Voltamos hoje ao Letters of Note (um pequeno baú com muitos tesouros) para falar da ficção científica televisiva. Produzir uma série do género tem muito que se lhe diga - sobretudo quando a coisa estava ainda a dar os primeiros passos, na década de 60. Dois meses volvidos sobre a estreia da primeira, hoje lendária, temporada de Star Trek, Isaac Asimov - ainda por cima - publicou um artigo na revista TV Guide intitulado What are a few galaxies among friends?, criticando de forma mordaz e cientificamente precisa a falta de rigor científico presente na ficção científica televisiva da época, com exemplos de Lost in Space e Star Trek. O artigo pode ser lido na íntegra aqui, e contém pérolas como esta:
In an episode of Star Trek (which seems to have the best technical assistance of the current crop) a mysterious gaseous cloud is sighted "one-half light-year outside the Galaxy." But the Galaxy doesn't have a sharp edge. The stars just get fewer and fewer and trail off. To speak of anything being one-half light-year outside the Galaxy is like saying a house is one-half yard outside the Mississippi Basin.
Se isto não é um headshot, não sei bem o que será. Adiante. O artigo, como seria de esperar, foi lido por imensa gente - entre as quais Gene Roddenberry, criador de Star Trek, que decidiu responder a Asimov numa carta que pode ser lida aqui, e da qual cito alguns excertos:
Enjoyed it [o artigo de Asimov na TV Guide] as I enjoy all your writing. And it will serve as a handy reference to those of our Star Trek writers who do not have a SF background. Although, to be perfectly honest, those with SF background and experience tend to make the same mistakes. I've found that the best SF writing is no guarantee of science accuracy.
Roddenberry, como se pode ver, também tinha chumbo grosso. E continua:
A person should get his facts straight when writing anything. So, as much as I enjoyed your article, I am haunted by this need to write you with the suggestion that some of your facts were not straight. And, just as a writer writing about science should know what a galaxy is, a writer writing about television has an obligation to acquaint himself with pertinent aspects of that field. In all friendliness, and with sincere thanks for the hundreds of wonderful hours of reading you have given me, it does seem to me that your article overlooked entirely the practical, factual and scientific problems involved in getting a television show on the air and keeping it there.
É certo que a desculpa pode ser um tanto ou quanto esfarrapada, mas toca num ponto fundamental: a ficção científica na televisão (e, acrescento, no cinema) é muitas vezes uma espécie de "arte do possível" - como tal, muitas imprecisões acabam por ser necessidades incontornáveis do processo de produção (gravidade em naves espaciais, por exemplo).
Quoting Ted Sturgeon who made his first script attempt with us (and now seems firmly established as a contributor to good television), getting Star Trek on the air was impossible, putting out a program like this on a TV budget is impossible, reaching the necessary mass audience without alienating the select SF audience is impossible, not succumbing to network pressure to "juvenilize" the show is impossible, keeping it on the air is impossible. We've done all of these things. Perhaps someone else could have done it better, but no one else did.
É interessante notar a falta de "temor reverencial" de Roddenberry face a Asimov - que à época era um cientista de renome e dos maiores nomes da ficção científica literária. A história, contudo, acabou bem. Roddenberry e Asimov continuaram a trocar correspondência, ficaram amigos e Asimov acabou mesmo como consultor da série (e ajudou a resolver alguns problemas). O artigo no Letters of Note inclui mais algumas missivas trocadas entre ambos que merecem leitura.
Fonte: Letters of Note
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