Quem costuma acompanhar o blogue já terá certamente reparado que, dentro dos vários géneros do Fantástico, é muito raro referir o horror. O que, convenhamos, não acontece por acaso: em termos gerais, de facto, o horror enquanto género interessa-me menos do que a fantasia ou a ficção científica. O que não quer dizer que não aprecie algumas obras marcantes do género: na literatura, o clássico Drácula de Bram Stoker revelou-se numa leitura cativante, e estará para breve a leitura de Lovecraft; e como poderia esquecer as incontáveis horas que, durante a adolescência, passei a jogar Resident Evil 2 e Resident Evil 3: Nemesis na velhinha Playstation? Hoje, porém, é dia de falar de cinema, e nesse sentido vou aproveitar para falar de dois dos poucos filmes de horror que realmente aprecio: Evil Dead 2 e Army of Darkness.
Certo: podemos debater se Evil Dead 2 é de facto um filme de horror ou uma comédia - tem elementos de ambos os géneros, e julgo que é nessa combinação muito bem conseguida por Sam Raimi que reside o charme deste filme de série B de baixo orçamento e muitos recursos. Poderíamos também debater se Evil Dead 2 é uma sequela ou um remake ao original que Raimi realizou em 1981 - não o farei porque, confesso, nunca vi o famoso filme original (por aquilo que li sobre ambos, diria que o segundo é um misto de sequela e remake do primeiro, mas quem conhecer bem a trilogia que diga de sua justiça). Ficamos, então, pela sequência de Evil Dead 2 e Army of Darkness, e julgo que ficamos muito bem.
No centro de ambos os filmes está o Necronomicon Ex-Mortis, o Livro dos Mortos sumério, encadernado em pele humana e escrito com sangue, que contém vários feitiços e encantamentos de evocação demoníaca. Em Evil Dead 2, esse livro foi encontrado por um casal de arqueólogos que o levaram para a sua cabana na floresta, onde começaram a tradução das suas páginas. Sem saber disso, Ash Williams (Bruce Campbell) decidiu ir passar o fim-de-semana com a sua namorada, Linda (Denise Bixler) para uma cabana remota que conhece na floresta, certo de que os seus proprietários não estarão por lá. Como esperado, encontram a cabana vazia - e nela encontram o Necronomicon e um gravador. A gravação contém o início da tradução das páginas do livro, e ao ouvirem-na, libertam uma força demoníaca que vai tornar o seu fim-de-semana idílico num tremendo pesadelo. Army of Darkness vai continuar a narrativa exactamente onde Evil Dead 2 a deixou: com as páginas que faltavam ao Necronomicon, Ash conseguiu abrir um portal para levar a força demoníaca, mas acabou por ser também sugado para o seu interior. Para seu espanto e horror (e tal como estava ilustrado numa das páginas), vai parar à Idade Média durante um ataque de deadites, as criaturas demoníacas do Necronomicon. E com ele segue o seu Oldsmobile, a sua moto-serra e, claro, a sua caçadeira - doravante apelidada de "boomstick".
Começando pelo óbvio: nem Evil Dead 2 nem Army of Darkness seriam memoráveis sem Bruce Campbell, um mestre do humor slapstick que com a sua expressividade dá vida a todo o filme. A cena da possessão demoníaca da sua mão direita em Evil Dead 2 é disso o exemplo perfeito, mas muitas outras, de ambos os filmes, poderiam ser mencionadas. O desempenho de Campbell é de tal forma notável que coloca na sombra os restantes actores, quase tornando os filmes na sua batalha pessoal contra as forças do Mal - e o mais curioso é que isso resulta muito bem.
Ambos os filmes são também exemplares na sua economia de meios e, diria, na imaginação com que Raimi e a sua equipa improvisaram (ou parece que improvisaram) imensos detalhes. Uma visualização mais superficial pode dar a ideia de estes serem filmes quase amadores, mas esse aspecto mais gritty dos filmes acaba por se revelar num dos seus principais pontos fortes. Com orçamentos muito limitados, e numa época em que ainda não se resolviam todos os problemas com CGI (para o bem e para o mal), Raimi colocou todas as fichas nos truques de câmara, na maquilhagem, nas próteses e na stop-motion, reservando os (poucos) efeitos especiais para os momentos em que são efectivamente necessários. Como resultado, os monstros são de facto monstruosos, as cenas mais cómicas de Evil Dead 2 nunca deixam de ser vagamente creepy e o famigerado Army of Darkness é um vasto e espectacular exército de esqueletos stop-motion. Do ponto de vista visual, ambos os filmes constituem uma obra única, fruto da enorme criatividade de Sam Raimi e do talento slapstick de Bruce Campbell.
Evil Dead 2 e Army of Darkness alcançaram um estatuto de culto ao longo dos anos, e estão hoje firmemente ancorados na cultura popular. Alguns dos seus momentos, como a cena da mão no segundo filme, são a todos os níveis icónicos inesquecíveis. O legado de ambos os filmes é vasto, e muitas das suas cenas foram referidas e parodiadas em muitos outros trabalhos em vários meios. Duke Nukem, uma das personagens mais icónicas dos videojogos da década de 90, é uma mistura dos heróis musculados do cinema de acção com Ash Williams ("Groovy!"), e até os autores de Mass Effect não resistiram a aproveitar os métodos muito peculiares de Ash para lidar com palavras mágicas num momento tão surpreendente como hilariante do jogo. É certo que Evil Dead 2 e Army of Darkness podem causar mais gargalhadas do que sustos, mas sejamos francos - em ambos os casos, isso está muito longe de ser um problema. 8.5/10 // 8.0/10
Evil Dead 2 (1987)
Realizado por Sam Raimi
Com Bruce Campbell, Sarah Berry, Danny Hicks, Kassie Wesley, Denise Bixler e Ted Raimi
84 minutos
Army of Darkness (1992)
Realizado por Sam Raimi
Com Bruce Campbell, Embeth Davidtz, Marcus Gilbert, Ian Ambercrombie, Richard Groove e Ted Raimi
81 minutos
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