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31 de agosto de 2014

Citação fantástica (150)

What people want, mainly, is to be told by some plausible authority that what they are already doing is right. I don't know know of a quicker way to become unpopular than to disagree.

John Brunner, The Jagged Orbit (1969)

10 de agosto de 2014

Citação fantástica (147)

There are two kinds of fools. One says, "This is old, and therefore good." And one says, " This is new, and therefore better.”

John Brunner, The Shockwave Rider (1975)

28 de março de 2014

This happening world (8)

Have Severed Robot Head, Will Travel: com um título humorístico e alusivo a um clássico de Robert A. Heinlein, Ryan Britt expõe no Tor.com cinco possibilidades para a (inevitável) sequela de Prometheus funcionar. São cinco ideias interessantes, ainda que um tanto ou quanto rebuscadas em alguns casos - nenhuma, porém, parece tão boa como imaginar Ridley Scott deixar este projecto de lado e dedicar-se finalmente à adaptação cinematográfica de The Forever War com um grupo de argumentistas com talento. 

Christopher Nolan revelou alguns detalhes sobre o seu próximo filme de ficção científica, Interstellar. O projecto, que conta com Matthew McConaughey como protagonista e que tem por base as teorias científicas de Kip Thorne, continua envolto em mistério, e Nolan não adiantou muitos pormenores; merece destaque, ainda assim, a sua preferência pela construção de cenários sempre que possível, em contraponto à opção cada vez mais fácil (e generalizada) das computer-generated images. Em Novembro, veremos quão realista será o interior da nave. (via io9)

How we won the war on Dungeons & Dragons: Annalee Newitz, do io9, evoca as dificuldades de afirmação do jogo de role-play clássico Dungeons & Dragons, numa época - não tão distante quanto isso - em que, nos Estados Unidos, grupos de pais mais conservadores consideravam o jogo como obra do Diabo. Literalmente. 

Great Unsung Science Fiction Writers That Everybody Should Read: mais um artigo do io9, desta vez pela pena de Charlie Jane Anders. Não me fica muito por dizer: o artigo dá destaque a John Brunner (como se pode ver pela epígrafe, se este blogue tivesse um santo padroeiro, seria Brunner), e nos comentários alguém chamou a atenção para o esquecimento a que tem sido votado a muito subvalorizada obra de Joan D. Vinge. Não o diria melhor.

Fontes: Tor.com / io9

4 de agosto de 2013

Citação fantástica (78)

In an individual one would regard it as evidence of insanity to see someone repeatedly undertaking enterprises that resulted in his losing precisely what he claimed he was trying to achieve; it is not less lunatic to do it on the international scale, but if you’ve been catching the news lately you’ll have noticed it’s being done more than ever.

John Brunner, Stand on Zanzibar (1968)

14 de abril de 2013

Citação fantástica (62)

First you use machines, then you wear machines, and then...? Then you serve machines.

John Brunner, Stand on Zanzibar (1968)

27 de março de 2013

Stand on Zanzibar: O futuro (presente) segundo John Brunner

No portal The Millions, um interessante artigo de Ted Gioia sobre Stand on Zanzibar, a distopia premiada de John Brunner que em 1968 mostrou um ano de 2010 marcado pela sobrepopulação (do qual já falei aqui). Mas se no que diz respeito aos problemas decorrentes do excesso populacional Brunner não acertou na previsão (apesar de ter acertado em cheio no número de habitantes do planeta), já noutros aspectos da vida nesta primeira década do século XXI Stand on Zanzibar revela-se estranhamente presciente - como Gioia demonstra. Para além, claro de apresentar um worldbuilding formidável assente numa estrutura narrativa invulgar e intricada que é, ela mesma, parte fundamental da narrativa. 

Fontes: io9 / The Millions

1 de março de 2013

Dangerous Visions em retrospectiva (3): Contos de John Brunner, Keith Laumer, Norman Spinrad e Samuel R. Delany

Dangerous Visions. Again (pun intended). É difícil falar de uma vez só sobre uma antologia com tantos contos (33) tão diferentes como aqueles que compõem esta célebre e polémica colectânea editada por Harlan Ellison em 1967 - daí já ir no terceiro artigo a ela dedicado (e ainda falta um). Já aqui falei das contribuições de autores como Philip K. Dick, Robert Silverberg, Philip José Farmer, Brian Aldiss, Poul Anderson, Theodore Sturgeon, John Sladek e J.G. Ballard; hoje, dedicarei as próximas linhas a algumas das melhores peças da antologia, saídas da pena (ou da máquina de escrever) de John Brunner, Keith Laumer, Norman Spinrad e Samuel R. Delany.

