Numa época em que o SyFy Channel fez do camp o seu sustento e elevou para o estatuto de culto todo um conjunto de filmes-catástrofe (em ambos os sentidos) que, para todos os efeitos, são ficção científica televisiva de Série F ou algo que lhe valha, fará algum sentido repescar Dungeons & Dragons e analisá-lo a partir de outro ponto de vista. O fenómeno, aliás, é já antigo, e antecede o próprio Ed Wood, mestre na arte: os tais filmes que, de tão maus que são em todos os aspectos que se possam conceber, se tornam em objectos fascinantes e irresistíveis. Como quem abranda para assistir ao resultado do desastre na auto-estrada. Neste campo, e no que à fantasia cinematográfica diz respeito (um género onde as obras-primas nunca foram abundantes), será talvez difícil encontrar rival para o Dungeons & Dragons do contrariado Courtney Solomon: por mais interessante que seja o exercício de fazer algo propositadamente mau, conceber tamanho desastre por acaso é um facto tão extraordinário que acaba por ter mérito.
Invertamos, portanto, a escala: à luz dos filmes-tão-maus-que-se-tornam-clássicos, Dungeons & Dragons é um portento - um cocktail improvável e explosivo de tudo o que um filme pode ter de mau elevado à décima potência. Mas que acaba por se revelar num caso interessantíssimo de comédia acidental pelo empenho do seu elenco, apostado em disparatar tanto quanto possível. Para quem não acreditar, aqui fica a "prova A":
Descontemos os efeitos especiais miseráveis que animam o dragão: nesta curta cena, logo nos primeiros minutos do filme, vemos Jeremy Irons no seu mais perfeito modo ham & cheese: descrever o seu desempenho como exagerado passa por eufemismo. Mas é mesmo isso que torna o seu Profion num vilão tão memorável: até a sua gargalhada maléfica, derradeira imagem de marca de qualquer vilão que se preze, surge numa caricatura tal que Bruce Payne, ao seu lado, mal consegue conter o riso. O registo mantém-se constante ao longo dos 107 minutos do filme: caricato, disparatado e irresistível. Em suma, e aludindo às palavras do próprio: o inverso daquilo que Alec Guiness fez em Star Wars em termos de gravitas, mas de uma forma incomparavelmente mais divertida.
Quando juntamos a este caldo efeitos especiais mais fracos que os de qualquer produção televisiva de orçamento médio (daquela época) e um mundo ficcional construído às três pancadas e sem qualquer vislumbre de substância e de complexidade, o resultado só pode ser um desastre - mas um desastre tornado hilariante pelo ridículo das suas situações e pelo exagero das suas persoangens. Levado a sério, Dungeons & Dragons é um fracasso inapelável; mas se encarado com humor, revela-se numa das mais inspiradas comédias acidentais da memória recente, um clássico camp que quase podemos descrever como o The Room da fantasia cinematográfica. Que o tenha feito com o título de uma das mais importantes marcas registadas do género acaba por tornar tudo ainda mais surreal. -09/-10
Dungeons & Dragons (2000)
Realizado por Courtney Solomon
Guião de Topper Lillien e Carroll Cartwright
Com Jeremy Irons, Thora Birch, Bruce Payne, Justin Whalin, Marlon Wayans, Zoe McLellan e Robert Miano
107 minutos
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