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26 de maio de 2014

Tolkien em discurso directo

A notícia foi avançada ontem por Rob Bricken no io9: foi recuperada uma gravação do discurso e das leituras de Tolkien num evento denominado "Hobbit Dinner" que teve lugar na Holanda em 1958, perante uma plateia de duas centenas de fãs da obra do professor britânico. Essa gravação esteve na posse de um fã holandês, que finalmente permitiu a sua remasterização e edição - prevista ainda para este ano. E entretanto, para aguçar o apetite dos fãs, foi disponibilizado um breve excerto.


Fonte: io9

3 de fevereiro de 2014

This happening world (3)

No blogue de gaming da Forbes, Erik Kain pergunta: estará na altura de deixarmos a visão de Peter Jackson da Terra Média de Tolkien para trás? Sim. E repito: sim. O trabalho do neozelandês na adaptação cinematográfica da trilogia The Lord of the Rings foi notável a todos os níveis (já aqui o defendi várias vezes), mas a verdade é que a iconografia dos três filmes tornou-se praticamente na imagem "oficial" daquele universo ficcional (para além de The Hobbit já acusar o desgaste em demasia). Kain coloca bem a questão: está na altura de dar a oportunidade a outras interpretações, se possível mais próximas da fonte. Uma tarefa sem dúvida hercúlea - tal como os três livros originais de Tolkien projectaram uma vasta sombra sobre toda a fantasia literária durante anos, é bem possível que a visão de Jackson condicione quaisquer adaptações audiovisuais da Terra Média. 

No Tor.com, Leah Schnelbach desmonta o extraordinário Groundhog Day nos seus vários elementos constituintes - e mostra como consegue subverter todos os géneros dos quais retira ideias e influências. A análise de Schnelbach é detalhada e inteligente, analisando todas as peças que fazem desta comédia romântica com Bill Murray e Andie MacDowell um filme especialmente difícil de caracterizar - mas inesquecível tanto na sua premissa como na forma irrepreensível com que a executa e a leva às últimas consequências.

Na Kirkus Reviews, Andrew Liptak (do SF Signal) recorda Arthur C. Clarke - o cientista e o escritor. Qualquer dia é um bom dia para recordar Clarke, e Liptak fá-lo de forma tão sucinta como completa: da sua descoberta do género à sua carreira científica e do desenvolvimento da teoria que possibilitaria a utilização de satélites geoestacionários; da influência de Olaf Stapledon à parceria com Stanley Kubrick para 2001: A Space Odyssey, clássico maior do cinema de ficção científica (e não só). 

Dose dupla da Telltale Games: Segundo episódio de The Wolf Among Us com lançamento previsto para os próximos dias; e segundo episódio da segunda temporada de The Walking Dead, ainda sem título, anunciado "para breve". (via Polygon)

Ao que parece, Duke Nukem está de volta - e desta vez em formato de action role-play. Depois do fiasco de Duke Nukem Forever, as expectativas não são elevadas; mas talvez saia daqui algo interessante. Só é pena que a equipa da Interceptor tenha deixado em águas de bacalhau o seu projecto de actualização do vetusto Duke Nukem 3D. (via Rock, Paper, Shotgun)

31 de outubro de 2013

The Lord of the Rings em destaque no genérico de The Simpsons

Depois do extraordinário couch gag realizado por Guillermo Del Toro para o episódio especial de Halloween, o genérico de The Simpsons apontou para Tolkien e para a Terra Média de The Lord of the Rings e The Hobbit. O resultado, esse, é bastante inspirado (sobretudo no momento do Gollum):


Fonte: io9

30 de setembro de 2013

Tolkien: A sombra e o legado da Terra Média

Quando Michael Moorcock declara The Broken Sword como superior ao “outro” livro de fantasia épica inspirado nas mitologias escandinavas publicado em 1954, referindo-se The Fellowship of the Ring, não está apenas a fazer uma apreciação extremamente positiva ao livro, aliás excelente, de Poul Anderson – está, de forma implícita a reconhecer não só o mérito como também o tremendo impacto que a obra de Tolkien teve, e que não se limitou apenas à fantasia.

O que parece ser confirmado mais tarde, em duas ocasiões distintas. A primeira, quando Arthur C. Clarke declara Dune, de Frank Herbert, como um épico apenas comparável a The Lord of the Rings. A segunda, em 1966, quando na Worldcon de Cleveland é atribuído um Prémio Hugo especial, e até agora único, para distinguir a melhor série literária no género. Venceu, como se sabe, a então trilogia Foundation, do mestre Isaac Asimov; aparentemente, porém, a opinião mais generalizada indicava que tal Hugo estava talhado à medida exacta do épico de Tolkien.

Mais recentemente, e a propósito do enorme sucesso global de A Song of Ice and Fire, tanto na série literária original como na sua adaptação televisiva da HBO, George R. R. Martin ganhou o epíteto de “o Tolkien Americano”; o detalhe e a espessura do mundo secundário de Westeros será talvez dos poucos que a fantasia literária moderna poderá comparar (e mesmo assim mal) ao worldbuilding tolkieniano.

Goste-se ou não da obra de Tolkien, o impacto que causou na literatura fantástica é inegável – a riqueza do mundo secundário da Terra Média, o carácter épico da Guerra do Anel e as múltiplas leituras que a aventura possibilita tornaram-se na comparação inevitável que as obras mais ambiciosas da ficção de género ainda hoje enfrentam, quase 60 anos volvidos sobre a publicação original da aventura de Frodo e Sam. A sua densidade narrativa e simbólica abriu em definitivo as portas da academia aos géneros literários considerados populares, comerciais e menores; e os motivos e os temas de The Lord of the Rings tornaram-se em convenções do género, tropes reproduzidas quase até à náusea por autores com maior ou menor experiência. Muitas foram as derivações tolkienianas que a literatura fantástica conheceu desde os anos 60 – e mesmo hoje, quando muita da fantasia contemporânea parece ser desenvolvida em oposição (quando não em negação) àquelas convenções, nem por isso a sombra deixa de estar presente, e de se notar em cada capítulo.

Mas a Terra Média tornou-se num fenómeno de culto que transcendeu as suas origens literárias. As adaptações cinematográficas de Peter Jackson no início do novo milénio foram dos filmes mais bem sucedidos da história do cinema, tanto em termos comerciais como em reconhecimento crítico – e, tal como a trilogia original fez na literatura, também a série de três filmes estabeleceu um novo padrão para a fantasia cinematográfica (as imitações foram várias, mas nenhuma chegou sequer perto do original – nem Eragon, nem The Golden Compass, e nem, ironicamente, The Hobbit). E também no universo dos jogos a influência se sente com força: as inspirações tolkienianas de Dungeons & Dragons são inegáveis, tal como noutros jogos de role-play de formato pen & paper; e o mesmo se pode dizer do universo ficcional das miniaturas de Warhammer, das cartas coleccionáveis de Magic: the Gathering e das facções em confronto virtual de World of Warcraft (cujas referências a Tolkien vêm dos tempos do primeiro jogo de estratégia em tempo real desta franchise). Sem esquecer, claro, todas as adaptações directas da obra de Tolkien para estes formatos – jogadores de todo o mundo podem visitar a Terra Média em cartas coleccionáveis, em jogos de personagem, em jogos de vídeo single-player ou massively-multiplayer, e até em construções com os blocos coloridos da Lego. O mundo de Tolkien deixou há muito de ser apenas literário – é uma força extraordinária na cultura popular contemporânea, e uma que não parece perder intensidade ou passar de moda.

