Num futuro indeterminado, o dinheiro deu lugar ao tempo – ao tempo individual da vida de cada indivíduo. Com a bioengenharia a dar 25 anos fixos a cada pessoa, parando o processo de envelhecimento físico nesse exacto momento – mas concedendo apenas mais um ano de vida. Desse ano, qualquer parcela de tempo – , meses, semanas, dias, horas, minutos, segundos – pode ser negociada em troca de algo. A remuneração laboral diária acrescenta tempo de vida; a aquisição de bens, seja uma refeição ou um bilhete de autocarro, custa preciosos minutos. Não é difícil de imaginar que, numa sociedade deste género, o fosso entre ricos e pobres se faz sobretudo pelo tempo de vida de cada um – os primeiros vivem indefinidamente, séculos até, se assim entenderem, enclausurados nas suas híper-protegidas e híper-vigiadas zonas temporais restritas. Os segundos, esses, vivem um dia de cada vez, em guetos degradados onde cada minuto pode fazer a diferença entre a vida e a morte.
Esta é a premissa de In Time, filme escrito e realizado por Andrew Niccol (Gattaca) em 2011. Quase parece levantada de um outro clássico da ficção científica cinematográfica, Logan’s Run – expandindo a ideia original do tempo de vida limitado para uma alegoria às divisões sociais e ao fosso que separa os privilegiados dos outros, da maioria da população que trabalha sem descanso para sustentar um privilégio ao qual nunca terá acesso. A ideia, como é bom de ver, não é nova; e é difícil, vendo o filme em 2013, afastarmo-nos de uma comparação evidente com a mais recente longa metragem de Neill Blomkamp, Elysium. E não deixa de ser interessante notar como Niccol conseguiu, há dois anos, fazer algo que Blomkamp não foi capaz de fazer há dois meses: explorar a dialéctica clássica de ricos e pobres sem cair no facilitismo do preto-e-branco, e mostrando algumas tonalidades de cinzento entre ambos os pólos.
E é nessas tonalidades de cinzento que reside o interesse do filme.
In Time abre de forma muito forte: uma brevíssima introdução cedo dá lugar a uma sequência de imagens que, com grande eficiência, mostram como funciona aquele mundo no vasto gueto onde os não-privilegiados vivem o seu dia de cada vez. Mas também aqui Niccol não perde demasiado tempo: o ponto de vista de Will Salas (Justin Timberlake), um proletário que vive com a sua mãe (interpretada pela belíssima Olivia Wilde - como se vê, a premissa gera possibilidades muito curiosas) e que costuma encontrar-se com o seu melhor amigo, Borel (Johnny Galecki) num bar da Zona Temporal 12, rapidamente vai encontrar Henry Hamilton (Matt Bomer), um milionário com um século de vida no seu temporizador, que foi para o gueto em busca de algo que a sua existência superprotegida nunca lhe proporcionou ao longo de muitos anos. Como não podia deixar de ser, a sua presença vai atrair os gangsters locais - e Will, ao resgatá-lo, vai ver-se na posse de uma quantidade prodigiosa de tempo, que o levará a um mundo ao qual não pertence.
É de facto uma pena que a segunda parte de In Time não acompanhe a força conceptual da primeira - se a exposição de toda aquela distopia se revela bastante eficiente e interessante, já a componente de perseguição cedo acaba por se esgotar, mesmo quando o perseguidor é interpretado por Cillian Murphy (que, como sempre, nunca desilude). Nem sempre as várias ideias propostas, por interessantes que sejam (e são), são exploradas e problematizadas até ao seu limite - a relação entre Will e Sylvia Weis (Amanda Seyfried), filha de um dos maiores magnatas de "tempo", acaba por gerar várias cenas de estilo "Bonnie & Clyde" curiosas e por suscitar um comentário com potencial, mas nem por isso o papel de Seyfried carrega o mesmo impacto que a curta presença de Bomer logo no início. E os saltos lógicos que, na última meia hora, o enredo dá de forma a avançar dá a ideia de um final demasiado rígido - como se Niccol não tivesse querido alterar um desfecho pré-concebido, e tivesse improvisado, com pouco sucesso, uma solução de compromisso.
Nem por isso, porém, In Time deixa de estar repleto de detalhes excepcionais. A forma como Will, uma vez na zona "privilegiada", é detectado, é excepcional - todos os seus gestos são demasiado rápidos para alguém que, em teoria, teria todo o tempo do mundo. Os "timekeepers", membros de uma unidade especial que controla as transacções temporais, têm o seu tempo sempre limitado - de forma a não os tornar em alvos desejáveis para os gangsters dos guetos. E a deriva securitária do mundo "rico", que dispõe de tempo ilimitado mas que carece de quaisquer formas reais de o gastar com real qualidade (ver cena na praia), acaba por revelar uma das ideias mais fortes de todo o filme: a imortalidade, feita à custa da morte prematura de milhares, não tem necessariamente de ser uma bênção.
É exactamente nesse ponto que In Time acaba por se elevar um pouco acima do declínio progressivo do seu enredo - pela forma como os "bons" e os "maus" não são sempre bons e maus, havendo diferentes motivações em jogo tanto de um lado como de outro. Veja-se, a título de exemplo, os criminosos que perpetuam o tempo limitado dos guetos, ou as limitações vividas pelos privilegiados, que não vivem de todo. Os desempenhos dos vários actores não comprometem - Vincent Kartheiser está um pouco comic-bookey como Philippe Weis, mas Cillian Murphy e Amanda Seyfried acabam por compensar; e mesmo Justin Timberlake acaba por assumir o protagonismo de forma credível.
Longe de ser uma obra-prima do nível de Gattaca, ou de elevar a sua excelente premissa ao limite das suas possibilidades e ao patamar dos seus pormenores, In Time é todavia um filme surpreendentemente sólido, com algumas ideias pertinentes e bem construídas a deixar antever um mundo ficcional deveras interessante. É uma pena que alguns momentos surjam apressados, a necessitar de mais algum tempo (pun intended) para assumir a sua importância devida na trama; que o argumento necessite de dar alguns saltos lógicos duvidosos para avançar a narrativa; e que o real impacto do desfecho não seja levado até às últimas consequências. Nem por isso, porém, deixa de ser um filme bastante curioso – sem dúvida merecedor de uma visualização pelas possibilidades que encerra (e, claro, por Amanda Seyfried). 6.9/10
In Time (2011)
Argumento e realização de Andrew Niccol
Com Justin Timberlake, Amanda Seyfried, Cillian Murphy, Vincent Kartheiser, Olivia Wilde, Johnny Galecki, Matt Bomer, Collins Pennie e Toby Hemingway
4 comentários:
Interessante como acabo por concordar com a maior parte dos pontos da tua crítica. Vi o file há alguns meses, sem conhecimento prévio do enredo. Achei o conceito geral do uso do tempo bastante sólido e cativante, mas no final acabei por achar que poderia ter ido mais além. E a forma como termina também não lhe garantiu mais alguns "pontos". Mas a Amanda e a Olivia compensaram ;)
Pois, tb me lembro de um filme que começava bem e caía de uma forma estrondosa, já que a partir de certa altura o enredo se virava para as perseguições, tiros e explosões e se borrifava para a questão de fundo...
Poderia ter ido muito mais além, Nuno. Lá está - abre em jeito de "Gattaca", de forma muito interessante e mesmo provocadora, mas termina como um filme de acção genérico. Já não foi mau ter evitado a armadilha de "Elysium"...
Anónimo: o momento do assalto ao magnata é o momento em que o filme entra oficialmente em modo "jumping the shark". Até aí não estava mau.
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