23 de outubro de 2014

Viagem a Andrómeda 2.0

Ainda em versão experimental, e desta vez no Tumblr. É ver aqui: Andrómeda [Mini].

5 de outubro de 2014

Fim de transmissão


O início do mês já lá vai, e é hora de actualizar o estado do Viagem a Andrómeda. A coisa resume-se numa frase curta: o interregno passa a permanente, e o blogue chega hoje ao seu fim oficial.

E este fim chega após 31 meses (dois anos e sete meses; Setembro último contou pouco) de actividade regular, um pouco frenética e, pelo menos até meados deste ano, muito divertida. Ou, se preferirmos: o fim chega após 1307 artigos que suscitaram mais de 142000 pageviews e 1307 comentários (cerca de metade são meus, em resposta, mas ainda assim). E 16 "seguidores", o que é notável sobretudo quando se tem em consideração que eu não faço a mais pequena ideia de como funciona isso de se "seguir" este blogue. 

Foi bom enquanto durou - em alguns períodos, foi essencial que mantivesse este espaço a funcionar -, mas para todos os efeitos a fórmula encontra-se esgotada, e manter o blogue ao mesmo ritmo começa a tornar-se mais cansativo do que divertido. Procurar notícias novas e escrever sobre elas nem sempre é fácil, e menos ainda quando começo a senti-lo como uma obrigação, ainda que somente para comigo mesmo. O meu ritmo de leituras, bem mais baixo do que aquele que tinha quando este blogue começou em Fevereiro de 2012, está longe de permitir um novo artigo sobre um livro a cada semana, e já "gastei" todas as leituras que tinha "de reserva". Ainda que a grande maioria das minhas leituras se mantenha na ficção científica e na fantasia, também aprecio outros géneros e outros autores; a título de exemplo, tenho ali na estante um Salinger, um Mário de Carvalho e um Vergílio Ferreira a apanhar pó e a pedir leitura há anos, e creio ser chegado o momento de lhes ceder algum tempo. O mesmo pode ser dito sobre o artigo semanal de cinema, ainda que seja incomparavelmente mais fácil arranjar duas horas para ver um filme. Convenhamos: é um tanto ou quanto cansativo (e, hoje em dia, completamente impossível) ver um filme à pressa numa noite de Segunda-feira para escrever sobre ele durante a madrugada e ter o artigo pronto algures durante Terça-feira (as horas a que os artigos de Terça-feira foram publicados nos últimos meses espelham isto na perfeição). Fiz isso durante meses, mesmo quando apetecia antes ver outra coisa qualquer - ou não ver o que quer que fosse. 

Ao fim de tanto tempo, torna-se algo desgastante ter dois hobbies - ler e ver filmes - completamente subordinados a um terceiro - manter este blogue. 

É certo: nada me obriga a manter os artigos de Terça-feira e de Sexta-feira, como nada me obriga a escrever artigos novos todos os dias excepto aos Sábados. Podia perfeitamente tornar o Viagem a Andrómeda num blogue irregular (era a ideia original, afinal de contas), e mantê-lo ao sabor do meu tempo livre e da minha disposição. Mas não seria a mesma coisa para os leitores e, acima de tudo, não seria a mesma coisa para mim. Para o bem ou para o mal, o blogue evoluiu num determinado sentido; mudar de direcção agora, sobretudo para pior, deixaria sempre um sabor amargo. 

Um novo (e, dadas as circunstâncias, irrecusável) desafio profissional precipitou o resto: é tempo de terminar o Viagem a Andrómeda. 

Dito isto, importa dizer mais uma ou duas coisas (para além das inúmeras lições que estes pouco mais de dois anos e meio me ensinaram). A primeira, como não podia deixar de ser, é agradecer a todos os leitores, identificados ou anónimos, tanto aqueles que utilizaram as caixas de comentários e o correio electrónico como aqueles que se mantiveram em silêncio mas que continuaram a acompanhar o que por aqui ia escrevendo. Quando comecei o Viagem a Andrómeda, estava longe de imaginar que o blogue fosse ter tantos leitores, e é com muita satisfação que olho para as estatísticas deste blogue. Obrigado a todos, portanto.

A segunda coisa que importa dizer é que não tenciono ausentar-me da blogosfera - e, mais especificamente, da blogosfera dedicada à ficção científica e à fantasia - por muito tempo. Tenho vindo a cozinhar um novo projecto, que por sinal nasce de uma ideia que emergiu neste blogue; algo que possa ter um módico de regularidade sem ser demasiado exigente, e que me proporcione uma maior flexibilidade no tipo de artigos que escrevo ou que menciono. Por enquanto, a coisa mantém-se no plano conceptual; ainda não tenho todos os moldes do projecto definidos, e nem sei se continuarei a utilizar o Blogger ou se optarei por outra plataforma (o Tumblr parece-me apelativo, ainda que o sistema de comentários não me pareça muito intuitivo). Assim que as minhas rotinas pessoais voltem a assumir uma forma mais concreta, dedicarei algum tempo a isto. Que é como quem diz: lá para finais de Outubro ou inícios de Novembro devo ter algumas novidades, e talvez ainda faça uma chamada aqui.

Até lá, deixo o meu muito obrigado e um até breve. 

6 de setembro de 2014

Interregno


O Viagem a Andrómeda entra hoje num hiato por tempo indeterminado - o que tanto se pode traduzir por "retomará a programação habitual em Outubro" ou "termina aqui a sua transmissão" (passe a expressão, entenda-se). No início do mês que vem haverá mais novidades, independentemente da opção.