Em jeito de conclusão, uma posição meramente pessoal (até porque este é um blogue pessoal). Tolkien será sempre um dos meus dois ou três autores preferidos – daqueles que tentaria levar para a proverbial ilha deserta. Os meus regressos à Terra Média têm a regularidade de um movimento migratório na natureza – todos os anos lá volto para uma releitura completa, uma citação que ocorre a dado momento, uma ideia que tenciono revisitar. Na Nirnaeth Arnoediad vejo a mais extraordinária batalha descrita na literatura fantástica; nas histórias de Túrin Turambar e de Frodo Baggins encontro duas tragédias tão diferentes como memoráveis; na ousadia de Beren e Lúthien perante Morgoth, ou de Aragorn ao marchar para as Portas Negras movido apenas pela esperança, encontro uma coragem inabalável. Em em Ainulindalë, o mais extraordinário mito de criação que já descobri na literatura, e a prova definitiva de que, no que ao worldbuilding em fantasia diz respeito, Tolkien é inultrapassável. Histórias que já li e reli, tanto em edições originais como nas excelentes traduções portuguesas (caso raro no género!), e que continuo a reler com o fascínio original. O mês dedicado a Tolkien no Viagem a Andrómeda, por ocasião dos 40 anos volvidos sobre a sua morte, termina hoje – mas a ele regressarei neste espaço, tal como regresso sempre ao universo extraordinário que deixou como legado.

29 de setembro de 2013

O enigma da Terra Média: Tom Bombadil

Ilustração de autor desconhecido
Um dos aspectos que mais impressiona no mundo secundário que Tolkien apresentou em The Hobbit e sobretudo em The Lord of the Rings* é a sua textura, tornada mais densa não só pelo detalhe físico com que a Terra Média presente é apresentada, mas também pelas constantes alusões a um passado bem delineado e, a espaços, quase mitológico. Na sua maioria, esse passado que se adivinha nas palavras de sábios como Elrond e Gandalf, de anciãos como Treebeard e em pequenos detalhes apresentados quase de passagem ao longo do texto é exposto e esclarecido em The Silmarillion e nos textos inacabados que Christopher Tolkien editou após a morte do seu pai. Beren e Lúthien, Beleriand, os Balrogs de Morgoth, Glaurung e os dragões de Thangorodrim, e Ungoliant, da qual Shelob descendia, serão disso bons exemplos. Mas há outras referências mais obscuras, mesmo misteriosas, que tornam todo este mundo mais fascinante e palpável. Aragorn tornou célebre a passagem sobre os gatos da rainha Berúthiel, mas foram os hobbits quem encontrou o maior enigma da Terra Média: Tom Bombadil.

As origens de Bombadil são curiosas: era um brinquedo (um boneco) de um dos filhos de Tolkien, Michael, que se tornou protagonista do poema The Adventures of Tom Bombadil, de 1934 – e de outros poemas escritos posteriormente. Neles, Tolkien retrata-o como uma personagem alegre e espirituosa que habita com a “filha do rio” Goldberry” nas imediações do rio Withywindle e que tem um poder singular sobre a natureza que o rodeia. Mas é quando surge em The Lord of the Rings (nos capítulos 7, 8 e 9 de The Fellowship of the Ring) que o mistério se adensa.

A presença de Bombadil na grande narrativa da Guerra do Anel pode ser curta, mas reveste-se de grande significado. Fugidos do Shire, os quatro hobbits entram na Floresta Velha – onde adormecem e são capturados pelas raízes de Old Man Willow. Bombadil aparece no momento de aflição, e com o poder das suas canções liberta os hobbits e leva-os para o lar que partilha com Goldberry, onde os acolhe durante poucos dias. É uma personagem desconcertante: enverga um sobretudo azul, calça botas amarelas e ostenta uma pena no seu chapéu; fala sempre em verso, em rimas e cantigas alegres e de aparência simples.
Old Tom Bombadil is a merry fellow; 

Bright blue his jacket is, and his boots are yellow.
O tempo que os hobbits passam em casa de Tom Bombadil é, no mínimo, invulgar – como se fosse quase um outro mundo ou um outro tempo, do qual os Naz-gûl e o mal de Sauron não existem. Os dias são passados com histórias e cantigas; as noites, essas, são marcadas por sonhos especialmente estranhos (e, em alguns casos, proféticos). A surpresa maior, essa, surge no momento em que Frodo coloca o Anel no dedo, e todos se apercebem de que Bombadil consegue vê-lo através do manto de invisibilidade; mais do que isso, consegue pegar no Anel sem ser afectado pelo seu poder (que não ambiciona), e chega mesmo a fazer um pequeno gesto de prestidigitação com ele – como se fosse um artefacto sem valor. A natureza do anfitrião é um enigma para os hobbits, sobretudo após as provações que passaram para ali chegar; não surpreende, por isso, a sua curiosidade:
“Fair lady!” said Frodo after a while. “Tell me, if my asking does not seem foolish, who is Tom Bombadil?” 

“He is”, said Goldberry, staying her swift movements and smiling.
A resposta de Golberry não resolve o enigma; pelo contrário, adensou-o e suscitou inúmeras interpretações. Traçando um paralelismo com a velha alegoria cristã, houve quem pensasse que Tom Bombadil seria Eru Ilúvatar, ou um seu avatar (tese negada por Tolkien); um Valar ou mesmo um Maiar, talvez equivalente a Gandalf, Sauron ou aos Balrogs de Morgoth; ou, mais simplesmente, um avatar do mundo natural, uma força elemental muito antiga cujo poder residisse na própria terra. Julgo ser esta a interpretação mais lógica, sustentada desde logo por uma ideia apresentada de forma superlativa: 
“Eldest, that's what I am... Tom remembers the first raindrop and the first acorn... He knew the dark under the stars when it was fearless - before the Dark Lord came from Outside.”
No Conselho de Elrond, discute-se brevemente a possibilidade de deixar o Anel ao cuidado de Bombadil, dada a sua imunidade e o poder absoluto que tem sobre todas as coisas do seu domínio. Essa alternativa, porém, acaba descartada por Elrond e Galdor:
“…soon or late the Lord of the Rings would learn of its hiding place and would bend all his power towards it. Could that power be defied by Bombadil alone? I think not. I think that in the end, Bombadil will fall, Last as he was First, and then Night will come.”

“Power to defy our Enemy is not in him, unless such power is in the earth itself.”
É na contradição aparente aparente da sua construção – inquebrável perante um poder concebido para todos dominar – e no seu enigma persistente que reside a importância de Tom Bombadil. Fugindo a todas as categorias de seres que Tolkien descreveu com minúcia, permanecendo de fora de qualquer caracterização ou poder presente na Terra Média, e Tom Bombadil é uma lenda viva que, sendo um detalhe, confere a todo aquele universo ficcional uma textura extraordinária - pelo seu poder, tão extraordinário como limitadio, capaz de adormecer o Old Man Willow e destruir as Barrow-Wights, mas também pelo seu despreendimento perante um poder maior, que em momento algum ambiciona. Isto, note-se, numa história cujo tema principal é precisamente o poder e a corrupção a ele subjacente. A sua presença no texto desde as primeiras versões da narrativa, tão diferentes na forma e no tom, ganha por isso uma grande força; e a sua relevância no imaginário da Terra Média é por isso imprescindível. Conforme explicou o próprio Tolkien em carta,
"As a story, I think it is good that there should be a lot of things unexplained (especially if an explanation actually exists); ... And even in a mythical Age there must be some enigmas, as there always are. Tom Bombadil is one (intentionally)."
The Letters of J. R. R. Tolkien (1981), ed. Humprey Carpenter e Christopher Tolkien

Nem mais.


