18 de abril de 2014

A ficção curta de Philip K. Dick (4): Fair Game, The Hanging Stranger e The Golden Man

Fair Game é um conto de Philip K. Dick publicado em 1959 na revista If, apesar de ter sido escrito seis anos antes. É um texto curto mas muito intenso, todo ele atravessado pela paranóia que marca muita da sua ficção científica - e tem como protagonista o Professor Anthony Douglas, académico de topo na área da física nuclear e investigador num instituto situado numa pequena e remota cidade no Colorado. Douglas é um homem racional, confiante e despreocupado - até ao momento, naquele fim de dia fatídico, em que olha para a janela da sua sala de estar e vê um enorme olho a fitá-lo. O que se segue é uma odisseia vertiginosa em busca de uma explicação plausível para aquele fenómeno - e, na sua ausência, uma fuga desesperada de um inimigo que desconhece e que não consegue identificar, mas que sente sempre no seu encalço. Se todo o texto é um exemplo inspirado da paranóia angustiante que Philip K. Dick consegue imprimir às suas narrativas, já o final é um twist mais ou menos inesperado (há um spoiler que poderá ser discreto para quem não possuir um bom vocabulário em inglês), mas nem por isso inverosímil, e surpreendentemente cómico. 

Na mesma veia de Fair Game encontramos The Hanging Stranger, um conto de 1953 publicado na revista Science Fiction Adventures que começa com um mistério um tanto ou quanto perturbador: após ter passado o dia na cave a reforçar os alicerces da sua casa, Ed Loyce dirige-se para a baixa da cidade e depara-se com um corpo flagelado e enforcado num poste, em plena luz do dia. Mas o verdadeiro mistério não reside tanto na presença daquele corpo, mas na total indiferença de todos os transeuntes - como se fosse perfeitamente normal haver cadáveres pendurados em postes pelas ruas. Loyce vê a sua estranheza reflectida nas pessoas que conhece, e que não encontram nada de errado naquele quadro - apenas na reacção do protagonista. No desespero da sua fuga, Loyce acaba por descobrir o que se passa - mas o motivo para a presença daquele corpo só será revelada no final, numa reviravolta inspirada bem ao estilo de Philip K. Dick. The Hanging Stranger explora, com a devida vertigem, a ideia clássica de que todos à nossa volta fazem parte de uma conspiração tenebrosa; e leva o tema até às últimas consequências num epílogo magnífico.

Já The Golden Man é uma história sobre mutantes. Publicada em 1954 na revista If, esta novela situa-se num futuro pós-apocalíptico no qual começaram a surgir mutantes - que desde logo foram caçados e aniquilados por agências governamentais criadas para tal. A história começa de forma banal, numa vila da Bay Area, na Califórnia - com um vendedor ambulante forasteiro que não é bem quem aparenta, e uma quinta isolada que mantém um segredo há mais anos do que seria razoável. É difícil falar desta história sem revelar demasiado sobre algumas das suas passagens mais interessantes e surpreendentes - mas Philip K. Dick constrói aqui uma narrativa muito interessante, bem articulada nas suas várias passagens, com um protagonista fascinante, um elenco de personagens secundárias bastante sólidas e um final que, não contendo uma reviravolta como muitos outros contos seus, nem por isso deixa de se revelar bastante eficaz. The Golden Man já foi adaptado para o cinema, ainda que de forma tão livre que raramente mereça a referência nas listas da ficção de Philip K. Dick que passou da página escrita para o grande ecrã; o filme, intitulado Next, é de 2006, foi realizado por Lee Tamahori e conta com Nicholas Cage, Julianne Moore e Jessica Biel.

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