4 de setembro de 2014

This happening world (22)

Recuperando uma notícia já antiga: depois de ter demonstrado interesse no projecto, o SyFy Channel confirmou a produção da adaptação de Childhood's End, de Arthur C. Clarke, para uma mini-série televisiva de seis episódios, com estreia prevista para o próximo ano. A adaptação está entregue a Matthew Graham, o criador das séries Life on Mars e Ashes to Ashes, com o realizador Nick Hurran (Sherlock e Dr. Who) a estar a cargo do episódio piloto. É certo  que o facto de o projecto pertencer ao SyFy Channel obriga a uma certa dose de cepticismo - afinal, nos últimos anos o canal tem apostado nos seus filmes de série B(menos) do que na ficção científica de qualidade. Ainda assim, trata-se de Childhood's End - um clássico absoluto da ficção científica literária com mais de 60 anos, que ainda hoje se revela notável pelo seu alcance conceptual e pela sua trama emotiva. 

Can Automata's rise of the robots bring science fiction to life? A pergunta é de Ben Child no The Guardian, mas o título é enganador: a verdadeira pergunta é can Automata (...) finally deliver an intelligent robot movie? Diz quem já viu que Robot and Frank fez isso mesmo, e até ver não terei motivos para não acreditar; mas a verdade é que tudo em Automata me pareceu demasiado familiar para causar um entusiasmo genuíno. Enfim, é esperar para ver. 

E a propósito de robots (de cyborgs, se quisermos ser rigorosos): Margot Robbie (The Wolf of Wall Street) poderá ser a protagonista da adaptação live action de Ghost in the Shell, que está a ser produzida pela Dreamworks (com realização de Rupert Sanders, cujo currículo como realizador de longas-metragens inclui apenas... Snow White and the Huntsman). O que equivale a dizer: Margot Robbie irá interpretar o papel da icónica Major Motoko Kusanagi. Whitewashing à parte, a notícia tem relevo sobretudo por confirmar que o projecto live action de Ghost in the Shell não conheceu a mesma sorte que o de Akira, afortunadamente perdido no development hell de Hollywood - a readaptação vai mesmo avançar. Uma vez mais: considerando que o (excelente) filme de Mamoru Oshii, para além de ser uma obra-prima, permanece actual e pertinente, é difícil pensar em projecto mais desnecessário entre a mais recente fornada de remakes estreados e anunciados. 

Mas nem tudo são más notícias no que a remakes diz respeito: a Capcom encontra-se a adaptar para a geração actual de consolas (e para PC) a versão remasterizada do clássico Resident Evil, que à época foi desenvolvida apenas para a consola GameCube. Para quem, como eu, nunca teve a oportunidade de jogar o original na primeira Playstation e viu o remake (mais a prequela Resident Evil 0) ficar bloqueada pela exclusividade obtida pela Nintendo para a GameCube, isto só pode ser uma excelente notícia - mesmo que chegue com mais de uma década de atraso. 

Fontes: io9 / The GuardianPolygon

3 de setembro de 2014

Khans of Tarkir: Clãs, planeswalkers e dragões

Depois do anúncio sobre as mudanças profundas na estrutura das colecções (e do impacto em alguns formatos de jogo), Magic: the Gathering entrou oficialmente na temporada de spoilers da nova colecção, Khans of Tarkir - com lançamento marcado para o último fim-de-semana de Setembro. A PAX Seattle (convenção de videojogos organizada pela Penny Arcade) serviu de palco para vários anúncios, entre os quais se contam a reimpressão das fetchlands originais de Onslaught. Mas o mais interessante - pelo menos, na perspectiva habitual do Andrómeda - foi o painel sobre a narrativa e o worldbuilding em Khans of Tarkir, que contou com a presença do designer e escritor Doug Beyer. E que abriu com o trailer oficial:


Seguiu-se a apresentação mais pormenorizada dos cinco clãs de Tarkir, com a filosofia subjacente a cada uma das facções e com alguns dados muito interessantes sobre a trama particular deste novo bloco, e sobre o seu enquadramento na narrativa mais vasta de Magic. Já se sabe há algumas semanas que, na sua totalidade, a história do bloco completo de Khans (Khans, Fate Reforged e a terceira colecção, com o título ainda por anunciar) terá um tema de viagens no tempo - porventura uma regressão temporal para um momento que anteceda a morte do dragão-planeswalker Ugin (finalmente confirmada), que em tempos idos ajudou Sorin Markov e um outro planeswalker nunca nomeado a selar os horrores cósmicos conhecidos como Eldrazi numa tumba no mundo verdejante de Zendikar. O mote para a trama é dado por Sarkhan Vol, planeswalker introduzido em Shards of Alara (2008), que regressa ao seu plano-natal depois da desilusão do encontro com o Elder Dragon Nicol Bolas e dos acontecimentos em Zendikar que resultaram na libertação dos Eldrazi. Na sua peugada segue Sorin Markov, que procura algumas respostas sobre o destino de Ugin - e que as irá encontrar na paisagem devastada de Tarkir, um mundo devastado por uma guerra permanente onde os dragões foram extintos há muito tempo.

Resta saber em que moldes irá ter lugar a regressão temporal anunciada, e que impacto irá ter em algumas das várias tramas em curso no Multiverso de Magic - para tal teremos de aguardar até finais de Janeiro. Para já, tudo o que se sabe sobre esta nova colecção começa a agora a ser reunido no Planeswalker's Guide to Khans of Tarkir.

Fonte: Daily MTG

2 de setembro de 2014

Frederik Pohl (1919 - 2013)

Há um ano, com a morte de Frederik Pohl aos 93 anos de idade a ficção científica literária perdeu um dos seus mais relevantes vultos. Ao longo das sete décadas que a sua carreira atravessou no género, Pohl fez praticamente tudo aquilo que é possível fazer. Começou com uma relevante actividade de fã ainda durante a "Golden Age", tendo fundado o grupo nova-iorquino conhecido como "Futurians" (juntamente com Isaac Asimov, Damon Knight, Judith Merrill, Virginia Kidd, James Blish e Cyril M. Kornbluth, entre outros). Foi editor de revistas pulp, publicou crítica, foi agente literário - e, de caminho, ainda deixou como legado alguns clássicos da ficção científica. Em The Space Merchants, escrito a meias com Kornbluth, desenvolveu uma sátira publicitária em tons de distopia; em Gateway, dá início ao universo ficcional Heechee com um romance fascinante, vencedor dos principais galardões do género (Hugo, Nebula, Locus). A sua bibliografia inclui ainda obras como Man Plus e Jem, e as suas colaborações literárias não ficaram limitadas ao seu amigo Kornbluth: também escreveu romances a meias com Jack Williamson e Arthur C. Clarke. The Way the Future Blogs, o seu blogue pessoal, foi actualizado com regularidade até às vésperas da sua morte - e em 2010 valeu-lhe mesmo um prémio Hugo na categoria de "Best Fan Writer". 

