Prometheus era sem dúvida um dos filmes mais aguardados deste ano. Por um lado, marca o regresso do realizador Ridley Scott à ficção científica, género para o qual deu um contributo inestimável há mais de três décadas ao realizar Alien, em 1979, e Blade Runner, em 1982. Mais: Prometheus representa também o regresso de Scott ao universo de ficção científica que criou com Alien, e que, exceptuando a sequela realizada por James Cameron (Aliens, de 1986), foi sendo posteriormente abastardado com sequelas e spin-offs cada vez piores (Alien versus Predator foi um dos raros filmes que me fez desligar o leitor de DVD a meio; ao segundo não dei qualquer hipótese). E, claro, se falamos de expectativas falamos de hype, e Prometheus elevou a fasquia do hype cinematográfico com uma longa e eficaz campanha de marketing impulsionada online, a qual consistiu nos inevitáveis trailers e em vários e excelentes vídeos virais que iluminaram alguns aspectos do que aí vinha, aguçando o apetite sem no entanto revelar demasiado. A questão é: conseguiu Prometheus alcançar a fasquia que Ridley Scott estabeleceu no campo da ficção científica com os seus dois clássicos, e que o próprio Prometheus elevou com a sua campanha? (aviso: SPOILERS).
Do ponto de vista visual, diria que sim: esteticamente, Prometheus é a todos os níveis formidável, um exemplo excelente de como usar e trabalhar bem os efeitos especiais que a actual tecnologia permite. Da primeira - e enigmática - cena à espectacular aterragem da Prometheus (o próprio design da nave é uma maravilha) na lua distante designada por LV-223 (note-se que não é o planeta de Alien), sem esquecer formidável tempestade, a infra-estrutura alienígena que a tripulação encontra naquele mundo distante, a nave dos Engineers a fazer lembrar os fabulosos designs de H.R. Giger e todos os horrores que ela contém. Nada a apontar aqui: Ridley Scott mostrou que, mesmo volvidos trinta anos desde o seu último projecto desta envergadura, continua em plena forma no que diz respeito à criação de uma experiência visual única. Pode não ser tão cativante em termos visuais como foi Blade Runner (que neste campo é difícil de superar, se não for mesmo impossível), mas diria que não via nada tão impressionante desde The Matrix em 1999 (Avatar joga noutro campeonato).
Infelizmente, o argumento de Jon Spaihts e Damon "Lost" Lindeloff não está à altura da componente visual de Prometheus. O filme promete explorar a génese da própria humanidade, o que, numa primeira análise (e apesar de ir buscar as algo rebuscadas, ainda que interessantes teses dos "ancient astronauts"), parece querer lançá-lo para a esfera de clássicos da ficção científica como 2001: A Space Odyssey. No entanto, a execução do argumento e as várias personagens destruíram qualquer esforço de levar a premissa inicial e os vários elementos simbólicos a sério. Se em termos de ritmo a narrativa não está mal de todo, em termos de nexo deixa tudo a desejar. Existem pontos altos, naturalmente - o desempenho magistral de Michael Fassbender no papel do andróide David, numa espécie de Hal-9000 meets Peter O’Toole; o desempenho sólido de Noomi Rapace enquanto Elizabeth Shaw (mesmo que o argumento não ajude particularmente um ou outro). No entanto, os diálogos oscilam entre o pretenciosamente místico e o estupidamente cheesy; a maioria das personagens parece não ter qualquer motivação para estar naquela missão (e talvez não tenha, dado que o briefing apenas foi feito... quando chegaram ao planeta, após dois anos de viagem) e praticamente todas as suas acções são uma sucessão de disparates que seria cómica se não fosse trágica. Há de tudo: um capitão da nave - e eu gostei do personagem de Idris Elba - que parece mais preocupado em fazer practical jokes e em engatar a executiva de serviço do que manter a tripulação segura; um cientista idiota que retira o capacete no exterior da nave apenas porque o ar é respirável, sem saber se contém algum contaminante (com a agravante de todos - praticamente todos? - lhe seguirem o exemplo e de, a bordo da nave, serem ignoradas quaisquer medidas de descontaminação); um tipo que activa todo o sistema de mapeamento para se perder vinte minutos mais tarde; um biólogo que sai de cena em pânico assim que é encontrado um cadáver de um alienígena, para momentos mais tarde querer fazer festinhas numa espécie de cobra extra-terrestre a assumir a mesma posição de uma cobra comum quando se prepara para atacar; uma tripulação que permanece misteriosamente indiferente ao facto de uma colega ter acabado por fazer uma auto-cesariana com uma máquina, que lhe retirou da barriga uma criatura alienígena; uma cientista que, após sofrer a dita cesariana, veste o fato e anda, corre e salta como se aquilo fosse apenas uma constipação... enfim, poderia continuar durante horas: a lista de disparates cometidos pela tripulação da Prometheus é praticamente infinita. É certo que, num filme desta natureza, o objectivo de todas (ou quase todas) as personagens com excepção da protagonista é morrer de forma particularmente violenta às mãos, às garras ou aos tentáculos de qualquer horror alienígena, mas um pouco mais de profundidade não teria ficado nada mal.

Não que Prometheus seja um mau filme - longe disso. Se ignorarmos alguns aspectos (há outros impossíveis de ignorar), é um filme bastante interessante, exemplar do ponto de vista técnico e com tudo o que seria necessário para ser a grande obra da ficção científica cinematográfica dos últimos anos. Infelizmente, perde-se num argumento (no pun intended) com demasiadas fragilidades para ser redimido numa futura versão director’s cut, como muitos fãs parecem esperar - e a estética, por impressionante que seja (e é), ainda não é tudo num filme. Vindo de Ridley Scott, e após todo o hype, esperava-se muito mais. 07/10.
7 comentários:
Não poderia concordar mais. Visualmente é fantástico, arrebatador. Mas desilude pela quantidade de pontas soltas e disparates dos personagens.
Neste momento tenho a cabeça a andar à roda com a quantidade de teorias que andei a ler por aí enquanto buscava resposta a algumas dúvidas que o filme me levantou.
Ainda assim é um grande filme que valeu a pena ver no cinema. ;)
A minha apreciação vai no mesmo sentido que a tua. Visualmente é muito interessante mas em termos de ideias perde-se. E sim, também mencionei a questão do biólogo com medo de um bicho e de um geólogo que não fazia a mínima de onde estava. (reconhecer os pedregulhos, hello?)
Bráulio, procura "ancient astronauts". O Canal História costuma passar vários documentários sobre o tema - e um dos defensores desta tese até já virou meme.
Não é que a tese não seja interessante - é, e poderia ter dado um grande filme. Concordo quando dizes que Prometheus vale a pena ser visto no cinema - mas é um pouco decepcionante pensar que poderia ter sido O filme de ficção científica dos últimos anos, e não apenas mais um.
Rita, o biólogo é a personagem mais estúpida que já vi em filme. Ah, e o geólogo que tem a possibilidade de ir a um planeta distante, inexplorado - e apenas vai lá, e cito, "pelo dinheiro". Caramba, até os Space Marines do Aliens tinham uma atitude mais interessante.
A mulher-homem é uma das melhores personagens que já vi na tela. A atitude "don't give a fuck", o ar de lésbica butch. Foi essa senhora que os irmãos Wachowvski "homenagearam" no Matrix. E é por isso que a Michelle Rodrigues aparece em tantos filmes.
erm, Rita, hã? :)
Perdoe o francÊs :$
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