Judas, de John Brunner: Se tivesse lido Judas sem o enquadramento temático e temporal que Dangerous Visions lhe confere, diria que se trataria de um conto situado em pleno movimento cyberpunk, algures nos anos 80 - e não seria difícil imaginar o cenário descrito pelo britânico como algures na vasta sprawl de Gibson. Sabendo que Brunner o escreveu em 1967 torna-o ainda mais interessante pela forma como antecipa uma certa atmosfera sombria daquele movimento numa alegoria religiosa tão poderosa como irónica. Judas coloca-nos numa igreja futurista onde a máquina se tornou objecto de culto e a Inteligência Artificial ascendeu à divindade - criada pelo Homem à sua exacta imagem e semelhança. Mas quando a máquina se torna divina, qual é o papel que resta ao Homem? De um ponto de vista pessoal, este era um dos contos que mais curiosidade me despertava em toda a antologia, devido à minha leitura da obra-prima de Brunner, Stand on Zanzibar - e a leitura não me desiludiu. Bem pelo contrário: ainda que não se revele uma das visões mais perigosas da antologia, Judas é provavelmente um dos seus melhores contos.

Test to Destruction, de Keith Laumer: Começa como uma narrativa de características noir muito vincadas para se revelar num confronto de titãs. John Mallory, um revolucionário que tenta derrubar um regime opressivo, vê a sua mente servir como campo de batalha entre duas forças de um poder incomensurável: a sede de poder dos seres humanos revelada no seu engenho para a tortura e o poder de uma enigmática raça alienígena, determinada a testar a Humanidade até às últimas consequências para determinar se constitui uma ameaça. Mas tolerará tal confronto outro vencedor? Com uma estrutura narrativa fragmentada em pequenos capítulos com vários pontos de vista distintos, Test to Destruction é a todos os níveis um conto notável - começa com uma cena de perseguição tão viva que quase ganha um carácter cinematográfico, à qual se sucede um confronto prodigioso entre dois inimigos que não se conhecem que culmina de forma... inesperada (para alguém, certamente). Mas mais do que um conto notável, Test to Destruction é uma fascinante reflexão de Keith Laumer sobre a natureza do poder e sobre como a mais benigna das intenções humanas projecta sempre uma sombra considerável.

Carcinoma Angels, de Norman Spinrad: Como o título indica, Carcinoma Angels é uma história sobre cancro. Na introdução, Ellison descreve-a como a funny cancer story - e, de facto, o conto de Norman Spinrad é uma história provocadora, irónica e bastante divertida sobre o cancro. E é exactamente neste ponto de reside a dangerous vision de Spinrad - ao contrário de outros temas arriscados e polémicos que a antologia exibe, o tema do cancro é notório por ser, em 1967, um "não-tema", algo de que ninguém falava. Como o próprio refere no posfácio: Proeminent Public Personalities, alone, escape from its ravages, as any newspaper obituary column will tell you: "dying after a long, lingering illness" or "passing away from natural causes". Algo que deverá ser familiar a todos: apesar de já se falar de forma mais aberta do tema, só há pouco tempo a comunicação social se começou a libertar do espartilho da "doença prolongada". Com um trocadilho assombroso no título (percebê-lo no texto fez-me soltar uma sonora gargalhada), Carcinoma Angels é uma história fascinante sobre a ambição e o desejo de controlo sobre algo que, para todos os efeitos, está fora do nosso controlo. E tal como o anterior, é também um conto muito rico do ponto de vista visual, com metáforas visuais muito bem conseguidas sobre um tema difícil de descrever numa perspectiva narrativa.

