Entre 23 de Fevereiro e 6 de Março de 1836 travou-se, no contexto da revolução texana, aquela que ficou conhecida como Batalha do Álamo, que opôs pouco mais de uma centena de tropas da pequena guarnição da Missão de Álamo, próxima da cidade hoje conhecida como San Antonio, ao vasto exército mexicano do General Santa Anna. A história da batalha, na sua essência verídica, ganhou massa crítica e tornou-se numa lenda popular, inevitavelmente romantizada - a expressão "Álamo" evoca quase de imediato a ideia de uma resistência até ao último homem. O cinema contribuiu para o mito, com a batalha a ser contada e recontada em várias adaptações, com mais ou menos liberdades artísticas; a mais popular será talvez a de 1960, intitulada The Alamo, com John Wayne a realizar e a interpretar o protagonista Davy Crockett, personagem real que se tornou em matéria de lenda.
"Álamo sobre rodas" será talvez a forma mais resumida e rigorosa para descrever a essência de Mad Max 2, mais conhecido como The Road Warrior - a sequela directa ao filme de estreia de George Miller que introduziu um mundo pós-apocalíptico muito inspirado pela estética e pelas convenções narrativas dos westerns. Se o primeiro explorou a ideia do caos a chegar aos últimos redutos da civilização, este segundo aborda a ideia da resistência até às últimas consequências, transportando a acção directamente para o Outback australiano, aqui transformado em Oeste Selvagem pós-apocalíptico e pós-tecnológico. E fá-lo em jeito de lenda, muito ao gosto dos westerns, onde o renegado Max de Mel Gibson se tornou no mítico guerreiro do asfalto.
E o Álamo é o tremendo camião cisterna fortificado, símbolo da comodidade mais preciosa daquele futuro incerto, que Max aceita conduzir na fuga desesperada dos habitantes da refinaria-fortaleza do Outback australiano para o litoral ameno, onde almejam dar os primeiros passos para a reconstrução das suas vidas com um módico de civilização. Toda a longa sequência que se desenrola a partir do momento em que o camião, com Max ao volante e uma mão-cheia de companheiros armados para o defender, cruza os portões da refinaria é um autêntico tratado no que a perseguições diz respeito.
Repleta de energia e de dramatismo, a perseguição de Mad Max 2 é bem sucedida a vários níveis. A sua intensidade em crescendo é pautada por inúmeras peripécias e por pequenas vitórias e derrotas tanto para os defensores do camião como para o gang que o acossa; até à reviravolta final, surpreendente e ousava - e, em termos narrativos, irrepreensível pela sua lógica. Os stunts, esses, são ousados, arriscados e perigosos - e por isso memoráveis. O cinema contemporâneo tem mesmo muito que aprender com os clássicos.
A importância daquele camião é estabelecida logo nas cenas iniciais - e valerá por isso a pena regressarmos ao início do filme. Ao contrário de Mad Max, que coloca o espectador naquele mundo sem introdução contexto, Mad Max 2 arranca com um breve prólogo que, em jeito de registo oral e com um tom que aproxima a História do mito, explica em traços gerais o que levou à queda do mundo: como o tempo em que "o mundo era alimentado pelo combustível negro" e em que "brotavam cidades de tubos e aço pelos desertos" chegou ao fim devido à guerra, "por motivos esquecidos", entre superpotências ali reduzidas a "duas poderosas tribos guerreiras", detentoras de arsenais nucleares; e como o caos que se seguiu levou homens honestos, como Max, a metamorfosearem-se em párias violentos.
O fim da civilização ditou também o fim do combustível refinado, comodidade mais preciosa naquele futuro - é ela quem mantém em movimento os clãs nómadas, e é ela que permite a Max manter-se à frente da borrasca. A importância da gasolina é bem ilustrada nas primeiras cenas - finda a perseguição inicial, Max precipita-se para recuperar o combustível do veículo inimigo destruído, quando a ameaça do gang que o perseguia não está ainda completamente debelada. Mas também na motivação dos gangs quando cercam a refinaria. Como o "Gyro Captain" de Bruce Spence lembra, estão ali apenas pela gasolina.
