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27 de agosto de 2014

Dungeons & Dragons, parte 1: Tempestade perfeita

Um ano antes de a primeira parte da trilogia The Lord of the Rings, The Fellowship of the Ring, estabelecer uma fasquia praticamente impossível de superar pela fantasia épica cinematográfica (e pelas adaptações da fantasia literária, já agora), houve um outro filme, um tanto ou quanto obscuro, que se encarregou de resumir em 107 minutos todos os disparates que o género conheceu na suas várias aparições no grande ecrã. Para os mais distraídos, esse filme foi Dungeons & Dragons, uma aventura de fantasia baseada de forma muito vaga naquele que será porventura o mais célebre de todos os jogos de personagens de pen & paper. O estrago que o filme terá feito em futuras adaptações dos universos ficcionais de outros jogos será talvez difícil de estimar*, mas não terá decerto feito quaisquer favores tanto aos jogadores de D&D como a quem apenas conhecia o jogo pela sua presença algo fugaz na cultura popular, que há catorze anos não se encontrava dominada pela cultura geek

Isto porque, para todos os efeitos - e não há mesmo outra forma de dizê-lo -, Dungeons & Dragons é um daqueles raros filmes que se revela a tempestade perfeita, no qual um espectador com um módico de seriedade não consegue vislumbrar, por um segundo que seja, algo acertado. Não há um elemento razoável no filme - algo capaz de redimir a empreitada e de mitigar, por pouco que seja, o desastre. Nada disso: o despiste começa no curto prólogo com a mais genérica das narrações a introduzir o sistema de classes do mundo (Izmir, um nome igualmente genérico), e prolonga-se num choque em cadeia de proporções épicas até ao final insosso e previsível desde o primeiro momento.


Dizer que o worldbuilding de Dungeons & Dragons é preguiçoso é um insulto ao pecado mortal: todo o enredo parece levantado directamente de algum manual do género Fantasy for Dummies com uns pozinhos de ideais de uma Revolução Francesa de quinta categoria: Izmir vive dividido entre os privilegiados Feiticeiros, que detém o poder, e o povo ignorante, semi-escravizado (o papel de outras raças, como os elfos e os anões - cada uma com o seu token character - ou todas as outras que aparecem numa cena decalcada da cantina de Mos Eisley em versão franciscana-fantástica, esse, permanece um mistério). A Imperatriz, jovem e ingénua, quer libertar o povo oprimido; o feiticeiro mau quer manter o status quo; e dois ladrões improváveis vão aliar-se a uma feiticeira novata (e a uma elfa e a um anão que, enfim, importam tão pouco que se desaparecessem a sua ausência não seria notada) para, como é evidente, resolver a embrulhada. 


Pelo meio há dragões - que aparentemente podem ser controlados pela imperatriz, e que o feiticeiro mau quer controlar (claro), mas que ninguém sabe muito bem de onde vêm, para onde vão, e que impacto têm naquele mundo. E há masmorras, como não podia deixar de ser - o título do filme, afinal, só será publicidade enganosa para os mais distraídos. Há longas sequências de masmorras tão decalcadas de Indiana Jones que o espectador que assista ao filme no conforto da sua sala quase se sentirá tentado a trocar o DVD pelo de Raiders of the Lost Ark (ou mesmo a interromper o filme para ir jogar Tomb Raider na consola mais próxima), com todas as armadilhas obrigatórias e mais algumas, sempre desinspiradas.


A transportar tudo isto está um elenco onde em circunstâncias normais se encontraria talento - quanto mais não seja em Jeremy Irons e em Thora Birch. Mas, convém lembrar, estamos em Dungeons & Dragons: a direcção de actores é inexistente (ou está embriagada), e os actores, decerto com o cheque nos bolsos e bem cientes da pobreza do guião, optaram ou por não se empenhar de todo (Birch) ou por se empenhar em demasia (Irons). A Imperatriz Savina de Birch é o aborrecimento em pessoa, sempre monocórdica e enjoada; e o Profion de Irons é tão over the top que se revela praticamente indescritível - o seu desempenho assume quase a forma de uma performance. Pelo meio, os dois protagonistas (Justin Whalin e Marlon Wayans) surgem estereotipados e com deixas terríveis (com o Snails de Wayans a ser irritante ao extremo na sua imitação rasca da personagem de Chris Tucker em The Fifth Element), a feiticeira Marina de Zoe McLellan revela-se uma Hermione Granger que não vai além do "Satisfaz Menos" e o Damodar de Bruce Payne, o capataz de Profion, está sempre empenhado em conquistar o prémio de vilão mais incompetente da fantasia cinematográfica. 