Aye, and Gomorrah..., de Samuel R. Delany: A Delany coube encerrar a antologia com uma história que usa como premissa para uma reflexão mais profunda um detalhe esquecido com alguma frequência na ficção científica "espacial". Num futuro tão intrigante como perverso, os astronautas que exploram o Sistema Solar e trabalham no espaço são seleccionados ainda muito jovens e castrados para evitar os efeitos nefastos da radiação espacial nos gâmetas - condenando-os à esterilidade e a uma androginia pré-púbere. Tudo o que é invulgar, porém, é motivo de curiosidade, e estes astronautas assexuais alimentam o fascínio sexual de alguns indivíduos, e a eles se entregam em troca de dinheiro e de diversão - mas serão o dinheiro e a diversão os verdadeiros motivos dessa entrega? Em Aye, and Gomorrah, Delany explora temas como a perda, as ligações humanas, o desejo sexual, o preconceito e a perversão - e fá-lo numa narrativa elaborada e algo melancólica, descrita pelo olhar subjectivo de um invulgar protagonista. Este conto foi um dos vários vencedores de Dangerous Visions ao conquistar o Prémio Nébula de 1967 na categoria de "Melhor Conto".

30 de dezembro de 2012

2012 em leituras

Tal como nos videojogos, também nas leituras dediquei em 2012 muito pouco tempo às novidades editoriais do ano, optando por continuar a ler muitos dos clássicos da fantasia e da ficção científica que tenho em falta. É certo que a lista de leituras futuras continua a ser muito longa, mas algumas lacunas mais sérias já foram preenchidas - e, diga-se de passagem, com imenso prazer. Seria difícil (para não dizer inútil) falar num único artigo de todos os livros que li em 2012, isto partindo do princípio de que ainda seria capaz de enumerar a lista completa. Assim, e tendo a sensação de que me esqueço de algo, aqui ficam os meus destaques de leitura deste ano que está mesmo quase a terminar. 

The Stars My Destination (Alfred Bester, 1953)
Descrito frequentemente como O Conde de Montecristo da ficção científica, The Stars My Destination conta a fabulosa e sangrenta odisseia de vingança de Gully Foyle, um homem em nada excepcional que foi abandonado à sua sorte nos destroços de uma nave espacial à deriva no Sistema Solar. Isto num futuro em que a Humanidade se espalhou pelos vários planetas e satélites mais próximos, e em que toda a gente possui a capacidade de se teletransportar. As alterações sociais provocadas pelo teletransporte compõem o quadro de forma brilhante, mas é Gully Foyle, um autêntico Zé-Ninguém, quem carrega a narrativa às costas a passo de corrida, num ritmo tão vertiginoso como violento, cruzando-se com personagens fascinantes (como Dagenham ou Olivia Presteign) à medida que junta as várias peças do puzzle que é a sua vingança. Muito do que se seguiu na ficção científica literária tem neste livro as suas raízes, o que, julgo, diz alguma coisa sobre quão importante foi na sua época.

The Forever War (Joe Haldeman, 1973)
Numa das mais relevantes obras da ficção científica militar, Joe Haldeman transporta a Guerra do Vietname - na qual combateu - para um futuro no qual as grandes batalhas são travadas no espaço. Da recruta ao combate real, Haldeman usa o pretexto da guerra contra os "Taurans" para reflectir sobre o absurdo da guerra, sobre a forma como nunca conhecemos verdadeiramente o nosso inimigo, e sobre a forma como a guerra muda de forma inevitável e irreversível quem nela participa. Quando o familiar se torna estranho e quando as causas se tornam difusas, qual é o sentido do combate? Com uma narrativa muito bem articulada, Haldeman recorre a um realismo científico invulgar para colocar estas (e outras) questões, utilizando a relatividade do tempo no espaço para acentuar a estranheza dos combatentes à medida que os anos se sucedem a ritmos diferentes na guerra e no mundo que o soldado Mandella e os seus companheiros juraram proteger. A todos os níveis, The Forever War é uma obra fundamental na ficção científica. 

A Canticle for Leibowitz (Walter M. Miller, Jr., 1960)
É possível que A Canticle for Leibowitz seja a obra mãe da ficção pós-apocalíptica que tão bons livros e filmes nos deu ao longo das últimas décadas. Muitos anos após o cataclismo nuclear que arrasou a civilização no então longínquo século XX, os frades da Ordem de Leibowitz - que julgam um mártir - dedicam-se à preservação de todo o conhecimento científico que esteja ao seu alcance, ainda que nem sempre tenham um entendimento muito preciso daquilo que têm em mãos. Isto, claro, enquanto tentam obter a beatificação do seu santo padroeiro, e enquanto lutam pela sobrevivência num mundo devastado. Publicada originalmente na The Magazine of Fantasy and Science Fiction em três partes, A Canticle for Leibowitz é uma história muito bem conseguida e particularmente bem humorada sobre a natureza humana, e sobre o carácter cíclico - e quase sempre irónico - que a História acaba sempre por assumir.

