida em 1980 por Chris Claremont, John Byrne e Terry Austin. 

X-Men: Days of Future Past tem estreia prevista para 22 de Maio. Abaixo, o trailer. 


Fonte: io9

Magic: the Gathering: Os deuses e os mitos de Journey Into Nyx

Decorrem a bom ritmo os spoilers para Journey Into Nyx, a segunda expansão do bloco de Theros, que tem o seu pré-lançamento - com os habituais torneios de sealed deck - marcado para o fim-de-semana de 26 e 27 de Abril. O lançamento oficial, esse, terá lugar a 2 de Maio (com actividades que podem ter lugar no fim-de-semana de 3 e 4). Em termos narrativos, a trama continua a acompanhar a odisseia da planeswalker Elspeth Tirel em Theros - um mundo governado por um panteão de deuses que habita no plano superior de Nyx, o céu nocturno. A Elspeth junta-se Ajani Goldmane (na primeira encarnação de um planeswalker em branco e verde), numa expedição aos limites do mundo em busca do tempo de Kruphix, o mais antigo dos deuses, que guarda o segredo da passagem para Nyx - e para o confronto com Xenagos, cuja ascensão forçada ao panteão causou o caos em Theros, e a desgraça de Elspeth. 

Journey Into Nyx dá continuidade ao design de inspiração mitológica que marcou as duas expansões anteriores - e se é possível que muitas das cartas apresentadas não sejam exactamente competitivas, já o seu enquadramento simultâneo nas regras e nos conceitos do jogo e em imagens reminiscentes da mitologia grega continua a revelar-se notável. Como se pode ver, por exemplo, no King Macar, the Gold-Cursed - numa inteligente recriação de Midas e do seu toque, que tudo transformava em ouro. Ou o Bearer of Heavens, aludindo a Atlas, o titã primordial que sustenta os céus em ombros. E será possível olhar para a (excelente) ilustração de Karl Kopinski e para o efeito de Launch the Fleet sem pensar na frota de Agamennon a desembarcar na praia de Tróia?

E o spoiler, note-se, está longe de estar completo.

Claro que o ponto alto deste bloco são os cinco novos deuses secundários em combinações de duas cores, que vão juntar-se aos outros cinco apresentados em Born of the Gods (Ephara, Phenax, Mogis, Xenagos e Karametra), e às cinco divindades principais (monocoloridas) de Theros (Heliod, Thassa, Erebos, Purphoros e Nylea). E, em termos gerais, as reacções a estes cinco novos deuses dificilmente poderia ter sido mais entusiástica por parte da comunidade pelo seu nível de poder, consideravelmente superior ao dos seus antecessores. Ainda que Pharika, God of Affliction tenha acabado por se revelar um pouco desapontante (pelo menos na comparação), Athreos, God of Passage (numa magnífica alusão, tão bem reproduzida na sua habilidade, ao barqueiro Caronte), Keranos, God of Storms, Iroas, God of Victory e Kruphix, God of Horizons apresentam um enorme potencial, e não apenas em jogos mais casuais e em formatos como Commander (aliás, é fácil imaginar pelo menos Athreos e Iroas em Standard). 

16 de abril de 2014

Adaptações, reimaginações e remakes: o eterno retorno da ficção científica audiovisal

As últimas semanas têm sido invulgarmente ricas no que diz respeito a novidades na ficção científica audiovisual - leia-se televisão e cinema no contexto deste artigo. A mais interessante será talvez a adaptação da space opera literária Expanse, de James S. A. Corey (pseudónimo dos autores Daniel Abraham e Ty Franck), para televisão, pela mão do SyFy Channel - com o projecto a ser descrito como Game of Thrones in space. Uma adaptação promissora, sem dúvida - diz quem já leu que Leviathan Wakes, Caliban's War e Abbadon's Gate compõem uma excelente space opera moderna, e há uma falta crónica de naves espaciais na ficção científica televisiva contemporânea. É certo que o entusiasmo arrefece um pouco quando o SyFy Channel entra na equação - longe vão os tempos, afinal, em que o canal se dedicava a ficção científica de qualidade, e se revelava capaz de comissionar uma space opera genuinamente boa (falo das duas primeiras temporadas de Battlestar Galactica, claro). Daí para cá, a fasquia qualitativa do canal tem sido, passe o eufemismo, errática - como a grande aposta do ano passado, Defiance, pode atestar (um projecto com enorme potencial desperdiçado numa série que, não sendo , raras vezes conseguiu elevar-se acima do razoável na primeira temporada).