*The Hobbit, como se sabe, conheceu uma revisão assinalável em edições subsequentes para tornar mais lógica a sequência com The Lord of the Rings

Citação fantástica (86)

Three Rings for the Elven-kings under the sky, 
Seven for the Dwarf-lords in their halls of stone, 
Nine for Mortal Men doomed to die, 
One for the Dark Lord on his dark throne 
In the Land of Mordor where the Shadows lie. 
One Ring to rule them all, One Ring to find them, 
One Ring to bring them all and in the darkness bind them 
In the Land of Mordor where the Shadows lie.

J. R. R. Tolkien, The Lord of the Rings (1954-55)

27 de setembro de 2013

Tolkien: Para lá da Terra Média

Devido à tremenda popularidade de The Hobbit e The Lord of the Rings, J. R. R. Tolkien ganhou fama mundial sobretudo pelo mundo secundário da Terra Média e pelas aventuras que nele decorreram - da viagem de Bilbo a Erebor com a Companhia de Thorin Oakenshield até à grande demanda de Frodo e Sam para Orodruin, no coração de Mordor, com o propósito de destruir o Anel de Sauron; mas também aos mitos de criação daquele mundo e às histórias do conflito entre os Valar e Morgoth, apresentados narrativamente - e a título póstumo por Christopher Tolkien - em The Silmarillion e The Children of Húrin, e de forma fragmentária em Unfinsihed Tales of Númenor and Middle-earth. Muitos outros materiais relacionados com este universo ficcional - um dos mais profundamente desenvolvidos da literatura fantástica - foram também editados e compilados pelo seu filho e executor literário numa vasta colecção, autêntica enciclopédia em doze volumes intitulada The History of Middle-earth.

Mas Tolkien, convém lembrar, não foi apenas um escritor de fantasia épica - filólogo e professor de profissão, e com uma carreira académica singular, estudou em profundidade a literatura em Inglês Antigo, as sagas nórdicas e as mitologias germânicas e escandinavas. O seu trabalho com Beowulf continua a ser uma referência, tal como alguns dos seus mais célebres ensaios. Destes destacam-se On Fairy-Stories, de uma palestra em 1939 na Universidade de St. Andrews em Glasgow, na Escócia, publicado pela primeira vez em 1947 e, já em 1964, reeditado no volume Tree and Leaf (juntamente com o conto Leaf by Niggle); e Beowulf: The monsters and the critics, lido três anos antes (1936) também numa palestra. O primeiro versa (passe a tremenda simplificação) sobre a importância dos contos de fadas enquanto género literário, enquanto o segundo dedica-se ao criticismo académico de Beowulf e à importância dos vários elementos daquele poema épico. 

Em termos de publicações mais recentes, há duas que merecem destaques, ambas editadas por Christopher Tolkien com base em rascunhos e escritos inacabados deixados pelo seu pai. O primeiro, The Legend of Sigurd & Gudrún, foi publicado em 2009 e consiste em dois longos poemas narrativos, The New Lay of the Völsungs e The New Lay of Gudrún, escritos em verso aliterativo nos anos 20 e 30 com inspiração nas mitologias nórdicas - concretamente, na lenda de Sigurd e na queda dos Nibelungos. Ambos os poemas estão enquadrados pelo vasto e meticuloso trabalho de edição de Christopher Tolkien, com amplos comentários. O segundo, The Fall of Arthur, tem como tema o lendário Rei Artur e trata-se de um poema aliterativo incompleto, de inspiração nas histórias arturianas medievais, sobre os últimos dias do rei. Começado nos anos 30, Tolkien interrompeu a escrita deste poema para se dedicar a The Lord of the Rings, sempre com o objectivo de a ele regressar um dia. Tal não aconteceu; mas o que ficou escrito pode agora ser lido, graças à edição de Christopher Tolkien.

26 de setembro de 2013

A luz e as sombras na fantasia tolkieniana, ou: a tragédia de Frodo Baggins

Elijah Wood como Frodo Baggins na adaptação
cinematográfica realizada por Peter Jackson
Há dias, um artigo no io9 perguntava aos leitores qual era o "final mais feliz de sempre" - e, a ilustrar o desafio, um still da adaptação cinematográfica de The Lord of the Rings realizada por Peter Jackson. O momento seleccionado é de facto um momento que se poderia caracterizar como "feliz", mas talvez seja pertinente perguntar: terá The Lord of the Rings um "final feliz"?

A pergunta, note-se, não é inocente. Quando o grimdark tomou conta da fantasia contemporânea, fê-lo - é ler a crítica e o fandom - numa espécie de oposição mais ou menos assumida à high fantasy de inspiração tolkieniana, regra geral descrita como sendo a preto-e-branco, com heróis e vilões bem delineados e afastados e, qual cereja no topo do bolo, um "final feliz". Ou seja: vilão morto, Mal derrotado e um herói consagrado. Uma maçada, é o que é, e ainda por cima antiquada. A fantasia (pós-)moderna quer-se gritty, de moralidade ambígua ambígua ou mesmo amoral, polvilhada de anti-heróis e de vilões, se não bem intencionados, pelo menos bem motivados - podemos olhar para aquele que será nos dias que correm o expoente máximo dessa tendência, A Song of Ice and Fire de George R. R. Martin (deixemos por agora de lado a ironia de Martin ser um fã irredutível de Tolkien), e encontrar no texto todas estas marcas. Mas será a fantasia de Tolkien tão linear como os seus detractores a descrevem hoje em dia? Pessoalmente, julgo que não.

(daqui para a frente os spoilers serão a norma)

24 de setembro de 2013

A Terra Média segundo Peter Jackson (3): A conclusão épica de The Return of the King

Após 357 minutos divididos de forma muito eequitativa por dois filmes (não contando com os extras, entenda-se), eis-nos chegados enfim a The Return of the King, o último capítulo da trilogia The Lord of the Rings que Peter Jackson adaptou para o cinema a partir do clássico de fantasia épica de J. R. R. Tolkien. Uma tarefa colossal, diga-se de passagem - transpor a (quase) totalidade da Guerra do Anel que marcou o fim de Sauron, o último dos comandantes de Morgoth, e da Terceira Era da Terra Média. E, para deixar o óbvio resolvido, um desafio que Peter Jackson superou com distinção, concluindo a trilogia com um terceiro filme a todos os níveis notável. 