Hyperion / The Fall of Hyperion (Dan Simmons, 1989/1990)
Ainda a leitura ia a meio e já Hyperion, de Dan Simmons, se tinha tornado num dos meus livros de ficção científica preferidos - pela escrita elegante, pelas referências literárias, e sobretudo pela densidade da narrativa. Um acaso que é tudo menos casual juntou sete desconhecidos numa peregrinação à lendária criatura conhecida como Shrike, no remoto planeta Hyperion - e, durante a longa viagem, decidem partilhar as suas histórias e o que os levou a alinhar naquela aventura suicida. Mais do que uma história, Hyperion é composto pelas formidáveis histórias individuais de cada um dos peregrinos, que contém as várias peças do vasto puzzle da guerra de proporções galácticas que se avizinha. Afinal, qual é a relevância de Hyperion no conflito entre os mundos da Web e os Ousters? E qual é o papel da AI Technocore? As respostas são dadas no surpreendente The Fall of Hyperion, fechando de forma formidável esta parte dos Hyperion Cantos

Stand on Zanzibar (John Brunner, 1968)
Para todos os efeitos, John Brunner falhou na previsão: apesar de a população terrestre em 2010 ser de (mais ou menos) sete mil milhões de indivíduos, as consequências da sobrepopulação estão longe daquelas que imaginou em Stand on Zanzibar. O que, para todos os efeitos, é irrelevante: a sobria distopia que descreveu de forma prodigiosa neste livro premiado continua a ser relevante e, acima de tudo, assustadoramente plausível. Num estilo narrativo que, sendo reminescente de John Dos Passos, nunca deixa de ser original e inovador, Stand on Zanzibar marcou os anos da "New Wave" com as histórias paralelas de Norman House e Donald Hogan num mundo caótico onde o espaço e a privacidade se tornaram luxos. As muitas histórias paralelas dão cor ao mundo imaginado por Brunner ao focar os vários aspectos desta distopia, e há qualquer coisa de vagamente premonitório (e genial) nos infodumps com que o autor apresenta personagens, introduz factos e coloca mais questões do que respostas. 

Lord of Light (Roger Zelazny, 1967)
Pode um livro excepcional ter origem num trocadilho? Pode, e Roger Zelazny demonstrou-o em 1967 com Lord of Light, misturando fantasia épica e ficção científica de forma elegante e irónica. O trocadilho fica à descoberta dos leitores, tal como a história de Mahasamatman, que deixou cair o -Maha e o  -atman para ser conhecido apenas por Sam. Sam abandonou o panteão dos deuses para viver entre os homens e, no seu caminho, decidiu devolver à Humanidade todo o conhecimento e todo o progresso que aqueles lhe negavam. Como é que uma história sobre a revolta contra o divino pode incluir ficção científica? Esse é justamente uma das maravilhas de Lord of Light e da sua recriação sui generis das divindades Hindus. Com uma interessante estrutura narrativa circular, Zelazny desenvolve uma fascinante história de queda e ascensão onde Yama, Brahma, Shiva, Ratri, Mara e Ganesha merecem destaque, mas na qual é Sam, o Buddha, quem de facto brilha. 


The Colour of Magic (Terry Pratchett, 1983)
No final do ano passado, defini como única resolução para 2012 começar a ler a série Discworld, de Terry Pratchett, após me ter maravilhado com o conto The Sea and Little Fishes que encontrei na antologia Legends, de Robert Silverberg. Logo em Janeiro li The Colour of Magic, primeiro volume nesta série que já conta com 39 livros publicados, vários contos e inúmeros livros paralelos, e apesar de esperar uma leitura divertida, acabei por me surpreender com a (aparentemente infinita) capacidade de Pratchett descrever as mais absurdas e hilariantes situações no mundo fantástico de Discworld (que, como se sabe, assenta sobre quatro elefantes enormes que estão de pé sobre a carapaça da Great A'tuin, a tartaruga cósmica). The Colour of Magic apresenta o inábil feiticeiro Rincewind, a formidável Luggage, a Morte e a grande cidade de Ankh-Morpork - e ainda que possa não ser o livro mais divertido da série, é nele que tudo tem início.