Lucy: Transcendência acidental

Todos nós já sabemos que a velha ideia de que os seres humanos apenas utilizam dez por cento da sua capacidade cerebral não passa de um mito pseudo-científico - o que certamente não fará quaisquer favores à premissa de Lucy, o novo thriller de ficção científica do francês Luc Besson, que procura explorar a transcendência humana (é um dos temas em voga neste ano) e outras questões filosóficas sobre a Humanidade, a vida e o universo a partir daquela ideia. É certo: ouvi-la pela primeira vez revela-se um tanto ou quanto estranho, mesmo quando o discurso vem de Morgan Freeman. Mas Luc Besson, desconhecendo ou simplesmente não se importando com a debilidade do conceito central, pede ao espectador que faça o mesmo, e que o acompanhe numa viagem alucinante ao seu melhor estilo.

E a verdade é que quem o fizer - quem aceitar o filme e a sua premissa nos seus próprios termos - decerto encontrará pouco de que se queixar durante os 90 minutos que vão do início ao fim.

De forma muito sucinta (com pequenos spoilers), a trama acompanha Lucy (Scarlett Johansson), uma jovem norte-americana a viver em Taiwan que se vê envolvida no negócio de drogas de um gang sul-coerano a operar no território. O envolvimento dá-se por acidente - o seu namorado envolve-a contra a sua vontade ao fazê-a entregar uma pasta a um hotel, para um homem chamado Jang (Min-sik Choi), mas tudo corre pelo pior a partir do primeiro momento. 


Retida pela máfia sul-coreana, Lucy descobre que a pasta contém quatro pacotes de uma droga experimental designada como CPH4 - e vai acordar algum tempo depois com um desses pacotes alojado no abdómen, pronta para ser enviada para a Europa com três outros "correios". Mas quando um dos subalternos de Jang a agride, o pacote que transporta rompe-se e a droga começa a ser absorvida pelo seu corpo. E, nesse momento, tudo muda.


A absorção da CPH4 começa a desbloquear as capacidades do seu corpo e do seu cérebro, expandindo a sua percepção para níveis inimagináveis e dando-lhe total controlo sobre a sua memória, o seu metabolismo e sobre tudo o que a rodeia - com capacidades telepáticas e telecinéticas incluídas. Procurando descobrir o que se passa consigo, Lucy vai contactar o professor Norman (Morgan Freeman), cuja investigação na área cerebral poderá talvez ajudá-la a resolver a sua situação. E contacta ainda Pierre del Rio, um capitão da polícia francesa, para que ele o ajude a recuperar os outros três pacotes de CPH4, com o objectivo levar a sua evolução acelerada até às últimas consequências - mesmo com Jang no seu encalço.


Se Lucy se consegue elevar acima das debilidades evidentes da sua premissa, isso deve-se em grande parte ao desempenho seguro e credível de Scarlett Johansson. Numa época em que Zoe Saldana parece apostada em reinvindicar o título de rainha dos blockbusters de ficção científica, Johansson vai mostrando, através de uma sequência de desempenhos notáveis, por que motivo o seu rosto é é hoje em dia um dos mais visíveis e talentosos que o género tem no grande ecrã (é acompanhar a passagem da talentosa Natasha Romanoff do Marvel Cinematic Universe para a não-humana de Under the Skin, até à frágil Lucy, capaz de transcender a sua humanidade por acidente). A transição de faz da Lucy desorientada e assustada do primeiro acto para uma Lucy sobre-humana e cada vez mais distante é soberba, e Johansson transposta todo o filme com facilidade e charme mesmo nos momentos que mais esticam a suspensão da descrença.


E se a presença e o desempenho de Johansson dão credibilidade à trama, a realização segura e cinética de Besson dão a todo o filme uma energia muito própria, tanto pelo ritmo que imprime às inevitáveis sequências de acção como pelas opções pouco convencionais que emprega para contar a sua história e sublinhar alguns momentos. A trama do primeiro acto, por exemplo, surge encaixada de forma inusitada entre imagens de vida selvagem que parecem retiradas de documentários da National Geographic - todo o build-up com a cena das chitas a caçar é excepcional pela forma como destaca o carácter indefeso da Lucy original e como estabelece um paralelo invulgar entre a aula do professor Norman, na qual ele explica a evolução e o propósito da vida. A acção, quando surge, é explosiva - ao melhor estilo de Besson, de resto, com uma perseguição alucinada em Paris e várias sequências de combate violento que ora são levadas até ao final, ora são subvertidas pelos poderes de Lucy. 


É certo que, chegados ao final, será talvez impossível não reparar que Lucy tinha todos os elemementos necessários para ser um filme muito mais profundo, complexo e emotivo do que foi - mesmo mantendo a premissa frágil. O drama de alguém que consegue aceder às suas memórias mais profundas e que alcança a empatia absoluta é aludido em breves momentos (como no encontro de Lucy com a sua colega de casa, ou, naquela que será talvez a melhor cena do filme, quando telefona à mãe a partir do hospital), mas nunca levado às suas últimas consequências - e é bom de ver que seria um tema fascinante de explorar. A necessidade de contacto com alguém terreno e "normal", sublinhada por uma deixa fugaz de Lucy para del Rio, foi também uma possibilidade aludida, mas descartada em prol talvez de alguma acção mais directa e visceral (convenhamos: a cruzada de Jang acaba por ser mesmo o ponto mais fraco do filme, por mais bem montada que esta - e está - a acção). Há na odisseia pessoal de Lucy vários elementos que permitiriam a Besson construir um filme mais emotivo, mais trágico até, mas que nunca são devidamente aproveitados - surgem quase como memorados a indicar que a ideia está lá, mas que o ponto não é esse.