É certo que, aqui chegados, é inevitável equacionarmos as muitas alterações que a adaptação cinematográfica impôs à narrativa original, e considerarmos o impacto dessas alterações nos temas abordados por Tolkien no seu épico. Como não poderia deixar de ser, muitas das decisões de Jackson no decurso desta adaptação são questionáveis - mesmo entendendo que, dada a diferença fundamental de ambos os meios, seria impossível uma transposição cena-a-cena funcional. Talvez a mais dúbia - até mesmo que a omissão de Tom Bombadil no primeiro filme - seja a eliminação absoluta da passagem The Scouring of the Shire, momento importante na narrativa literária pela afirmação definitiva dos hobbits ao confrontarem-se com a devastação da guerra até na sua pequena e insignificante terra. Noutros momentos, porém, nota-se um trabalho cuidado de equilíbrio narrativo, especialmente visível no desenvolvimento de Frodo, Sam e Gollum: dando fôlego à história destas três personagens, os argumentistas puderam mover, com claro benefício para a trilogia no seu todo, a passagem de Cirith Ungol e o confronto com Shelob para o terceiro filme (nos livros, tem lugar em The Two Towers). 


Em termos narrativos, The Return of the King começa por resolver um mistério que persiste desde a passagem da Irmandade por Mória: qual a origem de Gollum, a criatura que em tempos possuiu o Anel, e que segue Frodo, dissimulado? Num longo e fascinante prólogo em formato de flashback, The Return of the King abre com uma pacata cena de pesca entre Sméagol e Déagol, da variedade Stoor dos Hobbits, que cedo se torna violenta quando Déagol encontra um anel no leito do rio, e Sméagol o reclama para si. Nasce assim Gollum, condenado ao exílio ao apoderar-se do anel que Isildul arrancara da mão do próprio Sauron. Uma vez mais, a interpretação de Andy Serkis merece destaque - encarnando Gollum na perfeição, na sua transformação de um Hobbit comum para uma criatura vil e miserável - colocando em perspectiva o tremendo fardo que Frodo transporta para Mordor.


Findo o prólogo, The Return of the King retoma as várias histórias deixadas no final de The Two Towers - com os elementos sobreviventes da Irmandade (à excepção, claro, de Frodo e Sam) a reunirem-se nas ruínas de Isengard. A edição especial em DVD inclui neste ponto uma cena adicional de grande importância, ao dar um fim lógico ao enredo de Saruman - mas a versão que esteve em exibição deixou, erradamente, essa ponta solta, qual gato escondido com o rabo de fora. Uma reunião, porém, que pouco durará - deixando Aragorn, Legolas, Gimli e Merry em Rohan, Gandalf parte com Pippin para Gondor, com o propósito de preparar o reino para a ofensiva iminente de Mordor. E cedo as forças de Gondor, comandadas por Faramir, se vêem obrigadas a ceder a cidade de Osgiliath e a recuar para a cidade-fortaleza de Minas Tirith.


Mas Denethor, Mordomo de Gondor, amargurado pela morte de Boromir e alheio à guerra que já se trava no reino que jurou proteger, recusa pedir ajuda a Rohan - obrigando Gandalf a tomar a suas próprias medidas para tentar travar o avanço das forças de Sauron. Em Rohan, começam os preparativos para a longa marcha para Minas Tirith, e para a guerra - mas Aragorn, sob indicação de Elrond (que reforjou Narsil, a espada com que Isildur cortara o Anel da mão de Sauron, e a renomeou Andúril), opta por se separar das forças de Théoden e segue por um caminho mais perigoso, a fim de conseguir aliados tão poderosos como improváveis.


Entretanto, Frodo e Sam seguem Gollum por um caminho muito próximo de Minas Morgul, antiga cidade de Gondor conquistada por Sauron e ocupada pelo temível Witch-King of Angmar, o mais temível dos seus comandantes. Esse caminho leva-os às escarpas de Cirith Ungol, lugar tenebroso onde habita um mal antigo e terrível: Shelob, descendente de Ungoliant, uma aranha gigantesca que habita as passagens e as grutas daquelas montanhas caçando tudo o que por lá passa - e não perdendo a oportunidade de atacar Frodo, numa das mais poderosas cenas de toda a trilogia.


Em termos visuais, The Return of the King consegue superar a elevadíssima fasquia que The Two Towers estabelecera - a fotografia é soberba, os planos são impressionantes de forma consistente ao longo de mais de três horas, e os efeitos especiais são a cereja em cima de um bolo de confecção irrepreensível. Uma vez mais, as belíssimas paisagens naturais da Nova Zelândia foram utilizadas para retratar a Terra Média, ainda que um pouco menos do que nos filmes anteriores - neste terceiro capítulo, os efeitos especiais e as CGI brilham em todo o seu esplendor - basta pensarmos, por exemplo, no impressionante (e assustador) detalhe de Shelob, na soberba recriação da cidade branca de Minas Tirith e, sobretudo, nas enormes batalhas.


Talvez o adjectivo "enorme" não faça justiça à dimensão da batalha de Pelennor Fields tal como Peter Jackson a filmou e recriou. Não há, em toda a história do cinema, muitas batalhas que se lhe possam comparar na sua dimensão avassaladora, no seu carácter eminentemente épico, na fluidez narrativa que acompanha os vários lados em confronto, dando uma perspectiva global do confronto sem no entanto deixar de acompanhar as várias personagens envolvidas - e sem deixar de dar atenção ao detalhe. A batalha de Helm's Deep em The Two Towers já fora climática (e, como disse, tenho um soft spot pela Última Marcha dos Ents), mas Pelennor Fields eleva a fasquia para alturas impossíveis. Quem duvidar, reveja a carga da cavalaria de Rohan.


Infantaria e cavalaria aos milhares, elefantes gigantescos, dragonetes com Naz-gûl, e até espectros - Pelennor Fields incluiu tudo em porções generosas e bem temperadas. E ainda deixou tempo para um último confronto, às portas de Mordor - perante o olhar atento de Sauron.


Como já disse a propósito de The Two Towers, a banda sonora de Howard Shore é notável, acompanhando na perfeição cada momento do filme. Também o elenco está à altura do desafio - Viggo Mortensen interpreta na perfeição um Aragorn primeiro dividido, por fim resoluto na sua missão e na sua herança, mas sempre humilde; Elijah Wood e Sean Astin fazem uma dupla extraordinária como Frodo e Sam - o primeiro pela força que dá ao tormento que o anel causa ao hobbit, e o segundo pela determinação quem imprime a cada gesto e a cada deixa da sua personagem, ferozmente leal ao seu amo e amigo. Andy Serkis é superlativo como Gollum - mesmo até ao seu momento de glória, que é também o seu momento final. Merecedora de destaque é ainda a interpretação de John Noble como Denethor, o Mordomo de Gondor consumido pelo rancor, pelo desejo de uma posição que não é a sua, e pela loucura que o levou a desafiar poderes maiores do que o seu. 


