1 de dezembro de 2012

Mensageiros das Estrelas, Episódio II: Algumas notas

Decorreu durante a semana que passou - entre Terça-feira, 27, e Sexta-feira, 30 de Novembro - a segunda edição, ou o segundo episódio, do colóquio internacional "Mensageiros das Estrelas", organizado pelo Centro de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e dedicado inteiramente à Fantasia e à Ficção Científica. De início, planeei assistir todos os dias a vários colóquios e a várias sessões plenárias, mas acabei por mudar de ideias - em parte por cansaço físico (os dias do Fórum Fantástico, no fim-de-semana anterior, foram excelentes mas desgastantes) e em parte por não ter paciência para os colóquios académicos portugueses (já explico). Ainda assim, assisti a várias sessões, e estou mais ou menos à vontade para deixar aqui algumas notas e considerações sobre o colóquio:

1. A iniciativa: Antes de mais, importa saudar a iniciativa - regra geral, os géneros do Fantástico não são recebidos com entusiasmo em Portugal, tanto no mercado editorial (salvo os best-sellers internacionais) como no meio académico, pelo que a organização de um colóquio académico todo ele dedicado ao Fantástico merece desde logo os parabéns. Ainda por cima quando se trata da segunda edição (e espero, com sinceridade, que chegue à terceira).

2. Os temas: Em termos gerais, o programa pareceu-me um pouco fraco - até em comparação com o anterior. Muito cinema, muita televisão, muito Fantástico da "moda" (leia-se: "muitos vampiros"), pouca literatura de ficção científica. Há que destacar, porém, algumas coisas muito boas e muito raras: uma sessão plenária com o britânico Adam Roberts, escritor e intelectual de ficção científica de primeira água; uma sessão plenária dedicada ao Fantástico nos videojogos (!), e uma sessão que juntou, na mesma mesa, o cineasta e escritor António de Macedo, o escritor Luís Filipe Silva, e (para minha surpresa), o professor Jorge Martins Trindade, que não só me aturou durante dois anos de faculdade, como me deu aquelas que terão porventura sido as mais relevantes lições de escrita que já tive: 1) sim, pode haver excesso de adjectivos, e 2) sim, pode haver excesso de advérbios de modo. Já falarei com mais detalhe sobre estas três sessões.


3. Os oradores (1): Não tendo assistido a todas as sessões, não estou certo de a crítica ser de facto generalizável, e por isso injusta, mas aqui vai: os professores portugueses precisam de 1) aprender a fazer Powerpoints, ou a deixar de os usar de todo, e 2) aprender a falar para o público, e não a ler para o público. Não que eu seja um especialista no que diz respeito a falar em público e para o público, mas, com franqueza: ler durante uma hora seguida, em Inglês fragmentado, para uma plateia não é uma aula - é uma sessão de tortura, é uma seca de tal ordem que faz um montado de sobro no Alentejo em pleno Agosto parecer uma floresta tropical. Quando o suporte a tal leitura é um Powerpoint mal amanhado, com slides cobertos por autênticas paredes de texto, a coisa ganha contornos dantescos, e não é qualquer chávena de café que previne a soneca involuntária. A primeira sessão do colóquio à qual assisti, logo no primeiro dia, fez-me recordar tudo aquilo que detestei na universidade. A reacção foi simples: no programa, desisti de todas as sessões que julguei serem potencialmente interessantes e fui apenas àquelas que queria mesmo ver (e mesmo assim, ainda fui enganado numa). É possível que tenha perdido algumas coisas interessantes, mas a desmotivação falou mais alto. Juro que não exagero: com professores assim, não admira que os alunos não tenham o mais remoto interesse pelas aulas.

4. Os oradores (2): A sessão plenária de Adam Roberts foi, no contexto do colóquio, um oásis. Durante uma hora de Sexta-feira, Roberts falou para uma plateia sobre o sentido de humor e a Ficção Científica. Não leu uma única linha - falou, de forma fluída, improvisada (mas não descuidada), fundamentada e, sempre com muito humor. Não precisou de Powerpoint com paredes de texto - bastou-lhe um marcador, um quadro branco, e um vídeo que foi buscar ao Youtube. Professores portugueses, aprendam - é assim que se dá uma aula. É assim que se cativa os alunos, e os faz estarem na sala de aula, independentemente da hora ou da quantidade de trabalhos que tenham para fazer. 