A pergunta acaba por se impor: qual é o ponto, afinal? A resposta surge logo no início, na palestra do professor Norman - e é essa visão do que é a vida que vai nortear alguém que está a transcender tudo o que entendemos por vida. Feitas as contas, a resolução acaba por sair talvez demasiado críptica, algo perdida entre o frenesim da acção e as alusões que Besson coloca ao longo da trama, ciente das convenções e das ideias do género em que situa o seu filme (2001 é revisitado aqui várias vezes, nem sempre de forma óbvia; e está longe de ser o único), e as várias pistas que deixa para possibilidades alternativas acabam por se revelar algo frustrantes por nunca serem concretizadas em pleno. Ao longo dos seus quase 90 minutos, porém, Lucy não deixa muito espaço para reflectir sobre tais possibilidades - entre o drama da protagonista, a acção enérgica e as imagens evocativas que Besson conjura, o filme revela-se intenso e divertido, e o encantamento (para quem, lá está, consegue aceitar as limitações da premissa) mantém-se sem esforço. 07/10

Lucy (2014)
Argumento e realização de Luc Besson
Com Scarlett Johansson, Morgan Freeman, Min-sik Choi e Amr Waked
89 minutos

1 de setembro de 2014

Aconteceu em Setembro:

(Artigo em actualização)

01 de Setembro:
  • 1875 - Nasceu Edgar Rice Burroughs, o autor que criou alguns dos mais célebres heróis de aventuras, como Tarzan, da série de histórias homónima, e John Carter de Marte, o protagonista da saga Barsoom, situada num Marte lendário. Pellucidar e Venus& são dois dos outros universos ficcionais deste autor prolífico e influente, inúmeras vezes homenageado na ficção científica. Burroughs faleceu a 19 de Março de 1950.
  • 1942 - Nasceu C. J. Cherryh (Carolyn Janice Cherry), autora norte-americana de ficção científica que se notabilizou pelos romances premiados Downbelow Station (1982) e Cyteen (1989). Na sua bibliografia encontram-se várias séries literárias de duração variável, como The Company Wars (iniciada em 1982 com Downbelow Station e continuada com Merchanter's Luck, Rimrunners, Heavy Time, Hellburner, Tripoint e Finity's End, este último de 1997), The Era of Rapprochement (que inclui Serpent's Reach, Forty Thousand in Gehenna, The Scapegoat, Cyteen e Regenesis, publicados entre 1980 e 2009) e os romances de The Chanur (The Pride of Chanur, Chanur's Venture, The Kif Strike Back, Chanur's Homecoming ;e Chanur's Legacy, publicados entre 1981 e 2007), entre muitas outras.

02 de Setembro:
  • 1973 - Faleceu John Ronald Reuel Tolkien, aos 81 anos de idade. Académico, escritor, ensaísta e tradutor britânico nascido na África do Sul, Tolkien tornou-se num dos mais relevantes filólogos do seu tempo, assim como um estudioso do inglês antigo e das sagas escandinavas. Mas foi como escritor que conquistou uma aclamação de escala mundial ao publicar primeiro The Hobbit, em 1937, e já nos anos 50 a trilogia The Lord of the Rings, que se tornaria no texto mais importante da fantasia épica literária. O mundo secundário da Terra Média foi alargado para uma escala ímpar em The Silmarillion, o magnum opus publicado a título póstumo pelo seu filho Christopher; na sua bilbiografia incluem-se ainda The Children of Húrin, também na Terra Média, e textos como The Legend of Sigurd and Gudrún, The Fall of Arthur e uma tradução do clássico Beowulf só este ano tornada pública. Tolkien nasceu a 03 de Janeiro de 1892. 
  • 2013 - Faleceu Frederik Pohl, autor, editor, crítico e fã de ficção científica, e uma das suas vozes mais relevantes na segunda metade do século XX. Na sua bibliografia merecem destaque a distopia The Space Merchants (1953), escrita com Cyril M. Kornbluth, e Gateway, o romance de 1977 que se tornou num clássico incontornável do género, tendo conquistado os prémios Hugo, Nébula e Locus. Como editor, notabilizou-se ao leme das revistas Galaxy e If, entre 1959 e 1969. Manteve ao longo de toda a sua vida uma actividade intensa e ininterrupta no fandom: em 2010 venceu mesmo o prémio Hugo na categoria de "Best Fan Writer" pelo seu blogue, The Way the Future Blogs. Frederik George Pohl, Jr. nasceu a 26 de Novembro de 1919. 
06 de Setembro:
  • 1950 - Faleceu Olaf Stapledon, filósofo britânico e autor de clássicos influentes da ficção científica literária como Last and First Man (1930), Star Maker (1937) e Sirius (1944), entre outros. Stapledon nasceu a 10 de Maio de 1866
  • 1972 - Nasceu China Miéville, autor britânico de fantasia e de horror frequentemente associado ao movimento New Weird. Na sua bibliografia incluem-se romances como Perdido Street Station (2000), Iron Council (2004), The City & the City (2009), Embassytown (2011) e Railsea (2012), entre outros.
10 de Setembro:
  • 1953 - Nasceu Pat Cadigan, autora norte-americana de ficção científica que, juntamente com Bruce Sterling e William Gibson (e outros), foi uma das pioneiras do movimento cyberpunk que nos anos 80 deu todo um novo fôlego ao género tanto em termos temáticos e filosóficos como em termos estéticos. Participou na antologia Mirrorshades (1986) com o conto Rock On; e da sua bilbiografia fazem parte títulos como Mindplayers (1987), Synners (1991) Fools (1992) e Tea From an Empty Cup (1998), entre outras peças de ficção curta. 
12 de Setembro:
  • 1921 - Nasceu Stanislaw Lem, filósofo, satirista e autor polaco de ficção científica. O tema da impossibilidade de comunicação entre civilizações humanas e alienígenas surge destacado na sua obra, em romances como The Man From Mars (o seu primeiro livro publicado, em 1946), Eden (1959), Fiasco  (1986) e, claro, Solaris, o clássico de 1961 que já conheceu três adaptações cinematográficas, das quais a mais conhecida (e aclamada) será a de Tarkovksi em 1972. Na sua bilbiografia merece ainda destaque The Futurological Congress, de 1971. Stanislaw Lem faleceu a 27 de Março de 2006.  
  • 1997 - Faleceu Judith Merril (Judith Josephine Grossman), autora e editora norte-americana de ficção científica que se notabilizou pela sua ficção curta, pelo romance Shadow on the Hearth (1950) e pelo seu trabalho como antologista, no qual merece destaque a organização da série de antologias The Year's Best Science Fiction and Fantasy entre 1956 e 1966. Judith Merril nasceu a 21 de Janeiro de 1923.
(continua)