The Farthest Shore (Ursula K. Le Guin, 1972)
Earthsea, o universo de fantasia de Ursula K. Le Guin, ocupa um lugar de destaque na fantasia moderna. Com cinco romances e vários contos, Earthsea esconde vários temas adultos numa narrativa de tom mais próximo da literatura young adult e em personagens e localizações fascinantes. A Wizard of Earthsea é o primeiro desses livros, publicado em 1968, mas foi The Farthest Shore, o terceiro livro da série, que mais me tocou. Com a magia a desaparecer do mundo, o feiticeiro Ged junta-se ao jovem príncipe Arren numa viagem pelas ilhas mais remotas do vasto arquipélago de Earthsea. Nessa expedição encontram tribos muito diferentes, dragões e um terrível inimigo que os obrigará a ir para lá dos limites do mundo desconhecido e a enfrentar os seus maiores receios. Tal como nos outros livros da série, em The Farthest Shore Le Guin desenvolve uma história muito contida com um ritmo excepcional, explorando novas facetas do universo de Earthsea numa aventura que se revela mais madura do que aquelas que a antecedem.

The Last Wish (Andrzej Sapkowski, 1993)
The Witcher e The Witcher 2: Assassins of Kings são dois dos mais aclamados videojogos dos últimos cinco anos, e têm a sua origem na obra do escritor polaco Andrzej Sapkowski. Nos vários contos que compõem a antologia The Last Wish, Sapkowksi apresenta Geralt of Rivia, o cínico caçador de monstros que assume o papel principal tanto nos livros e contos como nos populares videojogos. À primeira vista, o universo descrito nos vários contos que compõem The Last Wish parece semelhante a outros universos de fantasia medieval de inspiração tolkieniana, com elfos e anões a conviverem com os seres humanos, e com muita sword & sorcery. A diferença reside no tom, e é aqui que Sapkowski revela toda a sua mestria, criando fábulas que, num tom tão cínico como sarcástico, desconstroem as convenções e os clichés da fantasia épica e dos contos de fadas para criar histórias onde o Bem e o Mal raramente são aquilo que parecem ser

30 de setembro de 2012

Citação fantástica (34)

How do you whip up resentment against absentee landlords and pocketers of bribes when the highest ambition of the people is either to become the former or be in a position to receive the latter?

John Brunner, Stand on Zanzibar (1968)

7 de setembro de 2012

Stand on Zanzibar: a distopia da sobrepopulação

Em 1968, no auge da chamada “New Age Science Fiction”, o britânico John Brunner venceu o Prémio Hugo com Stand on Zanzibar, uma intensa distopia sobre a sobrepopulação do planeta em 2010 e o respectivo impacto social. Grosso modo, Brunner acertou em metade: de facto, em 2010 a população mundial rondava os sete milhões de pessoas (mais coisa, menos coisa), que decerto caberiam todas de pé, lado a lado, na ilha africana de Zanzibar. Já o impacto desse número (e ainda bem para nós, que cá vivemos) não correspondeu bem à descrição de Brunner. O que, contudo, não quer dizer que Stand on Zanzibar seja um livro datado. Longe disso.

O futuro retorcido de Stand on Zanzibar ganha força justamente pela sua verosimilhança - e, nesse sentido, a data de 2010 é um detalhe menor. Num mundo sobrepovoado, a eugenia tomou conta das sociedades ocidentais, levando-as a assumir o controlo populacional em função da depuração genética, suportada por uma omnipresente máquina burocrática. Este controlo, porém, está longe de se revelar eficaz na pacificação da sociedade, que exibe divisões sociais mais profundas do que nunca (com uma forte componente de discriminação positiva), enganadoramente apática sob o consumo de drogas legais e o derradeiro reality show televisivo (Mr. and Mrs. Everywhere, um conceito fabuloso) que esconde uma faceta miserável e uma instabilidade ao ponto da amotinação violenta de forma espontânea - terreno fértil, como é bom de ver, para o fanatismo religioso, o extremismo social e o terrorismo. Por contraste, África continua a viver numa pobreza extrema (salvo algumas, poucas, nações), tendo contudo conhecido uma reorganização política interessante após a queda do colonialismo. Já na Ásia emerge o grande inimigo das sociedades ocidentais, na forma de uma China colossal (pouco mencionada) e de outras nações fictícias na região que conhecemos como o Sudeste Asiático (Isola, que corresponde mais ou menos às Filipinas e é um estado norte-americano; e Yatakang, uma Indonésia ficcional).