Numa sessão intitulada "SF and Laughter", Adam Roberts falou sobre várias definições possíveis de ficção científica (referindo Darko Suvin, Roman Jakobson e Samuel Delany), sobre o que é o humor, uma piada, e os motivos pelos quais nos rimos, e ainda arranjou tempo para mostrar a curta They're Made Out of Meat, de Stephen O'Regan, com base no conto homónimo de Terry Bisson. Bem sei que isto é um pobre resumo daquela hora, mas a verdade é que dada a qualidade superlativa da sessão, qualquer descrição seria pobre.

5. O Fantástico Português: A sessão dedicada ao Fantástico português (também na Sexta-feira) contou com um painel de peso: António de Macedo, Jorge Martins Trindade e Luís Filipe Silva. Esta era a sessão que mais me interessava em todo o colóquio, tanto pelos autores como pelos temas abordados, e correspondeu por completo às minhas elevadas expectativas. 

Esta sessão começou com um acontecimento raro: António de Macedo a reflectir e a falar da sua própria obra (algo que o próprio admitiu não gostar de fazer), numa pequena mas muito interessante apresentação intitulada "As Quatro Mensagens das Minhas Estrelas". Macedo definiu quatro pilares sobre os quais assenta a sua obra fantástica, tanto na literatura como no cinema: "Sendas da Iniciação", "O Real e os Impossíveis Interstícios", "O Presente Oculto no Futuro" e "O Cenário Maliciosamente Vivo". Sempre com exemplos retirados dos seus vários filmes e livros. 

Jorge Martins Trindade, professor na Escola Superior de Comunicação Social, optou por falar de Jorge de Sena e por uma obra muito especial deste autor português: O Físico Prodigioso, que identificou desde logo como um dos seus livros preferidos e um dos mais marcantes que já leu. Numa apresentação intitulada "O Espelho Diabólico: Incidência do Fantástico n'O Físico Prodigioso, de Jorge de Sena", Jorge Martins Trindade dissertou sobre os vários elementos do Fantástico que é possível encontrar nesta obra, como fonte simultânea de ambiguidade e de familiaridade ao longo de toda a narrativa.

Luís Filipe Silva optou por fazer alguns destaques sobre a investigação que se encontra actualmente a desenvolver sobre a história da ficção científica portuguesa. Numa apresentação intitulada "Portugal pertence ao Futuro / O Futuro inclui Portugal? Breves visões sobre Portugais futuristas ditados pela Ficção Científica portuguesa", Luís Filipe Silva falou da visão de Portugal futuro em algumas obras da proto-ficção científica nacional, como O Mundo no Ano 3000 (1859), de Sebastião José Ribeiro de Sá, Lisboa no Ano 2000 (1906), de Mello de Mattos, História Autêntica do Planeta Marte (1921), de Henri Montgolfier, traduzido José Nunes da Matta, A Cidade Vermelha (1923), de Luiz Costa, e A.D. 2232 (1938), de Amílcar de Mascarenhas. 

6. Videojogos num colóquio académico: Isto é um acontecimento tão invulgar que, só por si, é notícia. Há muito que defendo - e não estou sozinho nisto - que os videojogos são um meio poderoso para contar histórias de fantasia e ficção científica. Mais: fazem-no desde os seus primórdios, e cada vez melhor. O professor Rui Prada, do Instituto Superior Técnico, pelos vistos tem a mesma opinião, e numa interessante sessão plenária, falou sobre a capacidade de os videojogos contarem histórias, sobre a forma como o fazem e sobre as suas forças e limitações enquanto meio de criação e exploração interactiva de mundos fantásticos. Falou ainda sobre personagens sintéticas, referiu a evolução tecnológica que permite personagens artificiais cada vez mais inteligentes e complexas, e mostrou algumas aplicações práticas que os videojogos têm. E ainda tranquilizou a audiência quando disse que o Técnico não está a desenvolver a Skynet. Não consegui, porém, ficar a saber qual a sua opinião sobre o final de Mass Effect 3 (percebi que gosta da série). E, como não podia deixar de ser, não faltou - como não poderia faltar - a malfadada pergunta do público sobre os perigos dos videojogos para as crianças. 