Mas se a adaptação de Expanse se revela promissora, já os restantes projectos na calha parecem demasiado derivativos - e, diria mesmo, desnecessários. Também pela mão do SyFy Channel, o filme 12 Monkeys de Terry Gilliam será adaptado para uma série televisiva de doze episódios - ainda que na terminologia oficial, a adaptação seja a La Jetée, de Chris Marker. É difícil imaginar o que poderá uma série televisiva acrescentar à premissa que Marker trabalhou de forma tão invulgar como extraordinária, e que Gilliam reinventou no seu estilo inconfundível, naquele que foi um dos melhores filmes de ficção científica dos anos 90 - e para contar de novo a história do homem do futuro pós-apocalíptico enviado para o passado para descobrir o que aconteceu e morrer diante os seus olhos em criança, as duas versões que já existem são mais do que suficientes. 

O mesmo se poderá dizer da adaptação para série de The Truman Show, desta vez pela Paramount. O filme escrito por Andrew Niccol e realizado por Peter Weir em 1998 tornou-se um clássico do género pela antecipação satírica que fez à evolução da indústria do entretenimento televisivo no novo milénio - e os desempenhos de Jim Carrey e Ed Harris elevaram de forma assinalável uma premissa extraordinária e muito bem construída. Numa época em que a televisão já se encontra rendida ao conceito de reality TV, recuperar a ideia metaficcional que animou The Truman Show será similar a chover no molhado - a menos que se encontre uma forma original e, acima de tudo, pertinente de o fazer. 

Aqui chegados, o que dizer do projecto da Universal de fazer um remake em filme a Battlestar Galactica? A série original de Glen A. Larson, de 1978, já foi reinventada por Ronald D. Moore em 2004 - e actualizada para o seu tempo, reflectindo o clima da war on terror de do antagonismo cultural que emergiu do 11 de Setembro. Mas todo esse contexto, ainda que recente e não completamente desactualizado, já foi explorado - tal como o tema da oposição entre Humanidade e Inteligência Artificial, mesmo num contexto de space opera. No vasto legado da ficção científica literária - em romance ou nas várias formas de ficção curta - decerto se poderiam encontrar histórias de viagens no tempo, distopias mediáticas e space operas passíveis de serem adaptadas para televisão (ou mesmo para o cinema, ainda que aqui o panorama não seja tão desolador - como se pode ver pelas estreias previstas para os próximos meses), sem ser necessário recorrer a premissas e narrativas que todos já vimos várias vezes. Enfim, poderia ser pior - considerando o que se passa (ou o que não passa) na televisão dos dias que correm, ficção científica derivativa acaba por ser melhor do que nenhuma ficção científica. Mas não deixa de ser de lamentar que, destes quatro projectos, apenas um se proponha a fazer uma adaptação nova e com um módico de originalidade, com potencial para trazer algo de novo à ficção científica audiovisual (se o fará ou não é outra conversa). 

Fontes: io9 / The Verge

15 de abril de 2014

They Live: Capitalismo alienígena

Não há dúvidas de que os anos 80 foi a época dourada de John Carpenter, durante a qual realizou e fez estrear filmes como The Fog, Escape From New York, The Thing e Big Trouble in Little China - que acabaram por se tornar clássicos de culto, ainda que nem todos tenham sido sucessos comerciais no seu tempo. Este período terá acabado em 1988 com They Live, um clássico de série-B que é também um dos filmes mais politizados da filmografia de Carpenter - uma crítica mordaz e muito pouco subtil ao consumismo, à ganância e ao espírito de every man for himself das sociedades capitalistas ocidentais. Muito ao espírito do seu tempo, aliás - nos últimos anos do mandato de Reagan como Presidente dos Estados Unidos.

A mensagem de Carpenter torna-se evidente logo nos primeiros minutos: ao som de uma batida hipnotizante, bem ao seu estilo (ainda que aqui acabe por se tornar um pouco cansativa por repetição), por entre caminhos-de-ferro e comboios em movimento lento na periferia arruinada de uma cidade, surge o protagonista: John Nada (Roddy Piper), um desempregado que, apesar da crise e das dificuldades que toda a gente parece enfrentar, ainda não parece estar pronto para desistir do sonho americano. Nada aqui é deixado ao acaso: as cenas iniciais indicam "crise" em letras garrafais. Mais actual será difícil. 