Não se sabe ao certo quanto tempo passou entre a consumação da vingança de Max no primeiro filme e a perseguição que abre o segundo; a continuidade, essa, é estabelecida de forma magistral pela atenção ao detalhe de George Miller: é visível em Max, mais desgastado, com mazelas físicas visíveis (o ferimento que sofreu no joelho é o mais evidente), e com o carro a exibir muito uso; e é visível na própria estética dos gangs nómadas de motoqueiros e criminosos, com o estilo punk original a complementar-se (a degenerar?) com indumentárias fetichistas.
De certa forma, Mad Max 2 vive do antagonismo para com o filme original no que ao protagonista diz respeito. Se Mad Max teve como tema principal a destruição da vida de Max, The Road Warrior mostra a sua reaproximação ao que naquele mundo passa por civilização, o seu esforço desesperado por, perante a perda do pouco que lhe restava, tentar preservar esse ideal - e, no processo, a sua transformação em lenda. Max pode ser apenas uma sombra do homem que foi, mas nem por isso perdeu a sua humanidade.
À semelhança do seu antecessor, Mad Max 2 não é um filme com grandes ambições narrativas, como bem demonstra o seu minimalismo narrativo - que, tal como no primeiro filme, está longe de constituir um problema e revela-se mesmo numa das suas maiores virtudes. A caracterização daquele mundo pós-apocalíptico é feita essencialmente por indicadores visuais, bem colocados por George Miller; e a sua atenção ao detalhe é exemplar, notando-se na inteligência com que coloca em cena todos os elementos que vão ser relevantes mais à frente, e na mestria que exibe na orquestração das sequências de acção, que são a grande força do filme.
Tenso, frenético e extremamente bem montado, Mad Max 2 é um filme de acção exemplar e uma continuação digna do seu antecessor. Qual dos dois se revela o melhor será uma matéria de preferência individual; em termos práticos, bom seria se todas as franchises cinematográficas tivessem sequelas deste calibre. 8.0/10
Mad Max 2: The Road Warrior (1981)
Realizado por George Miller
Argumento de George Miller, Terry Hayes e Brian Hannant
Com Mel Gibson, Bruce Spence, Vernon Wells, Kjell Nilson, Emil Minty, Michael Preston, William Zappa e Moira Claux
95 minutos
E o Álamo é o tremendo camião cisterna fortificado, símbolo da comodidade mais preciosa daquele futuro incerto, que Max aceita conduzir na fuga desesperada dos habitantes da refinaria-fortaleza do Outback australiano para o litoral ameno, onde almejam dar os primeiros passos para a reconstrução das suas vidas com um módico de civilização. Toda a longa sequência que se desenrola a partir do momento em que o camião, com Max ao volante e uma mão-cheia de companheiros armados para o defender, cruza os portões da refinaria é um autêntico tratado no que a perseguições diz respeito.
Repleta de energia e de dramatismo, a perseguição de Mad Max 2 é bem sucedida a vários níveis. A sua intensidade em crescendo é pautada por inúmeras peripécias e por pequenas vitórias e derrotas tanto para os defensores do camião como para o gang que o acossa; até à reviravolta final, surpreendente e ousava - e, em termos narrativos, irrepreensível pela sua lógica. Os stunts, esses, são ousados, arriscados e perigosos - e por isso memoráveis. O cinema contemporâneo tem mesmo muito que aprender com os clássicos.
A importância daquele camião é estabelecida logo nas cenas iniciais - e valerá por isso a pena regressarmos ao início do filme. Ao contrário de Mad Max, que coloca o espectador naquele mundo sem introdução contexto, Mad Max 2 arranca com um breve prólogo que, em jeito de registo oral e com um tom que aproxima a História do mito, explica em traços gerais o que levou à queda do mundo: como o tempo em que "o mundo era alimentado pelo combustível negro" e em que "brotavam cidades de tubos e aço pelos desertos" chegou ao fim devido à guerra, "por motivos esquecidos", entre superpotências ali reduzidas a "duas poderosas tribos guerreiras", detentoras de arsenais nucleares; e como o caos que se seguiu levou homens honestos, como Max, a metamorfosearem-se em párias violentos.