31 de agosto de 2014

Citação fantástica (150)

What people want, mainly, is to be told by some plausible authority that what they are already doing is right. I don't know know of a quicker way to become unpopular than to disagree.

John Brunner, The Jagged Orbit (1969)

29 de agosto de 2014

Ghost in the Shell 1.5: Human-Error Processor: Policial cyberpunk

Em larga medida, a força de Ghost in the Shell de Shirow Masamune no contexto do cyberpunk reside na forma como o autor japonês optou por pegar nos temas mais clássicos do subgénero enquanto subverteu todas as suas convenções, afastando-se da perspectiva marginal que serve de ponto de vista a muitas das suas obras (Neuromancer, de William Gibson, vem à mente) para dar o protagonismo a uma equipa de forças públicas de segurança, e rejeitando as tramas de tom e estética neo-noir para explorar as possibilidades luminosas de um futuro hiper-tecnológico no qual as fronteiras entre natural e artificial e o humano e a máquina se começam a esbater de forma progressiva e irreversível. A graphic novel original, um autêntico tour de force filosófico, deu origem a um universo ficcional em várias continuidades distintas (quando não contraditórias) e em tons divergentes, mas sempre com uma fascinante problematização económica, política e social dos avanços tecnológicos. E na sua sequência surgiu, para além da segunda graphic novel - intitulada Ghost in the Shell 2.0 - Man-Machine Interface - um conjunto de histórias dispersas, em jeito de contos policiais, num formato próximo do "caso da semana" de muitas séries televisivas de investigação policial; e essas histórias foram compiladas em 2003 (no Japão; em 2007 nos Estados Unidos, pela Dark Horse Comics) num único volume intitulado Ghost in the Shell 1.5: Human-Error Processor.

Mais do que uma história (ou um conjunto de histórias) na continuidade do seu universo ficcional, Human-Error Processor funciona como uma mini-sequela à graphic novel original,  numa espécie de ponte narrativa entre os acontecimentos da história original e da sua sequela directa, Ghost in the Shell 2.0: Man-Machine Interface que mostra como continuou a equipa liderada por Aramaki após o desaparecimento da Major Motoko Kusanagi, a sua líder no terreno, após o estranho caso do "Puppeteer". Com um novo elemento (Azuma), a Secção 9 continua activa e a investigar casos de ciberterrorismo - e são alguns desses casos que os leitores podem encontrar nestas páginas, num formato episódico e num tom geral que alude a alguns episódios isolados das duas temporadas da série televisiva Stand Alone Complex

Em si, os casos revelam-se interessantes tanto pela investigação como pela forma como cada um acrescenta algo mais ao espantoso e complexo universo ficcional de Shirow Masamune - um futuro profundamente tecnológico com uma componente económica e geopolítica explorada ao mais intrincado pormenor nos jogos de interesses e nas conspirações que envolvem todos os acontecimentos que a Secção 9 vai investigar. Mas onde o autor se eleva é na forma como mostra o alcance, o impacto e as possibilidades da tecnologia que apresenta - da zombificação electrónica de Fat Cat à sofisticação de combate de Drive Slave, numa história que inclui uma breve aparição de Motoko que abre caminho para o seu protagonismo em Ghost in the Shell 2.0. A complementar a trama que vai tecendo na sua arte frenética e detalhada e na sua escrita enérgica, Shirow Masamune dá como bónus ao leitor toda uma série de comentários e de anotações nas margens das páginas e nos espaços entre vinhetas, aludindo a pormenores das armas e das tecnologias, explicando os motivos de alguns pormenores e lançando alguma luz sobre as suas decisões narrativas e artísticas - tornado este Human-Error Processor numa espécie de versão anotada que lhe permite entrar numa espécie de diálogo com o leitor, criando toda uma nova experiência de leitura.

É possível que Human-Error Processor não funcione bem como ponto de entrada no universo de Ghost in the Shell - toda a sua narrativa surge muito enquadrada no grande caso do "Puppeteer" que marcou a graphic novel original, e a caracterização várias personagens (dos semi-protagonistas Batou e Togusa aos elementos mais secundários da Secção 9 como Ishikawa e Borma) é feita na continuidade das histórias já contadas, partindo do princípio de que o leitor já se encontra familiarizado com elas. Mas para quem já tiver explorado o universo ficcional de Ghost in the Shell em algum dos seus vários formatos - banda desenhada, televisão ou cinema -, Human-Error Processor revela-se numa leitura complementar de grande interesse pela abordagem policial que faz a temas clássicos de cyberpunk e pelo humor que Shirow Masamune imprime em cada página, entre a imagem e o texto. Que o formato de leitura invertido (da direita para a esquerda) não sirva de desculpa aos leitores ocidentais, por estranho que possa ser no início: o esforço adicional será recompensado. Ghost in the Shell, afinal, não é um dos mais ilustres representantes do cyberpunk por acaso. 