Um centro de emprego local diz-lhe não ter nenhuma vaga disponível; e, sem outra alternativa, acaba por ir trabalhar para a construção civil, onde conhece Frank (Keith David). Frank convida-o a encontrar um local onde pernoitar num acampamento improvisado, onde vive muita gente nas mesmas condições. E, aos poucos, Nada começa a reparar em vários pormenores estranhos. Um padre cego a pregar o fim dos tempos. Uma igreja com um coro em ensaios fora de horas, e com gente estranha a deslocar-se nas suas imediações. Um laboratório secreto. Uma misteriosa transmissão televisiva que interrompe a programação normal com uma mensagem conspiratória. Uma carga policial violentíssima. E um par de óculos de sol perfeitamente normal.


Ou, pelo menos, assim parece. Quando Nada coloca os óculos, todo o mundo se transfigura em seu redor. Cartazes publicitários revelam mensagens subliminares escondidas. Revistas apelam à conformidade, à obediência e ao consumismo por detrás dos seus artigos inócuos na aparência. E, para seu horror, algumas pessoas não são quem aparentam - a normalidade dos seus rostos esconde figuras grotescas, esqueléticas e impossíveis. A passagem da imagem colorida para o preto e branco quando Nada coloca os óculos é um toque magnífico de Carpenter - como se todas as cores que vemos fossem uma ilusão, e o mundo real, oculto, fosse bastante mais tenebroso do que se poderia imaginar.


É a partir da descoberta de Nada que They Live assume alguns momentos de acção, ainda que o faça de forma algo errática. Há tiroteio no banco (aberto com uma one-liner digna da melhor tradição de série-B), o rapto de Holly (e a fuga subsequente), e o infame momento de wrestling entre Nada e Frank - uma luta violenta e bem coreografada, mas demasiado longa, ao ponto da irrelevância. Há ali talvez uma mensagem - será necessário uma luta violenta para fazer as pessoas verem aquilo que de facto as rodeia -, mas, como muitos outros elementos simbólicos do filme, é ao mesmo tempo excessivamente ligeira e óbvia, de tão martelada que está.


E, no fundo, é esse o grande problema de They Live: a sua premissa é interessantíssima, e alguns truques utilizados são excepcionais, mas toda a mensagem poderia beneficiar imenso de alguma subtileza e de alguma ambiguidade. Para não referir sequer as muitas incongruências da trama, com momentos demasiado inverosímeis para que a suspensão da descrença se mantenha, e os muitos erros de continuidade que Carpenter, sempre tão atento ao detalhe, deixou passar. Não há no filme a construção de tensão que marcou The Thing ou mesmo a auto-consciência que faz de Big Trouble in Little China um filme tão divertido; há, sim, uma tentativa gorada de combinar os dois elementos num thriller que acaba por se revelar pouco eficaz (pese embora o seu notável momento final, em jeito humorístico).


A esses problemas juntamos o seu casting - ou melhor, os seus erros de casting. Keith David, sem surpresa, está óptimo no papel de Frank, o sidekick involuntário do protagonista; mas a escolha de Roddy Piper para o papel principal dificilmente poderia ter sido pior. Desinteressante, desinspirado e cheesy da forma mais aborrecida possível, Piper não consegue tornar credível a sua surpresa perante a conspiração na qual tropeça por acaso, e a sua determinação em combater os overlords na segunda metade do filme. Pior só Meg Foster, num desempenho terrível que não consegue ser salvo nem pelo twist final. 


Ainda que tematicamente interessante e com alguns elementos bem conseguidos, They Live não consegue elevar-se acima das suas várias debilidades, nem mesmo quando enquadrado apenas na série-B à qual pertence. O comentário que tenta fazer a partir da premissa clássica dos alienígenas camuflados nas estruturas de poder político e económico não será decerto menos relevante hoje do que era nos anos 80, e algumas das formas que Carpenter encontrou para o passar foram engenhosas e criativas, quando não icónicas. No entanto, dois protagonistas sem capacidades de representação que se vejam, uma argumento demasiado errático e óbvio e uma boa dose de erros de continuidade arruínam quase todas as tentativas de pertinência do filme. O que não deixa de ser uma pena: They Live tem aquele charme muito próprio dos anos 80, várias ideias inteligentes na sua premissa e alguns detalhes espantosos. Mas acaba por se perder pelo caminho, e nunca consegue ascender ao patamar de outras obras na filmografia de Carpenter. 5.8/10

They Live (1988)
Realização de John Carpenter
Argumento de John Carpenter (como Frank Armitage) a partir do conto Eight O'Clock in the Morning de Ray Nelson
Com Roddy Piper, Keith David, Meg Flower, George "Buck" Flower, Peter Jason e Raymond St. Jacques
93 minutos