17 de junho de 2014

X-Men: First Class: Regresso às origens

Os sucessos recentes tanto da trilogia Dark Knight de Christopher Nolan como do Marvel Cinematic Universe legitimaram em definitivo as adaptações cinematográficas dos comics de super-heróis não como algo ligeiro e mais ou menos inconsequente, mas como uma forma de entretenimento de dimensão global, capaz de dar origem a filmes que se afastaram do tom camp que marcou boa parte das transposições de banda desenhada para o grande ecrã até à viragem do milénio (os dois Batman de Tim Burton não contam, como é bom de ver). Dado o sucesso de ambas as franchises, torna-se algo fácil desculpar algumas fraquezas mais ou menos evidentes (o desfecho do aclamadíssimo The Dark Knight é muito duvidoso em termos narrativos, e The Dark Knight Rises nunca se eleva acima da mediocridade) e a alguns acidentes de percurso (recordemos, se tivermos estômago para tanto, o Hulk de Ang Lee); tal como é fácil esquecer, perante o marketing milionário, a bilheteira estrondosa e os fanboys entrincheirados, que a afirmação dos comics no cinema antecede em alguns anos o Batman de Nolan e o Iron Man de Favreau: deu-se, sim, na viragem do milénio pela mão de Sam Raimi e Bryan Singer, com Spider-Man e X-Men, respectivamente, com o primeiro a recuperar o sentido de aventura e de diversão do género sem abdicar da qualidade, e com o segundo a mostrar como uma história de banda desenhada pode, em termos narrativos e simbólicos, ser muito mais do que isso. 

É certo que ambas as as franchises se afundam ao terceiro filme depois de um segundo capítulo sólido (a simetria é curiosa), mas o ponto hoje não é esse. Em 2000, X-Men surpreendeu pela forma como conseguiu adaptar uma banda desenhada vasta, complexa e com uma quantidade de personagens de destaque muito superior àquela que é recomendável no cinema. Como é bom de ver, para esse sucesso não terá decerto sido alheio o elenco notável que Singer conseguiu reunir, com Patrick Stewart, Ian McKellen, Hugh Jackman, Halle Berry e Anna Paquin, entre outros. Para fãs e aficionados seria sem dúvida fácil de imaginar que, num eventual reboot da série, dificilmente seria possível reunir um elenco de talento comparável. Mas quando Matthew Vaughn pegou na franchise em 2011 e se propôs explorar as origens de Charles Xavier e de Erik "Magneto" Lensherr (e companhia) em X-Men: First Class, provou ser possível não só fazer com que um relâmpago caia duas vezes no mesmo sítio, como também conjurar um relâmpago mais brilhante à segunda tentativa. 


Se na trilogia original de Singer os papéis de Professor X e de Magneto ganharam uma gravitas muito própria com o carisma de Patrick Stewart e de Ian McKellen, neste regresso ao passado temos James McAvoy e Michael Fassbender a interpretar as versões jovens daqueles dois carismáticos mutantes - e ambos mostram estar à altura do desafio, tanto nas suas cenas em conjunto como nos seus momentos individuais. Sobretudo Fassbender, magnífico como um Magneto sedento de vingança pelos traumas da sua infância às mãos do nazi Sebastian Shaw (Kevin Bacon). Mas a surpresa acaba por chegar em Raven/Mystique, que ganha uma nova e extraordinária vida com Jennifer Lawrence. 


Em termos narrativos, First Class enquadra as suas várias personagens no contexto histórico (verídico) da época - uma noção que, não sendo nova, se revela especialmente bem sucedida a reforçar a verosimilhança daquelas estranhas personagens com poderes espantosos, que para todos os efeitos mal compreendem. O filme abre com um Erik Lensherr ainda criança, deportado para um campo de concentração nazi controlado por Sebastian Shaw. Ao aperceber-se dos poderes involuntários daquela criança, Shaw manipula-o com violência para o ensinar a controlar o seu dom. Mais ou menos ao mesmo tempo, o jovem telepata Charles Xavier conhece uma mutante azul capaz de assumir a forma de quem quiser: Raven. 


Anos mais tarde, enquanto Charles constrói uma carreira académica de prestígio (sempre com o apoio da sua irmã adoptiva), uma investigação da CIA conduzida por Moira MacTaggert (Rose Byrne) leva-a a descobrir que Shaw, com um grupo de mutantes às suas ordens, está a manipular os Estados Unidos e a União Soviética para desencadear um conflito nuclear de escala mundial. Com o objectivo de saber mais sobre os mutantes, MacTaggert chega até Charles - e juntos encontram Erik no decurso da sua cruzada de vingança. Percebendo que Shaw é uma ameaça muito maior, Charles e Erik começam, com o apoio de uma divisão da CIA, a encontrar outros jovens mutantes - num conflito que irá escalar até um confronto naval ao largo de Cuba, com consequências potencialmente devastadoras.


A forma como Vaughn e os argumentistas Jane Goldman, Zack Stentz e Ashley Edward Miller tecem a história das origens dos mutantes e das facções de Charles Xavier e Magneto (a divisão que encontramos na trilogia original) com o contexto histórico da Crise dos Mísseis de Cuba é sem dúvida habilidosa no enquadramento e no tom que confere ao filme, enquanto torna os mutantes mais verosímeis ao colocá-los como actores da História. Dito isto, o argumento de First Class, ainda que sólido durante a maior parte do tempo, não deixa de acusar algumas fraquezas - com a conversão de Magneto e Mystique a acontecerem de forma demasiado rápida, sem tempo suficiente para se estabelecerem como inevitáveis para quem estiver a entrar na franchise naquele momento (sobretudo no caso de Mystique).


No resto, First Class funciona como a prequela praticamente perfeita - recupera os motivos que tornaram a trilogia original numa franchise de sucesso enquanto se reinventa com um novo tom e um novo estilo, e revitaliza as personagens numa história de origens bem contada, com um módico de coerência e um elenco talentoso a ancorá-la. E nem se esquece de deixar algumas referências de passagem: a brevíssima cena com o Wolverine de Hugh Jackman é notável pelo seu sentido de humor e pela forma como, com uma simplicidade desarmante, estabelece o nexo de continuidade entre futuro e passado. Depois da desilusão de X-Men 3: Last Stand, foi sem dúvida um regresso auspicioso à forma; e, mais do que isso, um regresso que permitiu abrir inúmeras potencialidades para o futuro da série. Como se viria a ver, aliás, em Days of Future Past. 7.5/10

X-Men: First Class (2011)
Realizado por Matthew Vaughn
Argumento de Jane Goldman, Zack Stentz e Ashley Edward Miller a partir dos comics de Jack Kirby e Stan Lee
Com James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Kevin Bacon, Rose Byrne, January Jones, Zoë Kravitz, Nicholas Hoult Lucas Till, Matt Craven e Oliver Platt
132 minutos

    2 comentários:

    Pedro Almeida disse...

    A revitalização das adaptações de banda-desenhada de facto legitimou-se com o primeiro X-Men em 2000 mas foi com o primeiro Blade em 1998 que despontou.

    João Campos disse...

    Podemos recuar ainda mais: houve os dois "Batman" do Tim Burton, ambos excelentes (se bem que é possível argumentar que o Joel Schumacher desbaratou o legado do Burton).

    Até já aqui falei do "Blade" - é um filme de que gosto muito. E sim, é uma adaptação de banda desenhada. Mas não creio que fosse à época uma propriedade intelectual tão imediatamente associada aos comics de super-heróis como os X-Men.