Será talvez difícil encaixar The Warrior's Apprentice, romance de Lois McMaster Bujold publicado originalmente em 1986, num sub-género específico da ficção científica. Descrevê-lo como uma história de aventuras, um romance, uma obra de ficção científica militar ou uma space opera não será incorrecto: os seus vários elementos permitem justificar todas estas possibilidades, numa combinação tão invulgar como equilibrada. Mas mais do que isso, The Warrior's Apprentice é um estudo de personagem, em jeito um tanto ou quanto rocambolesco, da figura que se tornaria central ao universo ficcional que ficaria conhecido como a "Saga Vorkosigan": Miles Vorkosigan.
Herdeiro de uma das mais importantes famílias aristocráticas da conservadora e tradicionalista sociedade do planeta Barrayar, Miles Vorkosigan nasceu em berço de ouro, mas não sem dificuldades - devido a um ataque com gás de que a sua mãe fora vítima durante a gravidez, Miles nasceu anão e com "ossos de vidro", duas condições que o marcariam para toda a vida. No momento em que The Warrior's Apprentice arranca, o protagonista tem dezassete anos e encontra-se prestes a começar as provas físicas para o ingresso na Academia Militar (as teóricas, por aquilo que é dado a entender, terão sido superadas com distinção) - e o seu falhanço, assim como a morte do seu avô, o Conde Vorkosigan, e um mistério envolvendo Elena Bothari, filha do seu guarda-costas pessoal (por quem Miles nutre uma paixão não tão secreta quanto isso), levam-no a deixar Barrayar por uns tempos, rumo à libertária e burocrática "Beta Colony", com o pretexto de visitar a sua avó materna. Mas ao chegar, na companhia do Sargento Bothari e de Elena, não resiste a envolver-se numa questão com um cargueiro espacial - e esse envolvimento vai levá-lo até a um sistema distante em guerra, com companhias mercenárias envolvidas.
Um dos aspectos mais fascinantes da leitura de The Warrior's Apprentice reside no acompanhar da aventura de Miles - cuja capacidade de improvisação e cujo génio táctico só encontram paralelo no seu irremediável romantismo. O que começa por ser uma simples tentativa de ajudar o piloto de uma nave espacial obsoleta prestes a ser retirada de circulação vai passar a uma actividade de contrabando de armamento para um sistema em guerra - e da chegada até ao confronto com os mercenários contratados para bloquear as rotas da região vai um passo mesmo muito pequeno. É cativante ver como Miles resolve cada situação e supera cada obstáculo, recorrendo apenas ao seu intelecto e ao seu carisma natural - numa personagem mais trabalhada o encadeamento de situações poderia arriscar a inverosimilhança, mas Bujold equilibra com mestria os vários traços do carácter do seu protagonista, desenvolvendo-o com profundidade e tornando-o humano. Miles não é infalível, e isso nota-se pelos erros que comete e pelos seus ocasionais estados de espírito depressivos - mas a energia nervosa que o transporta (o tão referido forward momentum) contagia a leitura e torna esta sua pequena odisseia pessoal numa aventura memorável.
O resto é a atenção ao detalhe de Bujold, o atrevimento e a inteligência na fuga a algumas convenções da space opera, da ficção científica militar e do romance, o tom ligeiro e bem ritmado, e a construção de um mundo plausível, povoado por personagens genuinamente interessantes e tridimensionais que integram sociedades distintas num futuro de expansão humana pela galáxia (o detalhe de o avanço tecnológico de Barrayar ter sido feito "do cavalo para os transportes aéreos", por oposição outros planetas que conheceram ferrovias em estádios intermédios é um bom exemplo entre muitos). Como personagens secundárias, o Sargento Bothari e Elena funcionam muito bem - a convergência das suas histórias (e tragédias) pessoais no esquema de Miles é feita de forma convincente, enriquecendo a narrativa no seu todo. Mas é na construção de enredo que encontramos o segundo aspecto verdadeiramente fascinante de The Warrior's Apprentice - Bujold utiliza com mestria a maior parte da história não como princípio, meio e fim da aventura de Miles, mas como ponto de partida para o conflito fulcral do romance, e para a sua resolução. E o resultado é excepcional.
The Warrior's Apprentice não é o primeiro livro do universo "Vorkosigan" nem em termos de data de publicação, nem em termos de cronologia interna - e sem ler outras obras deste universo ficcional, poderá ser difícil dizer se será o ponto de entrada ideal para quem o queira descobrir. Não obstante, funciona muito bem como leitura independente e autónoma - e abre o apetite tanto para acompanhar Miles em novas aventuras, como para conhecer algumas das histórias que são aludidas no decurso do livro, mas nunca contadas na íntegra (uma vez mais, a noção de passado histórico a emprestar verosimilhança ao universo).
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