Título: Ghost in the Shell: Human-Error Processor
Autor: Shirow Masamune
Tradução: Frederik L. Schoot
Editora: Dark Horse Comics
Ano: 2007 (2003 na edição japonesa original)
Formato: Paperback
Páginas: 176
Género: Ficção Científica / Cyberpunk

28 de agosto de 2014

This happening world (21)

Em meados de Agosto, surgiu na Wired uma discussão muito interessante em dois artigos antagónicos sobre uma das principais tendências da ficção científica contemporânea: a distopia. A discussão começou com o artigo de Michael Solana, que aponta: Obviously science fiction is not the cause of the current mess we’re in. But for their capacity to change the way people think and feel about technology, the stories we tell ourselves can save us—if we can just escape the cool veneer of our dystopian house of horrors. Dois dias mais tarde, Devon Maloney contrapôsDystopian fiction mimics what it actually feels like to be in the world, so if it ends up scaring people, well, that’s because the world is scary. A verdade, a haver uma verdade, andará decerto a meio caminho de ambas as teses; e se é certo que a distopia sempre fez parte da ficção científica (sendo mesmo um dos seus géneros mais conhecidos - e apreciados - fora das suas fronteiras tradicionais), nem por isso deixa de ser verdade que falta à ficção científica moderna o optimismo e a esperança das histórias de outros tempos. Star Trek, que Solana refere de passagem, é em si todo um programa: nos remakes modernos, até a célebre frase de abertura to boldly go where no man has gone before deu lugar ao enfadonho Into Darkness

No portal da Tor, Chris McCrudden expõe doze razões para ler (e adorar) a série Discworld de Terry Pratchett. São doze boas razões (a Granny Weatherwax será talvez a melhor personagem da fantasia contemporânea), ainda que me veja obrigado a discordar do ponto 3: The Colour of Magic até pode ser o mais genérico de todos os livros de Discworld, mas é também o ponto de partida de toda a série; como tal, qualquer leitor que queira realmente conhecer o extraordinário universo ficcional que Pratchett desenvolveu ao longo das últimas três décadas deverá começar aqui, na aventura original de Rincewind e Twoflower, e deixar-se levar. É verdade que praticamente* cada livro de Discworld pode servir de porta de entrada para a série, mas há algo de muito gratificante na leitura sequencial, acompanhando a maturação da prosa e do estilo de Pratchett, e desvendando algumas piadas que só fazem sentido se o leitor já estiver familiarizado com alguns elementos de livros anteriores, por mais laterais que possam ser. 

No io9Annalee Newitz pergunta se alguma vez assistiremos a um fenómeno de cultura popular equivalente a Star Wars. Diria que já assistimos a um fenómeno aproximado, ainda que tenha partido do meio literário: Harry Potter. Num artigo não relacionado no Boing BoingCaroline Siede deixa algumas pistas para explicar como a série de livros de J. K. Rowling ajudou a moldar uma geração inteira, tendo um impacto assinalável em miúdos e graúdos um pouco por todo o mundo. 

Trigger Warning: Short Fictions and Disturbances é o título da próxima colectânea de ficção curta de Neil Gaiman, com publicação prevista para o início de Fevereiro próximo. De acordo com o próprio Gaiman (via tumblr), ainda está a trabalhar no último conto da colecção. 

Fontes: WiredTor / io9 / Boing Boing 

* Há excepções. Sugerir The Light Fantastic como primeiro livro a ler é disparatado, já que este é uma sequela directa de The Colour of Magic. Da mesma forma, Lords and Ladies surge na sequência directa de Witches Abroad, e não será talvez a melhor leitura para entrar em Discworld

27 de agosto de 2014

Dungeons & Dragons, parte 1: Tempestade perfeita

Um ano antes de a primeira parte da trilogia The Lord of the Rings, The Fellowship of the Ring, estabelecer uma fasquia praticamente impossível de superar pela fantasia épica cinematográfica (e pelas adaptações da fantasia literária, já agora), houve um outro filme, um tanto ou quanto obscuro, que se encarregou de resumir em 107 minutos todos os disparates que o género conheceu na suas várias aparições no grande ecrã. Para os mais distraídos, esse filme foi Dungeons & Dragons, uma aventura de fantasia baseada de forma muito vaga naquele que será porventura o mais célebre de todos os jogos de personagens de pen & paper. O estrago que o filme terá feito em futuras adaptações dos universos ficcionais de outros jogos será talvez difícil de estimar*, mas não terá decerto feito quaisquer favores tanto aos jogadores de D&D como a quem apenas conhecia o jogo pela sua presença algo fugaz na cultura popular, que há catorze anos não se encontrava dominada pela cultura geek

Isto porque, para todos os efeitos - e não há mesmo outra forma de dizê-lo -, Dungeons & Dragons é um daqueles raros filmes que se revela a tempestade perfeita, no qual um espectador com um módico de seriedade não consegue vislumbrar, por um segundo que seja, algo acertado. Não há um elemento razoável no filme - algo capaz de redimir a empreitada e de mitigar, por pouco que seja, o desastre. Nada disso: o despiste começa no curto prólogo com a mais genérica das narrações a introduzir o sistema de classes do mundo (Izmir, um nome igualmente genérico), e prolonga-se num choque em cadeia de proporções épicas até ao final insosso e previsível desde o primeiro momento.


Dizer que o worldbuilding de Dungeons & Dragons é preguiçoso é um insulto ao pecado mortal: todo o enredo parece levantado directamente de algum manual do género Fantasy for Dummies com uns pozinhos de ideais de uma Revolução Francesa de quinta categoria: Izmir vive dividido entre os privilegiados Feiticeiros, que detém o poder, e o povo ignorante, semi-escravizado (o papel de outras raças, como os elfos e os anões - cada uma com o seu token character - ou todas as outras que aparecem numa cena decalcada da cantina de Mos Eisley em versão franciscana-fantástica, esse, permanece um mistério). A Imperatriz, jovem e ingénua, quer libertar o povo oprimido; o feiticeiro mau quer manter o status quo; e dois ladrões improváveis vão aliar-se a uma feiticeira novata (e a uma elfa e a um anão que, enfim, importam tão pouco que se desaparecessem a sua ausência não seria notada) para, como é evidente, resolver a embrulhada. 