Ainda que tenha omitido a passagem The Scouring of the Shire, Peter Jackson nem por isso poupou nos finais para este terceiro capítulo - entre o fim da missão de Frodo e o início dos créditos passam longos minutos, onde se explica o destino, mais ou menos imediato, das várias personagens que participaram em tão grande aventura. Uma opção criticada por muitos, por alongar em demasia o filme - mas, dadas as dimensões da história a ser contada, é difícil imaginar outra forma de atar as pontas soltas (uma simples narração não teria a mesma força - como a cena de Gondor atesta). Independentemente tais considerações, ou de outras liberdades artísticas, a verdade é que, com The Return of the King, Peter Jackson encerrou em grande a sua visão cinematográfica da Terra Média de Tolkien - culminando longos anos de trabalho e mais de três horas de filme num épico notável que mereceu cada prémio que conquistou - e conquistou muitos. Uma justa adaptação para o cinema de uma das maiores criações literárias que a fantasia já conheceu. 9.8/10


The Lord of the Rings: The Return of the King (2003)
Realizado por Peter Jackson
Argumento de Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens e Stephen Sinclair com base na obra de J. R. R. Tolkien
Com Ian McKellen, Elijah Wood, Sean Astin, Andy Serkis, Viggo Mortensen, John Rhys-Davies, Orlando Bloom, Dominic Monaghan, Billy Boyd, John Noble, David Wenham, Miranda Otto, Cate Blanchett, Bernard Hill, Karl Urban, Liv Tyler e Hugo Weaving.
201 minutos

22 de setembro de 2013

Citação fantástica (85)

War must be, while we defend our lives against a destroyer who would devour all; but I do not love the bright sword for its sharpness, nor the arrow for its swiftness, nor the warrior for his glory. I love only that which they defend.

J. R. R. Tolkien, The Two Towers (1954)

21 de setembro de 2013

Born of Hope: um retrato possível da infância de Aragorn

No fim-de-semana passado deixei aqui como sugestão The Hunt for Gollum, uma curta-metragem amadora distribuída na Internet que conta a história da longa busca de Aragorn por Gollum para tentar confirmar se o anel mágico que Bilbo encontrara anos antes era, de facto, o Anel de Sauron. Hoje, a sugestão é um pouco mais longa: Born of Hope, uma produção independente (e sem quaisquer fins lucrativos) de 2009 realizada por Kate Madison com argumento de Paula DiSante, com base em muito material que Tolkien remeteu para os anexos da sua obra. Born of Hope conta uma pequena história sobre os Dunédain do Norte, centrada na família de Aragorn e no seu nascimento em Rivendell - e, tal como The Hunt for Gollum, foi feito com um orçamento limitado (25 mil libras britânicas) e muita carolice.



17 de setembro de 2013

A Terra Média segundo Peter Jackson (2): The Two Towers, ou como no meio pode estar a virtude

Um dos problemas mais comuns de uma trilogia, seja literária ou cinematográfica, reside na segunda parte da história - no livro ou no filme "do meio", que se vê obrigado a alargar o mundo ficcional estabelecido na primeira parte e deixar o terreno preparado para o desenlace esperado para a terceira. Uma tarefa por vezes ingrata, esta de servir de ponte entre o início e o final de uma história. Tolkien contornou-a de forma curiosa, ao optar por ignorar a divisão editorial e manter-se fiel à sua própria estrutura interna (os seis livros) enquanto, em simultâneo, concluiu o quarto livro (a segunda parte de The Two Towers) com o excelente cliffhanger de Sam em Cirith Ungol, após a luta desesperada contra a terrível Shelob. Já Peter Jackson optou por algo mais convencional na sua adaptação de The Two Towers: explorar as várias histórias separadas no final de The Fellowship of the Ring até ao ponto em que cada uma delas alcançasse um final lógico na narrativa, com esse final a estabelecer com firmeza as fundações do capítulo final da história. Pesem embora algumas alterações significativas no detalhe mas talvez menos importantes no todo narrativo, a adaptação de The Fellowship of the Ring de Peter Jackson manteve-se sempre muito próxima do livro de Tolkien - até ao momento final, movendo a separação da Irmandade e a morte de Boromir do segundo para o primeiro capítulo da trilogia. Uma alteração inteligente por permitir que o arco narrativo do primeiro filme terminasse de forma digna e coerente, abrindo o caminho para o segundo. Mas em The Two Towers, o realizador e os argumentistas tomaram mais liberdades criativas, não só alterando a ordem de vários acontecimentos (algo fundamental) como também acrescentado várias cenas originais e modificando de forma drástica o carácter de algumas personagens - com Faramir a ser o caso mais flagrante. Mas já lá iremos.


Na impossibilidade de manter a divisão de Tolkien, separando a história de Frodo e Sam da aventura dos restantes membros da - agora extinta - Irmandade, Jackson optou por misturar as duas (três) ramificações, acompanhando em simultâneo as várias personagens à medida que estas viajam pela Terra Média, entre a Torre de Orthanc em Isengard e a Torre de Barad-dûr em Mordor. Frodo e Sam, sozinhos e perdidos em Emyn Muil, encontram por fim Gollum, a segui-los desde Mória - recriado pelas mais sofisticadas técnicas de motion capture da época e interpretado de forma inesquecível por Andy Serkis -, que acaba por ser coagido a guiá-los para Mordor através dos vastos Pântanos dos Mortos. Mas pelo caminho encontram Faramir, irmão do (falecido) Boromir, com vários soldados de Gondor; e o rumo da sua demanda, entre o carácter traiçoeiro de Gollum e a fraqueza dos Homens, torna-se incerto...


Do outro lado do rio Anduin, Aragorn, Legolas e Gimli percorrem Rohan no encalço dos Uruk-hai que mataram Boromir e capturaram Merry e Pippin. Pelo caminho encontram Éomer (Karl Urban), um comandante de Rohan banido por édito real de um Theoden (Bernard Hill) atormentado - que lhes indica ter morto os Uruk-hai nas imediações da sombria Floresta de Fanghorn. Lá encontram Gandalf, regressado da sua morte aparente no confronto com o Balrog em Mória - e, sabendo que os dois hobbits estão bem, partem com o feiticeiro para Rohan, com o propósito de resgatar o rei ao torpor que o assolou pela traição do conselheiro Gríma (Brad Dourif), e de preparar a resistência a Saruman, que reúne as suas forças em Isengard.


Em Fangorn, e após a dura travessia de Rohan com os Uruk-hai, Merry e Pippin encontram-se à guarda de Treebeard, um dos últimos Ents da Terra Média - os "pastores de árvores" que guardam a floresta desde os tempos antigos. Apesar de pachorrentos, os Ents são uma força considerável - e debatem entre si se devem entrar numa guerra que provavelmente não lhes dirá respeito. Mas a interferência dos dois hobbits poderá tornar possível algo muito inesperado para todos os intervenientes do conflito.


Nestas três histórias o espectador conhece várias personagens novas, desempenhadas com brio por um excelente elenco: de Éomer e Théoden a Éowin (Miranda Otto), irmã de Éomer e uma das poucas personagens femininas da história com verdadeiro destaque pelo seu desejo ardente de combater; Treebeard (com voz de John Rhys-Davies), a força melancólica de Fangorn; e Faramir (David Wenham), capitão de Gondor, desejoso de agradar a um pai que sempre o preteriu em favor de Boromir, e dividido entre o que fazer quando captura Frodo e descobre o Anel. É nesta personagem que se pode ver uma das mais relevantes alterações feitas em relação aos livros: a sua nobreza de carácter mantém-se, mas é adensada por uma maior ambiguidade moral que, surpreendente, o acaba por tornar numa personagem mais interessante (ainda que a resolução do seu conflito interno surja numa cena um tanto ou quanto problemática em Osgiliath).


