22 de abril de 2014

The Hitchhiker's Guide to the Galaxy: Humor à deriva

Poucas obras de ficção científica alcançaram a popularidade de The Hitchhiker's Guide to the Galaxy, o primeiro volume da "trilogia de cinco" de Douglas Adams que começou por ser uma novela radiofónica ainda nos anos 70 e que desde então já conheceu adaptações para praticamente todos os formatos imagináveis, da banda desenhada aos videojogos. Um dos raros exemplos (bem sucedidos, pelo menos) de comédia pura dentro do género, que utiliza com mestria as suas convenções numa narrativa non-sense próxima do estilo que os Monty Python celebrizaram na comédia britânica  - não por acaso, Adams colaborou com a trupe em vários sketches. Em 2005, Garth Jennings adaptou este clássico ao cinema, numa produção com um orçamento assinalável e um argumento escrito por Karey Kirkpatrick e pelo próprio Adams, antes da sua morte prematura em 2001. Mas o resultado, esse, foi um filme tépido, mesmo que divertido a espaços.

Para todos os efeitos, The Hitchhiker's Guide to the Galaxy segue os mesmos plot points que o romance (menos a magnífica introdução, claro - aqui compensada pela explicação para a fuga dos golfinhos e pelo número musical imaginativo do género, intitulado So Long, and Thanks for All the Fish). Numa bela manhã, Arthur Dent (Martin Freeman) acorda com uma equipa de demolição à sua porta - a sua casa está prestes a ser demolida para que se possa construir um acesso à auto-estrada. O que Dent está longe de imaginar é que o seu problema burocrático é, à sua escala doméstica, idêntico a um problema que a Terra está prestes a enfrentar: o planeta está prestes a ser demolido por uma frota de construção Vogon para que se construa um acesso ao hiperespaço.


Dent é salvo pelo seu melhor amigo, o excêntrico Ford Prefect - que não é um ser humano, mas um alienígena de um planeta nos arredores de Betelgeuse, que se encontra na Terra em trabalho para o Hitchhiker's Guide to the Galaxy, uma espécie de guia interactivo para quem quer viajar pela Via Láctea... à boleia. Momentos antes da destruição da Terra, Ford consegue embarcá-los na frota Vogon - e, a partir daí, embarcam numa aventura que os levará a uma nave espacial movida a improbabilidades e a um planeta saído dos mitos galácticos.


Os leitores mais familiarizados reconhecerão com facilidade os vários momentos altos da narrativa, como o roubo da Heart of Gold, o resgate de Dent e Prefect, a história da derradeira pergunta sobre a vida, o universo e tudo o resto, a expedição a Magrathea e todas as revelações que lá têm lugar. Nem faltam outros pequenos momentos que tantas gargalhadas proporcionam na leitura, como a passagem do cachalote na alta atmosfera (e do vaso de petúnias), o detalhe das portas da nave, e, claro, o célebre momento da poesia Vogon. 


E há muito mérito na reconstrução destas cenas - nos cenários, nos efeitos especiais bastante sólidos, nos Vogons extraordinários construídos pelo Jim Henson Creature Shop, e sobretudo no elenco. Martin Freeman está perfeito no papel de Athur Dent, dando credibilidade ao seu constante espanto para com tudo o que o rodeia naquele universo louco, e Zooey Deschanel encarnou na perfeição no papel de Trillian. Sam Rockwell dá uma boa dose de loucura a Zaphod Beeblebrox, num desempenho deliciosamente over the top. E a voz de Alan Rickman é perfeita em Marvin, o andróide depressivo - o seu enfado constante é quase palpável, e rouba cada cena em que se faz sentir. Mesmo os cameos são óptimos, com o hilariante momento de John Malkovich a merecer destaque.


Infelizmente, todas as virtudes dos seus vários elementos não fazem de The Hitchhiker's Guide to the Galaxy o filme que poderia ter sido - e isso deve-se em larga medida a um guião muito limitado, mais preocupado em reproduzir com a fidelidade possível os vários momentos marcantes do livro do que em criar uma narrativa própria para o seu formato. O resultado é uma sucessão de vinhetas, desenvolvidas de forma mais ou menos competente, mas com um ritmo estilhaçado. Os actores fazem o que podem, mas a verdade é que as suas personagens não têm muito espaço para brilhar - as estrelas do filme não são as personagens, mas as piadas, e essas nem sempre passam bem da página escrita para o grande ecrã.


É possível que quem não tenha lido o livro encontre nesta adaptação de The Hitchhiker's Guide to the Galaxy um filme bastante divertido - algumas piadas funcionam bastante bem, e Martin Freeman e Zooey Deschanel revelam-se, dentro das limitações que o argumento lhes impõe, excelentes protagonistas. O problema reside precisamente no argumento - fragmentado na sua colagem excessiva ao livro no qual se baseia, e incapaz de transportar para o cinema a história clássica de Douglas Adams em todo o seu non-sense cómico. Para os fãs do livro, haverá decerto o prazer de identificar alguns dos seus momentos mais célebres no filme - mas no final, isso acabará por saber a pouco. 6.0/10

The Hitchhiker's Guide to the Galaxy (2005)
Realização de Garth Jennings
Argumento de Karey Kirkpatrick e Douglas Adams a partir do romance de Douglas Adams
Com Martin Freeman, Zooey Deschanel, Mos Def, Sam Rockwell, Alan Rickman, Warwick Davis, Stephen Fry, John Malkovich, Helen Mirren, Bill Nighy e Richard Griffiths
109 minutos

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