Pelo meio há dragões - que aparentemente podem ser controlados pela imperatriz, e que o feiticeiro mau quer controlar (claro), mas que ninguém sabe muito bem de onde vêm, para onde vão, e que impacto têm naquele mundo. E há masmorras, como não podia deixar de ser - o título do filme, afinal, só será publicidade enganosa para os mais distraídos. Há longas sequências de masmorras tão decalcadas de Indiana Jones que o espectador que assista ao filme no conforto da sua sala quase se sentirá tentado a trocar o DVD pelo de Raiders of the Lost Ark (ou mesmo a interromper o filme para ir jogar Tomb Raider na consola mais próxima), com todas as armadilhas obrigatórias e mais algumas, sempre desinspiradas.


A transportar tudo isto está um elenco onde em circunstâncias normais se encontraria talento - quanto mais não seja em Jeremy Irons e em Thora Birch. Mas, convém lembrar, estamos em Dungeons & Dragons: a direcção de actores é inexistente (ou está embriagada), e os actores, decerto com o cheque nos bolsos e bem cientes da pobreza do guião, optaram ou por não se empenhar de todo (Birch) ou por se empenhar em demasia (Irons). A Imperatriz Savina de Birch é o aborrecimento em pessoa, sempre monocórdica e enjoada; e o Profion de Irons é tão over the top que se revela praticamente indescritível - o seu desempenho assume quase a forma de uma performance. Pelo meio, os dois protagonistas (Justin Whalin e Marlon Wayans) surgem estereotipados e com deixas terríveis (com o Snails de Wayans a ser irritante ao extremo na sua imitação rasca da personagem de Chris Tucker em The Fifth Element), a feiticeira Marina de Zoe McLellan revela-se uma Hermione Granger que não vai além do "Satisfaz Menos" e o Damodar de Bruce Payne, o capataz de Profion, está sempre empenhado em conquistar o prémio de vilão mais incompetente da fantasia cinematográfica. 


A banda sonora genérica, a fotografia indigente e os efeitos especiais terríveis (sobretudo para um filme cuja estreia saiu "encaixada" entre portentos visuais como The Matrix e The Lord of the Rings) são os últimos pregos num autêntico caixão de contraplacado - e tornam o orçamento de 45 milhões de dólares num enigma absoluto. E é isto, Dungeons & Dragons - a transposição para o grande ecrã de um dos mais fascinantes e duradouros jogos de fantasia alguma vez criados, num filme a todos os níveis terrível. Mau guião, mau enredo, maus diálogos, más personagens, mau universo ficcional, maus efeitos especiais, má música - nada ali é salvável. Não merece avaliação nem pelo esforço - pois este, convenhamos, foi inexistente. 02/10

Dungeons & Dragons (2000)
Realizado por Courtney Solomon
Guião de Topper Lillien e Carroll Cartwright
Com Jeremy Irons, Thora Birch, Bruce Payne, Justin Whalin, Marlon Wayans, Zoe McLellan e Robert Miano
107 minutos


* Estará longe de ser uma extrapolação pacífica, mas talvez mereça o risco: só nos últimos dois anos - catorze anos depois de Dungeons & Dragons - os projectos de realizar filmes sobre os universos ficcionais de jogos de grande popularidade como Warcraft e Magic: the Gathering começaram a ser de facto desenvolvidos. É claro que a causalidade é improvável ao ponto da inverosimilhança, mas ainda assim: apesar de Magic estar hoje no pico da sua popularidade, os anos de ouro de Warcraft, esses, são hoje uma memória. 

26 de agosto de 2014

Dungeons & Dragons, parte 2: Comédia acidental

Numa época em que o SyFy Channel fez do camp o seu sustento e elevou para o estatuto de culto todo um conjunto de filmes-catástrofe (em ambos os sentidos) que, para todos os efeitos, são ficção científica televisiva de Série F ou algo que lhe valha, fará algum sentido repescar Dungeons & Dragons e analisá-lo a partir de outro ponto de vista. O fenómeno, aliás, é já antigo, e antecede o próprio Ed Wood, mestre na arte: os tais filmes que, de tão maus que são em todos os aspectos que se possam conceber, se tornam em objectos fascinantes e irresistíveis. Como quem abranda para assistir ao resultado do desastre na auto-estrada. Neste campo, e no que à fantasia cinematográfica diz respeito (um género onde as obras-primas nunca foram abundantes), será talvez difícil encontrar rival para o Dungeons & Dragons do contrariado Courtney Solomon: por mais interessante que seja o exercício de fazer algo propositadamente mau, conceber tamanho desastre por acaso é um facto tão extraordinário que acaba por ter mérito.

Invertamos, portanto, a escala: à luz dos filmes-tão-maus-que-se-tornam-clássicos, Dungeons & Dragons é um portento - um cocktail improvável e explosivo de tudo o que um filme pode ter de mau elevado à décima potência. Mas que acaba por se revelar num caso interessantíssimo de comédia acidental pelo empenho do seu elenco, apostado em disparatar tanto quanto possível. Para quem não acreditar, aqui fica a "prova A":



Descontemos os efeitos especiais miseráveis que animam o dragão: nesta curta cena, logo nos primeiros minutos do filme, vemos Jeremy Irons no seu mais perfeito modo ham & cheese: descrever o seu desempenho como exagerado passa por eufemismo. Mas é mesmo isso que torna o seu Profion num vilão tão memorável: até a sua gargalhada maléfica, derradeira imagem de marca de qualquer vilão que se preze, surge numa caricatura tal que Bruce Payne, ao seu lado, mal consegue conter o riso. O registo mantém-se constante ao longo dos 107 minutos do filme: caricato, disparatado e irresistível. Em suma, e aludindo às palavras do próprio: o inverso daquilo que Alec Guiness fez em Star Wars em termos de gravitas, mas de uma forma incomparavelmente mais divertida.