A banda sonora genérica, a fotografia indigente e os efeitos especiais terríveis (sobretudo para um filme cuja estreia saiu "encaixada" entre portentos visuais como The Matrix e The Lord of the Rings) são os últimos pregos num autêntico caixão de contraplacado - e tornam o orçamento de 45 milhões de dólares num enigma absoluto. E é isto, Dungeons & Dragons - a transposição para o grande ecrã de um dos mais fascinantes e duradouros jogos de fantasia alguma vez criados, num filme a todos os níveis terrível. Mau guião, mau enredo, maus diálogos, más personagens, mau universo ficcional, maus efeitos especiais, má música - nada ali é salvável. Não merece avaliação nem pelo esforço - pois este, convenhamos, foi inexistente. 02/10

Dungeons & Dragons (2000)
Realizado por Courtney Solomon
Guião de Topper Lillien e Carroll Cartwright
Com Jeremy Irons, Thora Birch, Bruce Payne, Justin Whalin, Marlon Wayans, Zoe McLellan e Robert Miano
107 minutos


* Estará longe de ser uma extrapolação pacífica, mas talvez mereça o risco: só nos últimos dois anos - catorze anos depois de Dungeons & Dragons - os projectos de realizar filmes sobre os universos ficcionais de jogos de grande popularidade como Warcraft e Magic: the Gathering começaram a ser de facto desenvolvidos. É claro que a causalidade é improvável ao ponto da inverosimilhança, mas ainda assim: apesar de Magic estar hoje no pico da sua popularidade, os anos de ouro de Warcraft, esses, são hoje uma memória. 

26 de agosto de 2014

Dungeons & Dragons, parte 2: Comédia acidental

Numa época em que o SyFy Channel fez do camp o seu sustento e elevou para o estatuto de culto todo um conjunto de filmes-catástrofe (em ambos os sentidos) que, para todos os efeitos, são ficção científica televisiva de Série F ou algo que lhe valha, fará algum sentido repescar Dungeons & Dragons e analisá-lo a partir de outro ponto de vista. O fenómeno, aliás, é já antigo, e antecede o próprio Ed Wood, mestre na arte: os tais filmes que, de tão maus que são em todos os aspectos que se possam conceber, se tornam em objectos fascinantes e irresistíveis. Como quem abranda para assistir ao resultado do desastre na auto-estrada. Neste campo, e no que à fantasia cinematográfica diz respeito (um género onde as obras-primas nunca foram abundantes), será talvez difícil encontrar rival para o Dungeons & Dragons do contrariado Courtney Solomon: por mais interessante que seja o exercício de fazer algo propositadamente mau, conceber tamanho desastre por acaso é um facto tão extraordinário que acaba por ter mérito.

Invertamos, portanto, a escala: à luz dos filmes-tão-maus-que-se-tornam-clássicos, Dungeons & Dragons é um portento - um cocktail improvável e explosivo de tudo o que um filme pode ter de mau elevado à décima potência. Mas que acaba por se revelar num caso interessantíssimo de comédia acidental pelo empenho do seu elenco, apostado em disparatar tanto quanto possível. Para quem não acreditar, aqui fica a "prova A":



Descontemos os efeitos especiais miseráveis que animam o dragão: nesta curta cena, logo nos primeiros minutos do filme, vemos Jeremy Irons no seu mais perfeito modo ham & cheese: descrever o seu desempenho como exagerado passa por eufemismo. Mas é mesmo isso que torna o seu Profion num vilão tão memorável: até a sua gargalhada maléfica, derradeira imagem de marca de qualquer vilão que se preze, surge numa caricatura tal que Bruce Payne, ao seu lado, mal consegue conter o riso. O registo mantém-se constante ao longo dos 107 minutos do filme: caricato, disparatado e irresistível. Em suma, e aludindo às palavras do próprio: o inverso daquilo que Alec Guiness fez em Star Wars em termos de gravitas, mas de uma forma incomparavelmente mais divertida.


