As últimas semanas têm sido invulgarmente ricas no que diz respeito a novidades na ficção científica audiovisual - leia-se televisão e cinema no contexto deste artigo. A mais interessante será talvez a adaptação da space opera literária Expanse, de James S. A. Corey (pseudónimo dos autores Daniel Abraham e Ty Franck), para televisão, pela mão do SyFy Channel - com o projecto a ser descrito como Game of Thrones in space. Uma adaptação promissora, sem dúvida - diz quem já leu que Leviathan Wakes, Caliban's War e Abbadon's Gate compõem uma excelente space opera moderna, e há uma falta crónica de naves espaciais na ficção científica televisiva contemporânea. É certo que o entusiasmo arrefece um pouco quando o SyFy Channel entra na equação - longe vão os tempos, afinal, em que o canal se dedicava a ficção científica de qualidade, e se revelava capaz de comissionar uma space opera genuinamente boa (falo das duas primeiras temporadas de Battlestar Galactica, claro). Daí para cá, a fasquia qualitativa do canal tem sido, passe o eufemismo, errática - como a grande aposta do ano passado, Defiance, pode atestar (um projecto com enorme potencial desperdiçado numa série que, não sendo má, raras vezes conseguiu elevar-se acima do razoável na primeira temporada).
Mas se a adaptação de Expanse se revela promissora, já os restantes projectos na calha parecem demasiado derivativos - e, diria mesmo, desnecessários. Também pela mão do SyFy Channel, o filme 12 Monkeys de Terry Gilliam será adaptado para uma série televisiva de doze episódios - ainda que na terminologia oficial, a adaptação seja a La Jetée, de Chris Marker. É difícil imaginar o que poderá uma série televisiva acrescentar à premissa que Marker trabalhou de forma tão invulgar como extraordinária, e que Gilliam reinventou no seu estilo inconfundível, naquele que foi um dos melhores filmes de ficção científica dos anos 90 - e para contar de novo a história do homem do futuro pós-apocalíptico enviado para o passado para descobrir o que aconteceu e morrer diante os seus olhos em criança, as duas versões que já existem são mais do que suficientes.
O mesmo se poderá dizer da adaptação para série de The Truman Show, desta vez pela Paramount. O filme escrito por Andrew Niccol e realizado por Peter Weir em 1998 tornou-se um clássico do género pela antecipação satírica que fez à evolução da indústria do entretenimento televisivo no novo milénio - e os desempenhos de Jim Carrey e Ed Harris elevaram de forma assinalável uma premissa extraordinária e muito bem construída. Numa época em que a televisão já se encontra rendida ao conceito de reality TV, recuperar a ideia metaficcional que animou The Truman Show será similar a chover no molhado - a menos que se encontre uma forma original e, acima de tudo, pertinente de o fazer.
Aqui chegados, o que dizer do projecto da Universal de fazer um remake em filme a Battlestar Galactica? A série original de Glen A. Larson, de 1978, já foi reinventada por Ronald D. Moore em 2004 - e actualizada para o seu tempo, reflectindo o clima da war on terror de do antagonismo cultural que emergiu do 11 de Setembro. Mas todo esse contexto, ainda que recente e não completamente desactualizado, já foi explorado - tal como o tema da oposição entre Humanidade e Inteligência Artificial, mesmo num contexto de space opera. No vasto legado da ficção científica literária - em romance ou nas várias formas de ficção curta - decerto se poderiam encontrar histórias de viagens no tempo, distopias mediáticas e space operas passíveis de serem adaptadas para televisão (ou mesmo para o cinema, ainda que aqui o panorama não seja tão desolador - como se pode ver pelas estreias previstas para os próximos meses), sem ser necessário recorrer a premissas e narrativas que todos já vimos várias vezes. Enfim, poderia ser pior - considerando o que se passa (ou o que não passa) na televisão dos dias que correm, ficção científica derivativa acaba por ser melhor do que nenhuma ficção científica. Mas não deixa de ser de lamentar que, destes quatro projectos, apenas um se proponha a fazer uma adaptação nova e com um módico de originalidade, com potencial para trazer algo de novo à ficção científica audiovisual (se o fará ou não é outra conversa).
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