O resto do elenco não ajuda, note-se: a apatia de Thora Birch no papel de Imperatriz Savina e a estranheza dede Bruce Payne como Damodar (é um desempenho difícil de descrever por ser ao mesmo tempo tão morto e tão exagerado) acabam por reforçar a veia cómica e over the top de Profion. O que se nota especialmente quando entram em cena os comic reliefs do filme: Snails (Marlon Wayans) e o anão Elwood (Lee Arenberg) esforçam-se nos seus gags e nas suas imitações grosseiras, mas nunca conseguem alcançar o patamar cómico do vilão. Convenhamos, porém, que em momento algum o guião ajudou: para além dos diálogos pedestres e dos clichés martelados, ainda produziu momentos tão bizarros que só podem funcionar como comédia.


Quando juntamos a este caldo efeitos especiais mais fracos que os de qualquer produção televisiva de orçamento médio (daquela época) e um mundo ficcional construído às três pancadas e sem qualquer vislumbre de substância e de complexidade, o resultado  só pode ser um desastre - mas um desastre tornado hilariante pelo ridículo das suas situações e pelo exagero das suas persoangens. Levado a sério, Dungeons & Dragons é um fracasso inapelável; mas se encarado com humor, revela-se numa das mais inspiradas comédias acidentais da memória recente, um clássico camp que quase podemos descrever como o The Room da fantasia cinematográfica. Que o tenha feito com o título de uma das mais importantes marcas registadas do género acaba por tornar tudo ainda mais surreal. -09/-10

Dungeons & Dragons (2000)
Realizado por Courtney Solomon
Guião de Topper Lillien e Carroll Cartwright
Com Jeremy Irons, Thora Birch, Bruce Payne, Justin Whalin, Marlon Wayans, Zoe McLellan e Robert Miano
107 minutos

25 de agosto de 2014

This happening world (20)

(hoje dedicado inteiramente ao gaming)

No Daily MTG, Mark Rosewater anunciou uma pequena revolução em Magic: the Gathering: uma alteração profunda na forma de estruturar as várias colecções (blocos), eliminando os "Core Sets" de Verão e reformulando a estrutura iniciada em Mirage (1997) de uma colecção tripartida ao longo de um ano para duas colecções em duas partes ao longo de cada ano. As alterações entrarão em vigor a partir do Outono de 2016, após a próxima expansão (Khans of Tarkir, cujo primeiro bloco tem lançamento marcado para o final de Setembro) e após o canto do cisne dos core sets em Magic 2016 - e, como é bom de ver, terão um impacto profundo na estrutura e na jogabilidade de dois dos mais populares formatos, Standard e Draft. Mais interessante, porém - pelo menos do ponto de vista aqui do Andrómeda -, é o impacto que esta alteração irá ter no worldbuilding e nas histórias veiculadas pelo jogo de cartas coleccionáveis: se por um lado uma maior rotação dos blocos, e por conseguinte das personagens, irá permitir visitar mais mundos e desenvolver as histórias com um ritmo mais elevado, por outro lado a dimensão reduzida de cada bloco pode reduzir ainda mais o alcance das narrativas. Enfim, fica o tema para outra ocasião - ou, para ser mais preciso, para um artigo sobre o desenvolvimento narrativo em Magic que anda há algum tempo a marinar nos rascunhos, e que deverá ser publicado em breve. 

No Polygon, Ben Kuchera avalia o risco que o crowdfunding colossal de Star Citizen pode trazer para a indústria dos videojogos no seu todo - considerando aqui as plataformas de crowdfunding que têm servido para dar vida a tantos projectos nos últimos anos, a indústria indie em ascensão e mesmo o modelo de negócio dos grandes estúdios. Sem esquecer, claro, o impacto que um eventual fracasso teria em todo o género dos space-sims, a renascer após anos votados ao esquecimento. No fundo, é disto que se fala: desde o início da sua campanha de angariação de fundos em 2012, Chris Roberts e a equipa de Star Citizen já angariaram mais de 52 milhões de dólares. 

Ainda no Polygon, e recuando mais um pouco (o artigo original é de finais de Julho): Alexa Ray Corriea explora algumas novidades do jogo Middle-Earth: Shadow of Mordor e da fidelidade da narrativa interactiva para com os temas, as personagens e os acontecimentos que Tolkien desenvolveu não só em The Lord of the Rings mas também em The Silmarillion. No caso em concreto, Corriea destaca a presença de Celebrimbor (o artesão que criou os anéis dos Elfos) e da aparência original de Sauron, antes de o desastre de Númenor o condenar à sua forma monstruosa. 

No Going Back, o quinto e último episódio da segunda temporada de The Walking Dead, a aventura gráfica da Telltale Games cuja trama decorre no universo ficcional pós-apocalíptico da banda desenhada de Robert Kirkman, tem lançamento previsto para esta semana. O que só pode ser uma boa notícia para quem (como eu) tem aguardado pela conclusão da temporada para adquirir e jogar os cinco episódios. Depois desta semana, só falta apanhar a versão completa numa Steam Sale (via Game Front)


24 de agosto de 2014

Orson Scott Card (1951 - )

Orson Scott Card comemora hoje o seu 63º aniversário. Ender's Game, de 1985, será sem dúvida o seu romance mais conhecido - a história do jovem Andrew "Ender" Wiggin e da sua educação violenta para se tornar num estratega capaz de derrotar os invasores extra-terrestres tornou-se num fenómeno duradouro e num dos textos mais populares da ficção científica literária. Com Ender e com a sua primeira sequela, Speaker for the Dead (1986), Card tornou-se no primeiro (e até agora único) autor a vencer os prémios Hugo e Nébula na categoria de "Melhor Romance" em dois anos consecutivos. No universo ficcional de Ender já foram publicados 15 romances, estando mais alguns previstos; na bibliografia de Card merece ainda destaque a série Tales of Alvin Maker, iniciada em 1987 com o romance The Seventh Son. Para assinalar a efeméride, fica aqui a referência para o pequeno texto biográfico publicado no ano passado