Este mundo alternativo ganha especial densidade devido à invulgar estrutura narrativa de Stand on Zanzibar. Inspirada na célebre U.S.A. Trilogy de John Dos Passos, a narrativa de Stand on Zanzibar é dispersa, fragmentada e algo caótica. O enredo não é apresentado ou descrito de forma convencional, directa ou linear, apresentando uma estrutura binária - designada por Continuity - que acompanha os dois protagonistas, Norman House e Donald Hogan. Aos capítulos de continuidade juntam-se muitos outros, agrupados em três categorias narativas: Tracking With Close-ups, onde o foco incide sobre personagens laterais cujas acções e cujo contexto servem de enquadramento para a realidade, mostrando as causas e as consequências práticas dos vários problemas sociais explorados por Brunner; This Happening World, com verdadeiros infodumps de conteúdos noticiosos, contextualizados ou não, que dão uma ideia geral do que acontece pelo mundo e ajudam a enquadrar a narrativa principal e as narrativas secundárias; e Context, onde são feitas descrições e análises económicas, políticas e sociais, recorrendo com frequência a citações, referências ou entrevistas de Chad Mulligan, um sociólogo tão polémico como brilhante. Estes quatro tipos de capítulos não estão arrumados numa estrutura narrativa coerente, surgindo de forma mais ou menos aleatória ao longo da obra - e se dentro da secção Continuity os capítulos de Hogan e House estão mais ou menos alternados, isso nem sempre acontece. Um exemplo é o excepcional capítulo da festa de Guinevere Steel, no qual o ponto de vista convencional é estilhaçado por um grande número de pessoas presentes no evento, cujos pontos de vista distintos (e anónimos) se sucedem a um ritmo quase vertiginoso, como se nós, leitores, estivéssemos dentro daquela festa a caminhar por entre as pessoas e a apanhar inúmeros fragmentos de conversas distintas.

Certo: este “malabarismo” narrativo pode parecer confuso, e a perspectiva de ler mais de seiscentas páginas de narrativa fragmentada pode parecer intimidante quando se pega em Stand on Zanzibar pela primeira vez. A verdade é que a confusão desaparece à medida que entramos na leitura e nos embrenhamos no ritmo frenético, por vezes sombrio, de Brunner. A fragmentação permite centrar a narrativa onde ela realmente importa - nos acontecimentos que envolvem Norman House e Donald Hogan - enquanto os restantes capítulos enquadram esses acontecimentos e aquelas personagens, introduzem outras personagens e mostram como funcionam os mais variados aspectos daquela realidade. Donald Hogan, por exemplo, é introduzido bem antes do seu primeiro capítulo, com uma única e desconcertante frase na secção This Happening World (de longe, a melhor introdução de personagem que já li). Com as personagens laterais - os close-ups - o leitor acompanha vários aspectos da distopia de Brunner, como as consequências das leis eugenicistas, o impacto da guerra no Pacífico ou as culturas terroristas e de narcotráfico. Já as citações e referências de Chad Mulligan - que não sendo o protagonista é uma personagem central na narrativa - fornecem um olhar cínico sobre a realidade, enquanto muitos acontecimentos e desenvolvimentos são introduzidos através de um caos de informação perturbadoramente próximo daquele que conhecemos hoje em dia (recorde-se, contudo, que Brunner não anteviu algo como a Internet, apesar de o enredo introduzir o supercomputador Shalmaneser, e de se saber que os principais Governos recorriam a análises e previsões feitas em computadores desta natureza).

Stand on Zanzibar não é um livro com heróis e vilões ou com uma progressão narrativa orientada para um clímax e uma resolução - pelo menos, não no sentido convencional. É, sim, um espelho retorcido e perturbador sobre uma realidade que poderia talvez ter sido a nossa, e de cujo espectro não estamos de todo livres. É uma realidade alternativa tão sombria como fascinante. É um livro caótico, mas claríssimo no seu caos - e brilhante a todos os níveis. Não surpreende por isso que muitos autores de ficção científica, quando interrogados sobre os melhores livros do género, enumerem Stand on Zanzibar com tanta regularidade. Não vale tanto pela acção que apresenta (que, ainda assim, é excelente), mas sim pela realidade que explora e pelas questões que suscita. Destaco uma: assumindo a relevância tanto da componente hereditária (biológica) como da social na criação daquilo que é um ser humano, se criássemos seres humanos muito superiores a nós (mais fortes, mais ágeis, mais resistentes, mais inteligentes), como os poderíamos educar de forma a alcançarem o pleno das suas capacidades?