Claro que, no que às personagens diz respeito, é o Gollum de Andy Serkis quem rouba todas as cenas. Serkis pega numa das melhores personagens de Tolkien e torna-a inesquecível com uma interpretação excepcional, que reproduz de forma singular a malícia e o carácter ambíguo de Gollum e o seu desejo pelo Anel, mas também a sua vertente atormentada pela longa posse daquele artefacto. A voz, os maneirismos, os gestos - tudo é perfeito naquela personagem, com os sofisticados efeitos especiais a serem conjugados com um desempenho de antologia.


Tal como em The Fellowship of the Ring, também em The Two Towers os cenários são extraordinários - às paisagens naturais belíssimas da Nova Zelândia juntam-se notáveis recriações de Fangorn, Edoras, Helm's Deep e os Pântanos dos Mortos. A banda sonora de Howard Shore continua soberba, com as músicas associadas a Rohan a merecerem destaque. Mas onde Peter Jackson eleva a parada é nas batalhas - abre com o espectacular combate entre Gandalf e o Balrog no abismo de Mória, as tensas escaramuças dos Uruk-hai com os cavaleiros de Rohan, e sobretudo com a imponência furiosa de Helm's Deep, uma das mais climáticas batalhas já vistas no cinema (pelo menos até chegarmos aos Campos de Pelennor no terceiro filme). Mas, e numa nota meramente pessoal, é a Última Marcha dos Ents que leva a taça - com o levantamento da floresta e a marcha de Treebeard e dos Ents (instigados por Merry e Pippin) contra Isengard a concluir em alta a história de Fangorn naquela que é a melhor cena da trilogia, com uma combinação perfeita de imagem, efeitos especiais e música.


Claro que, como disse acima, The Two Towers também ficou marcado pelas muitas liberdades criativas tomadas por Peter Jackson. Para além de Faramir, também Aragorn viu o seu carácter de herói relutante adensado, e o seu romance com Arwen explorado através de algumas cenas encaixadas de forma inteligente numa trama à qual a personagem de Liv Tyler não pertencia. O conflito de Rohan foi simplificado, para evitar excesso de personagens num elenco já de si vasto; mas os Elfos de Lothlórien juntaram-se à batalha de Helm's Deep, um afastamento radical da narrativa original que talvez não tenha sido explorado como devia (acabam por ser pouco relevantes para o resultado da batalha). E, claro, Osgiliath - com a cena entre Frodo, Faramir e o Witch-King a ser especialmente problemática, necessitando de uma interpretação mais... imaginativa para a explicar.


Mas por mais importância que se possa dar às suas fraquezas (e não são muitas), estas nem por isso diminuem o resultado final das três horas de The Two Towers. Sim, podemos questionar a pertinência de alguns desvios, de algumas cenas adicionadas em detrimento de outras omitidas, a falta de alguns momentos relegados para DVD. The Two Towers continua, apesar de tudo isso, a ser um filme estrondoso, de execução brilhante, que se soube construir sob a força narrativa do filme anterior e combinar um forte desenvolvimento de personagens com conflitos de uma escala épica poucas vezes vista no cinema. Pela sua natureza de "filme do meio" não poderia nunca ser um filme autónomo - mas não só cumpre a sua missão de ponte narrativa com um virtuosismo exemplar, como também eleva muito uma fasquia já de si altíssima. Numa palavra: excepcional. 9.5/10

The Fellowship of the Ring: The Two Towers (2002)
Realizado por Peter Jackson
Argumento de Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens e Stephen Sinclair com base na obra de J. R. R. Tolkien
Com Ian McKellen, Elijah Wood, Sean Astin, Viggo Mortensen, Christopher Lee, John Rhys-Davies, Orlando Bloom, Andy Serkis, Dominic Monaghan, Billy Boyd, David Wenham, Miranda Otto, Cate Blanchett, Bernard Hill, Karl Urban, Liv Tyler, Hugo Weaving e Brad Dourif.
179 minutos

14 de setembro de 2013

The Hunt for Gollum

Na sequência do tremendo êxito das adaptações cinematográficas de The Lord of the Rings realizadas por Peter Jackson no início da década passada, um grupo de britânicos decidiu reproduzir em filme - para distribuição gratuita na Internet, de forma a evitar conflitos legais com o Tolkien Estate - algumas passagens da história de J. R. R. Tolkien que o próprio remeteu para anexos e material secundário, mas que nem por isso deixam de ter relevância. Com Chris Bouchard ao leme como realizador e argumentista um orçamento de 3000 libras britânicas, uma vasta equipa de voluntários e muito boa vontade (no fundo, o mais relevante), estreou em 2009 a curta The Hunt For Gollum, retratando a longa busca de Aragorn, a pedido de Gandalf, de Gollum, para confirmar a suspeita de que o Anel que Frodo herdara de Bilbo era, de facto, o Anel Um. The Hunt For Gollum foi filmado em Inglaterra e em Gales, e desde a sua estreia online já registou mais de 12 milhões de visualizações em vários canais - algo extraordinário para um trabalho feito por fãs para os fãs, por pura carolice. Aqui fica, para quem ainda não viu ou queira rever:



Fonte: The Hunt For Gollum

10 de setembro de 2013

A Terra Média segundo Peter Jackson (1): The Fellowship of the Ring, ou o início da adaptação impossível

Não será talvez disparatado dizer que, em larga medida, a adaptação cinematográfica de The Lord of the Rings realizada por Peter Jackson foi, acima de tudo, simpleseficiente - por estranho que possa parecer empregar tais adjectivos para descrever uma série de três filmes de três horas cada (ou mais, se considerarmos as edições director's cut). A verdade é que o realizador neozelandês, fã assumido do universo literário de J. R. R. Tolkien, soube tratar a obra que adaptou com reverência, mas sem (demasiado) temor reverencial. Percebendo desde logo que, dada a dimensão dos livros, não poderia fazer uma transposição literal da página escrita para a película, Jackson não hesitou reordenar e reconfigurar os vários elementos para os ajustar à linguagem cinematográfica (necessariamente diferente da literária) e criar uma história fiel às suas origens, mas também um pouco ajustada ao público contemporâneo - e, por que não dizê-lo, também com um cunho um tanto ou quanto pessoal. O resultado foi exemplar: uma série de três filmes aclamados pelo público e pela crítica, que recuperou a obra de Tolkien para a ribalta e a mostrou como ela nunca antes tinha sido vista, num épico a todos os níveis impressionantes - porventura o mais extraordinário que o fantástico cinematográfico conheceu. 

Seguindo a ordem e os títulos dos livros, The Fellowship of the Ring foi o primeiro destes filmes, com estreia em 2001. Procurando cativar desde o primeiro momento tanto os fãs de Tolkien como um público que nunca lera os livros, Jackson abre o filme com um prólogo que começa assim, pela voz magnética de Cate Blanchett, magnífica no papel de Galadriel: 
The world is changed. I feel it in the water. I feel it in the earth. I smell it in the air. Much that once was is lost, for none now live who remember it. 
It began with the forging of the Great Rings. Three were given to the Elves, immortal, wisest and fairest of all beings. Seven to the Dwarf lords, great miners and craftsmen of the mountain halls. And nine, nine rings were gifted to the race of men, who, above all else, desire power. But they were, all of them, deceived, for another Ring was made. 
In the land of Mordor, in the fires of Mount Doom, the Dark Lord Sauron forged in secret a master Ring, to control all others. And into this Ring he poured his cruelty, his malice and his will to dominate all life. One Ring to rule them all.