7. "Lisboa pela Máquina do Tempo": Este foi o título de uma interessante sessão plenária no final da tarde de Quarta-feira, com moderação de Luís Filipe Silva e com João Barreiros, Octávio dos Santos e Luís Sequeira como convidados. Com o objectivo de falar de uma Lisboa passada e futura, a sessão começou com a simulação virtual (em tecnologia Second Life) de uma Lisboa pré-terramoto de 1755, mostrada por Nuno Sequeira. João Barreiros falou sobre a sua mais recente antologia, Lisboa no Ano 2000 (Saída de Emergência, 2012), que teve a sua apresentação oficial dias antes, no Fórum Fantástico, e que procurou, através de contos de vários autores, recriar uma Lisboa electropunk que nunca existiu - como se fosse imaginada pelos autores da (proto) ficção científica portuguesa da viragem do século XIX para o século XX. Octávio dos Santos, organizador da antologia A República Nunca Existiu! (Saída de Emergência, 2008), referiu que neste campo, a ficção está em desvantagem para com a realidade histórica de Lisboa - e a partir daqui, desenrolou-se uma interessante conversa entre os três convidados e o público sobre a cidade de Lisboa, a sua destruição real e imaginada, os motivos pelos quais nem a literatura escapa ao centralismo da capital e a sua rica história. 

8. Antologia "Mensageiros das Estrelas": O colóquio terminou, no final de tarde de Sexta-feira, com a apresentação da Antologia Mensageiros das Estrelas, com organização de Octávio dos Santos, grafismo de Pedro Piedade Marques e edição da Fronteira do Caos. Esta antologia reúne contos fantásticos de vários autores nacionais, e estará nas livrarias a partir de Janeiro de 2013. Num ano em que o Fantástico em Portugal esteve especialmente vivo, é de saudar esta antologia, a terceira de contos fantásticos editada neste ano. 

4 comentários:

Artur Coelho disse...

só para contrariar o teu "Videojogos num colóquio académico: Isto é um acontecimento tão invulgar que, só por si, é notícia": http://www.nonio.uminho.pt/jcde2012/?page_id=263 , http://webs.ie.uminho.pt/encontro.jml/ and so on and so forth. e bolas, o painel de sexta era imperdível. alguém gravou?

João Campos disse...

OK, eu reformulo: "videojogos num colóquio académico sobre ficção científica." Julgo que assim fica mais correcto - e mais próximo daquilo que eu pretendia de facto dizer.

(basta pensarmos que - e passe o desvio -, numa época em que há videojogos como "Mass Effect", "The Witcher", "Portal", "Bioshock", "Half-Life" e muitos outros, com óptimas narrativas perfeitamente enquadradas do Fantástico, os principais prémios do género continuam a ignorá-los)

Referes-te a qual sessão - à do Adam Roberts ou à do António de Macedo/Jorge Trindade/Luís Luís Filipe Silva? Foram ambas muito boas, e tanto quanto sei, os únicos registos que delas há residem nas memórias individuais dos participantes. Não faço ideia se alguém gravou.

Roberto Bilro Mendes disse...

Excelente texto, obrigado João.

Já quanto às Antologias Fantásticas deste ano, penso que estás a contar uma a menos...A do Rogério (Fantasporto), a do João Barreiros (Lisboa no Ano 2000), a do Colóquio Mensageiros das Estrelas e...a Vollüspa! Faltava esta ;)

João Campos disse...

Eu é que agradeço, Roberto.

Tens razão, falta a Vollüspa. Ainda bem que falas nisso: onde se arranja? É resolução de 2013 dedicar-me aos contos, e tenho de arranjar estas antologias todas (mais a da Pulp Fiction, do Luís Filipe Silva).