O resto do elenco não ajuda, note-se: a apatia de Thora Birch no papel de Imperatriz Savina e a estranheza dede Bruce Payne como Damodar (é um desempenho difícil de descrever por ser ao mesmo tempo tão morto e tão exagerado) acabam por reforçar a veia cómica e over the top de Profion. O que se nota especialmente quando entram em cena os comic reliefs do filme: Snails (Marlon Wayans) e o anão Elwood (Lee Arenberg) esforçam-se nos seus gags e nas suas imitações grosseiras, mas nunca conseguem alcançar o patamar cómico do vilão. Convenhamos, porém, que em momento algum o guião ajudou: para além dos diálogos pedestres e dos clichés martelados, ainda produziu momentos tão bizarros que só podem funcionar como comédia.


Quando juntamos a este caldo efeitos especiais mais fracos que os de qualquer produção televisiva de orçamento médio (daquela época) e um mundo ficcional construído às três pancadas e sem qualquer vislumbre de substância e de complexidade, o resultado  só pode ser um desastre - mas um desastre tornado hilariante pelo ridículo das suas situações e pelo exagero das suas persoangens. Levado a sério, Dungeons & Dragons é um fracasso inapelável; mas se encarado com humor, revela-se numa das mais inspiradas comédias acidentais da memória recente, um clássico camp que quase podemos descrever como o The Room da fantasia cinematográfica. Que o tenha feito com o título de uma das mais importantes marcas registadas do género acaba por tornar tudo ainda mais surreal. -09/-10

Dungeons & Dragons (2000)
Realizado por Courtney Solomon
Guião de Topper Lillien e Carroll Cartwright
Com Jeremy Irons, Thora Birch, Bruce Payne, Justin Whalin, Marlon Wayans, Zoe McLellan e Robert Miano
107 minutos

28 de março de 2014

This happening world (8)

Have Severed Robot Head, Will Travel: com um título humorístico e alusivo a um clássico de Robert A. Heinlein, Ryan Britt expõe no Tor.com cinco possibilidades para a (inevitável) sequela de Prometheus funcionar. São cinco ideias interessantes, ainda que um tanto ou quanto rebuscadas em alguns casos - nenhuma, porém, parece tão boa como imaginar Ridley Scott deixar este projecto de lado e dedicar-se finalmente à adaptação cinematográfica de The Forever War com um grupo de argumentistas com talento. 

Christopher Nolan revelou alguns detalhes sobre o seu próximo filme de ficção científica, Interstellar. O projecto, que conta com Matthew McConaughey como protagonista e que tem por base as teorias científicas de Kip Thorne, continua envolto em mistério, e Nolan não adiantou muitos pormenores; merece destaque, ainda assim, a sua preferência pela construção de cenários sempre que possível, em contraponto à opção cada vez mais fácil (e generalizada) das computer-generated images. Em Novembro, veremos quão realista será o interior da nave. (via io9)

How we won the war on Dungeons & Dragons: Annalee Newitz, do io9, evoca as dificuldades de afirmação do jogo de role-play clássico Dungeons & Dragons, numa época - não tão distante quanto isso - em que, nos Estados Unidos, grupos de pais mais conservadores consideravam o jogo como obra do Diabo. Literalmente. 

Great Unsung Science Fiction Writers That Everybody Should Read: mais um artigo do io9, desta vez pela pena de Charlie Jane Anders. Não me fica muito por dizer: o artigo dá destaque a John Brunner (como se pode ver pela epígrafe, se este blogue tivesse um santo padroeiro, seria Brunner), e nos comentários alguém chamou a atenção para o esquecimento a que tem sido votado a muito subvalorizada obra de Joan D. Vinge. Não o diria melhor.

Fontes: Tor.com / io9