A combinação da narração de Galadriel, da história quase mítica a ser contada, das imagens da Terra Média (toda ela filmada na Nova Zelândia) e da banda sonora evocativa de Howard Shore é perfeita: o universo literário de Tolkien não poderia ter melhor introdução no cinema. As curtas mas intensas cenas do Cerco de Mordor abrem o apetite para a grandiosidade das batalhas que a trilogia exibirá, sobretudo nos filmes seguintes (com Isengard, Helm's Deep e Pelennor Fields - mas lá iremos), e servem para exibir desde logo uma das principais características de The Lord of the Rings: o seu vasto passado, construído com um worldbuilding preciso e detalhado.


Do prólogo passamos para o Shire, soalheiro e verdejante, reminescente da Inglaterra rural que tanto encantou o velho professor britânico - o Shire, terra de Hobbits, onde repousa em silêncio um poder inimaginável. Frodo (Elijah Wood), o protagonista, é logo apresentado com Bilbo (Ian Holm) e Gandalf, o Cinzento (Iam McKellen), um feiticeiro ali conhecido sobretudo pelo seu fogo de artifício; e, com eles, os três outros hobbits que acompanharão o herói na sua demanda: Sam (Sean Astin), Merry (Dominic Monaghan) e Pippin (Billy Boyd). A festa do 111º aniversário do jovial e excêntrico Bilbo Baggins atraiu toda a gente das redondezas, e destacou-se pelo surpreendente desaparecimento do aniversariante - por obra e graça de um anel mágico, que o feiticeiro Gandalf suspeita ser um artefacto há muito perdido. Jackson mostra o Shire com gosto - adaptou de forma muito literal a célebre passagem "Concerning hobbits", mas não se prende; e cedo a leveza aparente da história dá lugar a uma sombra muito carregada, com a revelação do Anel.


É claro que Peter Jackson teve de sacrificar elementos relevantes para conseguir dar a The Fellowship of the Ring um ritmo narrativo adequado, capaz de equilibrar a introdução àquele universo fantástico com a apresentação das várias personagens e do conflito que está no centro da acção - e tudo isto com o dinamismo que um épico cinematográfico pede. O arranque da história, do aniversário de Bilbo à partida de Frodo, foi condensado - em momento algum se imagina que, no livro, passam 17 anos entre a partida de Bilbo e o regresso de Gandalf -, com os hobbits a moverem-se rapidamente para Bree com os terríveis Naz-gûl no encalço. Algumas personagens foram removidas - com destaque, para desgosto de muitos fãs, para Tom Bombadil*, o enigma que o próprio Tolkien nunca esclareceu, e de Glorfindel, substituído por Arwen Evenstar (Liv Tyler), trazida da obscuridade para a ribalta com o seu romance com Aragorn (Viggo Mortensen). Este, por seu lado, passou de herdeiro resoluto ao trono a um herói relutante. E também o final foi alterado, levantado directamente de The Two Towers.


Em termos gerais, as alterações foram acertadas e executadas com mestria - para um filme longo, a narrativa flui surpreendentemente bem, assente num argumento bem escrito, com ritmo e um excelente equilíbrio entre momentos de maior tensão e outros mais calmos. Bree, Weathertop, o Watcher in the Water, Moria, a Ponte de Khazad-dûm, Parth Galen - cenas de acção memoráveis, enérgicas, visivelmente tensas, em contraste com o encantamento de Imladris ou de Caras Galadhon, a ruralidade do Shire ou a imponência da travessia das Montanhas Azuis ou do Rio Anduin. Aqui, os cenários assumem um papel fundamental - as magníficas paisagens naturais da Nova Zelândia que Jackson, natural da ilha, soube aproveitar para tão extraordinário efeito.


Mas também o elenco transporta com sucesso o espectador para a Terra Média, e dá credibilidade a todo aquele mundo secundário - e mesmo a todas as alterações que Jackson, por um motivo ou outro, se viu obrigado a fazer na estrutura original da qual partiu. O Aragorn ambíguo que recriou não seria bem sucedido sem a gravitas e a solenidade de Viggo Mortensen, perfeito no papel. John Rhys-Davies dá ao anão Gimli a solidez necessária para que possa, em simultâneo, servir de comic relief sem perder a sua credibilidade. Ian McKellen é Gandalf, inevitavelmente - não poderia ser outro. Elijah Wood encarna, julgo que com mestria, o papel do atormentado Frodo - a sua vulnerabilidade é evidente, e assenta no papel que nem uma luva. E muito mais se poderia dizer de um elenco que tem, nas suas fileiras, actores do calibre de Christopher Lee (Saruman), Hugo Weaving (Elrond) e Sean Bean (Boromir, na perfeição), entre todos os outros já mencionados.


Em termos visuais, também é difícil encontrar em The Fellowship of the Ring pontos fracos. É pela comparação com o mais recente The Hobbit, carregadíssimo de computer-generated images, que se nota a inteligência dos truques de câmara que deram aos hobbits e a Gimli a sua estatura reduzida na presença das restantes personagens - mais realista, mais fluída. Tal como a excelente caracterização de todo o elenco, e sobretudo dos Orcs - um trabalho notável. O que, note-se, em nada desvaloriza os efeitos especiais - superlativos, ainda para os padrões de hoje. Basta vermos toda a sequência de Mória, a culminar no confronto entre Gandalf e o Balrog de Morgoth - um verdadeiro monstro de chamas e sombras, terrível na sua pormenorizada aparência. Impressionante. O som não fica atrás - os ginchos dos Naz-gûl ficam na memória, mas é a magnífica banda sonora de Howard Shore que acaba por elevar o filme, encaixando com subtil perfeição em cada cena ao ponto de ser impossível dissociar os cenários e as acções do filme.


Talvez não seja de todo errado dizer que The Lord of the Rings foi para as gerações actuais o que Star Wars terá sido para as gerações dos anos 70 - o épico cinematográfico por excelência, capaz de mudar de forma profunda a forma como os seus géneros respectivos (fantasia e ficção científica, respectivamente**) eram abordados no grande ecrã. The Fellowship of the Ring abriu a trilogia da Terra Média com chave de ouro, num filme onde quase tudo funcionou na perfeição - conseguindo a proeza de alcançar uma relativa autonomia dentro da narrativa maior que os três filmes constroem. Da formação da Irmandande à dissolução da Irmandade - o ciclo está completo, a história está pronta para os diferentes caminhos de The Two Towers. Um feito notável de Peter Jackson, numa adaptação especialmente feliz que abre o apetite para o capítulo seguinte e que estabeleceu um novo padrão para a fantasia cinematográfica. 9.5/10

The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring (2001)
Realizado por Peter Jackson
Argumento de Peter Jackson, Fran Walsh e Phillipa Boyens com base na obra de J. R. R. Tolkien
Com Ian Holm, Ian McKellen, Elijah Wood, Sean Astin, Viggo Mortensen, Sean Bean, Liv Tyler, Cate Blanchett, Christopher Lee, John Rhys-Davies, Orlando Bloom, Dominic Monaghan, Billy Boyd e Hugo Weaving
178 minutos

* Em jeito de curiosidade, Tom Bombadil é uma das personagens que mais aprecio em todo o universo de Tolkien. E por mais que gostasse de o ver no filme, não consigo não apoiar a decisão dos argumentistas.