O fim da civilização ditou também o fim do combustível refinado, comodidade mais preciosa naquele futuro - é ela quem mantém em movimento os clãs nómadas, e é ela que permite a Max manter-se à frente da borrasca. A importância da gasolina é bem ilustrada nas primeiras cenas - finda a perseguição inicial, Max precipita-se para recuperar o combustível do veículo inimigo destruído, quando a ameaça do gang que o perseguia não está ainda completamente debelada. Mas também na motivação dos gangs quando cercam a refinaria. Como o "Gyro Captain" de Bruce Spence lembra, estão ali apenas pela gasolina.
Não se sabe ao certo quanto tempo passou entre a consumação da vingança de Max no primeiro filme e a perseguição que abre o segundo; a continuidade, essa, é estabelecida de forma magistral pela atenção ao detalhe de George Miller: é visível em Max, mais desgastado, com mazelas físicas visíveis (o ferimento que sofreu no joelho é o mais evidente), e com o carro a exibir muito uso; e é visível na própria estética dos gangs nómadas de motoqueiros e criminosos, com o estilo punk original a complementar-se (a degenerar?) com indumentárias fetichistas.
De certa forma, Mad Max 2 vive do antagonismo para com o filme original no que ao protagonista diz respeito. Se Mad Max teve como tema principal a destruição da vida de Max, The Road Warrior mostra a sua reaproximação ao que naquele mundo passa por civilização, o seu esforço desesperado por, perante a perda do pouco que lhe restava, tentar preservar esse ideal - e, no processo, a sua transformação em lenda. Max pode ser apenas uma sombra do homem que foi, mas nem por isso perdeu a sua humanidade.
À semelhança do seu antecessor, Mad Max 2 não é um filme com grandes ambições narrativas, como bem demonstra o seu minimalismo narrativo - que, tal como no primeiro filme, está longe de constituir um problema e revela-se mesmo numa das suas maiores virtudes. A caracterização daquele mundo pós-apocalíptico é feita essencialmente por indicadores visuais, bem colocados por George Miller; e a sua atenção ao detalhe é exemplar, notando-se na inteligência com que coloca em cena todos os elementos que vão ser relevantes mais à frente, e na mestria que exibe na orquestração das sequências de acção, que são a grande força do filme.
Tenso, frenético e extremamente bem montado, Mad Max 2 é um filme de acção exemplar e uma continuação digna do seu antecessor. Qual dos dois se revela o melhor será uma matéria de preferência individual; em termos práticos, bom seria se todas as franchises cinematográficas tivessem sequelas deste calibre. 8.0/10
Mad Max 2: The Road Warrior (1981)
Realizado por George Miller
Argumento de George Miller, Terry Hayes e Brian Hannant
Com Mel Gibson, Bruce Spence, Vernon Wells, Kjell Nilson, Emil Minty, Michael Preston, William Zappa e Moira Claux
95 minutos
4 comentários:
gangs de motards punks pós-apocalípticos: gerados no mad max, imortalizados em inúmeros filmes spaghetti scifi.
Em termos de westerns, diria mais uma mistura de Alamo e Stagecoach.
Lembro-me quando saiu: um daqueles filmes sem espinhas para quem lia fc, uma absoluta confusão para quem nunca considerava o futuro e se via sem referências.
Artur: uma das coisas que mais gostei quando estive a jogar "Defiance" foi a atmosfera muito reminescente de "Mad Max": andar a alta velocidade num carro artilhado pelas badlandas terraformadas da Bay Area e enfrentar bandos de punks... priceless. E ainda havia alien bugs, na melhor tradição de "Starship Troopers". Se a série televisiva pegasse nisto, era uma bomba.
Anónimo: bem visto, "Stagecoach". Continuamos nos westerns, e continuamos bem. E faço ideia da confusão...!
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