As restantes deixo à descoberta dos leitores.

26 de agosto de 2012

Citação fantástica (28)

E esta com especial ironia:

POISON

"A mob protesting against recent language reforms designed to bring Brazilian-Portuguese into closer conformity with the Spanish spoken over the remainder of Latin America today set fire to a number of buildings on the outskirts of Brasilia."

John Brunner, Stand on Zanzibar (1968)

12 de agosto de 2012

Citação fantástica (26)

Basically, then: you have two things in common. You're a pack animal; so is a dog. You're a territorial animal; so is a dog. (The fact that we mark ou manors with walls instead of urine is irrelevant.) 

John Brunner, Stand on Zanzibar (1968)

2 de agosto de 2012

Leituras de Verão*

As férias já acabaram, e em grande medida a preguiça e os videojogos Portal e Portal 2 levaram a melhor face à leitura. Enfim, o pouco tempo que sobrou deu para concluir a leitura de A Canticle For Leibowitz, de Walter M. Miller Jr. (excelente), e para entrar em Wyrd Sisters, o sexto livro da série Discworld, de Terry Pratchett (uma gargalhada, como é habitual).

Mas para o que sobra do Verão, que já vai a meio, ainda haverá tempo para a leitura - e já tenho algumas programadas**. A coisa deverá seguir mais ou menos assim:


O Futuro à Janela, de Luís Filipe Silva
Encontrei-o durante as férias - que se não foram produtivas em termos de leitura, foram muito interessantes para encontrar relíquias. Tenho bastante curiosidade quanto aos "anos de ouro" da Ficção Científica portuguesa, e já vai sendo altura de ler alguma coisa em português (coisa que não faço há mais ou menos dois anos). 







Stand on Zanzibar, de John Brunner
Estou curioso quanto a este livro - vencedor do Prémio Hugo em 1968 e muito recomendado por Joe Haldeman. Recebi-o há dias e, considerando que 1) é volumoso*** e 2) a avaliar pela rápida olhadela que lhe dei, parece ter um estilo narrativo muito peculiar, julgo que me deverá ocupar durante quase todo o mês de Agosto. Mas agora que o tenho aqui ao lado, estou ainda mais curioso.







Ender's Game, de Orson Scott Card
Outro que me tem deixado bastante curioso - até porque gosto bastante de ficção científica militar, e tenho lido coisas muito boas sobre este livro. A adaptação cinematográfica sai para o ano - e o autor está envolvido na produção**** -, pelo que é altura de me dedicar a ele. 









O resto fica para o Outono.

* Em jeito de "resposta" a este post. O Frankenstein e as sequelas de Dune também cá andam, e há bastante tempo, à espera de vaga. 
** Naturalmente, as leituras programadas não serão necessariamente as leituras lidas. Os meus planos costumam não passar disso mesmo - de planos. 
*** Não é volumoso, é mesmo um doorstopper em formato paperback - só não é o maior livro da colecção SF Masterworks porque, se não me engano, Helliconia, de Brian Aldiss, é ainda maior.
**** Claro que, depois de alguns desastres recentes, as minhas expectativas para com qualquer adaptação cinematográfica estão consideravelmente mais moderadas.

25 de abril de 2012

Das ideias e das descrições:


Aqui está um exemplo de uma excelente descrição da ideia elementar de um livro, tornando-o interessante sem  recorrer a spoilers:

The primary engine of the novel's story is overpopulation and its projected consequences, and the title refers to an early twentieth-century claim that the world's population could fit onto the Isle of Wight – which has an area of 381 square kilometres (147 sq mi) – if they were all standing upright. Brunner remarked that the growing world population now required a larger island; the 3.5 billion people living in 1968 could stand together on the Isle of Man (area 572 square kilometres (221 sq mi)), while the 7 billion people who he projected would be alive in 2010 would need to stand on Zanzibar (area 1,554 square kilometres (600 sq mi)).Throughout the book, the image of the entire human race standing shoulder-to-shoulder on a small island is a metaphor for a crowded world.


E assim se decide uma das próximas leituras (apesar de a lista ser já bastante longa).