** Sim, pode argumentar-se que Star Wars é mais fantasia do que ficção científica, mas deixemos isso para outro dia.

8 de setembro de 2013

Citação fantástica (83)

"Deserves it! I daresay he does. Many that live deserve death. And some that die deserve life. Can you give it to them? Then do not be too eager to deal out death in judgement. For even the very wise cannot see all ends. I have not much hope that Gollum can be cured before he dies, but there is a chance of it. And he is bound up with the fate of the Ring. My heart tells me that he has some part to play yet, for good or ill, before the end; and when that comes, the pity of Bilbo may rule the fate of many – yours not least."

J. R. R. Tolkien, The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring (1954)

6 de setembro de 2013

The Lord of the Rings: A aventura e a construção de um mundo secundário

Ainda mesmo antes de The Hobbit ser publicado em 1937 e de se revelar um inesperado sucesso, J. R. R. Tolkien começou a escrever uma sequela - um projecto que lhe ocupou boa parte do seu tempo (livre) entre os finais dos anos 30 e 1949, dividido que estava entre desenvolver a história da Guerra do Anel, que enquadrava a história de Bilbo, pela descoberta do Anel, no corpo mitológico mais vasto da Terra Média, e ordenar essa mesma mitologia, na sua mente em em notas e trechos dispersos havia mais de duas décadas. O segundo projecto, mais tarde conhecido como The Silmarillion, só viria a ser publicado a título póstumo pelo seu filho, Christopher Tolkien; o primeiro, porém, foi escrito e publicado pela Allen & Unwin em 1954, e mudaria para sempre a fantasia enquanto género literário: The Lord of the Rings


Curiosamente, a publicação de The Lord of the Rings em três livros reveste-se de um carácter quase acidental - uma decisão dos seus editores motivada pelo enorme risco que a publicação de uma obra tão vasta acarretava. Na perspectiva de Tolkien, a única divisão interna possível em The Lord of the Rings seria em seis partes, ou livros - uma divisão interna que se manteve na estrutura narrativa global. O formato trilogia foi uma concessão editorial de Tolkien - que, não sem ironia, se viria a tornar no padrão mais recorrente para séries de fantasia subsequentes. Mas não foi apenas no formato de edição que The Lord of the Rings estabeleceu um padrão. A sua combinação de um mundo secundário denso, complexo e extraordinariamente bem construído a todos os níveis com uma aventura de carácter épico, personagens relevantes e um tema clássico garantiu o sucesso imediato; o seu impacto na fantasia, esse, foi como uma pedrada no charco. De género literário menor e escapista e mesmo adolescente, a fantasia ganhou maturidade e relevância académica - e, convém não esquecer, estatuto de best-seller.

The Lord of the Rings liga-se a The Hobbit por via de alguns dos seus enredos secundários, recuperados com protagonismo pela trilogia: o anel encontrado por Bilbo na gruta de Gollum e o resultado (contado por Gandalf) do confronto entre o Conselho Branco e o Necromante de Dol Guldur, o próprio Sauron, daí regressado à terra de Mordor e à fortaleza de Barad-dûr. Esse anel mágico é, na verdade, o Anel Um, forjado à traição pelo próprio Sauron na Segunda Era. A célebre inscrição do anel narra a sua história e o seu propósito:
Three Rings for the Elven-kings under the sky,
Seven for the Dwarf-lords in their halls of stone,
Nine for Mortal Men doomed to die,
One for the Dark Lord on his dark throne
In the Land of Mordor where the Shadows lie.
One Ring to rule them all, One Ring to find them,
One Ring to bring them all and in the darkness bind them
In the Land of Mordor where the Shadows lie.
Durante anos o Anel esteve em segredo na posse de Bilbo Baggins, confortável no Shire graças à aventura de Erebor do qual regressou rico. Aos 111 anos, o anel preservou a sua aparência miraculosamente jovem - ainda que por dentro se sinta cansado, e desejoso de tornar a partir. O anel passa para Frodo, a quem Gandalf aconselha a deixar o Shire. É assim que começa a aventura que levará quatro pequenos Hobbits a conhecer o vasto mundo que existe para lá das suas (limitadas) fronteiras e a desempenhar papéis fundamentais numa guerra na qual em circunstâncias normais jamais se envolveriam. Mas se The Lord of the Rings tem em Frodo (sempre acompanhado por Sam e perseguido por Gollum) o seu herói principal, por improvável que seja, nem por isso se limita a acompanhar a sua demanda para destruir tão poderoso artefacto; pelo olhar das restantes personagens da Irmandade do Anel, o leitor acompanha a guerra contra Sauron noutras partes da Terra Média. Merry e Pippin mostram a perspectiva dos Ents de Fangorn (com a invasão a Isengard, uma das mais memoráveis passagens dos livros); por Aragorn, Gimli e Legolas vemos Rohan e Gondor; e com Gandalf acompanhamos o formidável cerco de Minas Tirith. Estas personagens unem vários pontos de um mundo de grandes dimensões com vida própria, não só oriunda dos seus habitantes mas também dos seu passado palpável, da História que se adivinha a cada momento.

E esse é um dos pontos que torna The Lord of the Rings numa aventura tão fascinante - para além da demanda (das várias demandas) em si, há todo um mundo secundário desenvolvido como nenhum outro - anterior ou posterior - no género. Tolkien, convém lembrar, era um académico, um professor - a sua paixão pelas línguas e a criação dos idiomas élficos estão na génese da Terra Média e de todas as histórias que esta contém. Aqueles idiomas, tal como a vasta mitologia e as histórias da Primeira e da Segunda Era, estão perfeitamente integrados em The Lord of the Rings - e contribuem de forma decisiva para aprofundar todo aquele mundo e os povos que o habitam, através de vários indícios, fragmentos e mesmo histórias que são reveladas ou anunciadas por várias personagens. Como Aragorn, um dos últimos Dunédain do Norte, descendente directo dos Homens de Númenor, ou Galadriel, a Senhora de Lothlórien, descendente dos povos das lendas antigas e exilada na Terra Média desde a Primeira Era. A tudo isso juntam-se alguns mistérios (o mais persistente dos quais surge na figura de Tom Bombadil, uma das mais extraordinárias personagens criadas por Tolkien), uma prosa rica e elaborada, digna de um verdadeiro contador de histórias, e um tema persistente (mesmo que as modas do momento possam apontar noutro sentido).

Este texto, entenda-se, é apenas um resumo muito breve e muito incompleto de uma ínfima parte de The Lord of the Rings. Os seus méritos tornaram-no no padrão qualitativo da fantasia épica, fasquia ambicionada pelos muitos autores que se lhe seguiram - uns imitiando-o, outros afastando-se tanto quanto possível, mas muito poucos renegando a influência (veja-se o caso de George R. R. Martin, por exemplo, e a reverência que tem para com a obra). O seu legado é tão vasto como o universo que comporta, e estende-se muito para lá da literatura fantástica; e a sua riqueza possibilita uma grande diversidade de leituras possíveis. Esse legado e essas leituras serão tema para outro dia.

1 de setembro de 2013

Citação fantástica (82)

It is not our part to master all the tides of the world, but to do what is in us for the succour of those years wherein we are set, uprooting the evil in the fields that we know, so that those who live after may have clean earth to till. What weather they shall have is not ours to rule.

J. R. R. Tolkien, The Lord of the Rings: The Return of the King (1955)